Thursday, January 31, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Somos, todos, seres múltiplos, mutantes, diferentes hoje do que éramos ontem, e não somente no aspecto físico, dado o envelhecimento, mas, sobretudo, no plano mental. Com cada pessoa com que nos relacionamos, absorvemos alguma coisa dela: idéias, hábitos, comportamentos, não importa o quê. E quanto maior for o nosso círculo de relacionamentos, mais mudamos, mais diferentes nos tornamos, sem que sequer nos apercebamos dessas mudanças. Criamos, a cada momento, um novo hábito, que se transforma e ganha acréscimos ou decréscimos à medida que o tempo passa e que aprendemos novas coisas com as pessoas com as quais nos relacionamos. Daí ser rigorosamente exata a afirmação de que somos múltiplos. O dramaturgo Samuel Becket afirma, através de um dos personagens de sua peça “Esperando Godot”: “Respirar é um hábito. A vida é um hábito. Ou melhor, a vida é uma sucessão de hábitos, porque o indivíduo é uma sucessão de indivíduos”.

Patrimônio do homem


Pedro J. Bondaczuk

A memória é importante, não nego, mas somente como balizadora de atos. É através dela que uma geração transmite às demais suas experiências e descobertas, impedindo que a espécie retroaja à barbárie. A esse processo de preservação damos o nome de “educação”. Foi para preservar a memória coletiva, para impedir que as grandes idéias, ações e exemplos se perdessem no esquecimento, que se inventou a escrita.
O passado tem, claro, a sua importância, já que a nossa vida é uma continuidade, um todo, uma somatória de tempos. Mas só terá utilidade se recorrermos a ele como parâmetro, como medida, como termo de comparação, para evitar que venhamos a tropeçar nos mesmos obstáculos que nos derrubaram um dia. Ou para impedir que cometamos os mesmos erros que nos tornaram infelizes ou frustraram algum dos nossos projetos. Ou para prevenir-nos de decepções que sejam evitáveis. No mais...
Ainda assim, a memória é, na definição do poeta inglês Alexander Smith, “o verdadeiro patrimônio” do homem. “Em nada mais ele é rico, em nada mais ele é pobre”, complementa o escritor, com o que concordo. Todavia, a despeito da sua inegável importância, é extremamente frágil. Preserva pouquíssimos fatos que nos digam respeito e com a fidedignidade desejável para que a levemos a sério.
Com o tempo, a memória se deteriora. Distorce os acontecimentos, fantasia-os, romanceia-os, idealiza-os. Tenho, por exemplo, o hábito de registrar, há já muitos anos, em um diário, os principais episódios que me envolvem. Relendo essas páginas, com o distanciamento de alguns anos, não me recordo de muitos dos que foram narrados. É como se cada fato citado saísse de minha imaginação, fosse uma criação literária, não passasse de um conto. Caíram no esquecimento e só sei que ocorreram porque estão ali, descritos com detalhes, expressando a emoção que despertaram na ocasião, em letra de forma.
Bertrand Russell, em sua "História da Filosofia Antiga", observa: "Quando nos lembramos, as lembranças nos ocorrem agora, e não são idênticas ao acontecimento lembrado. Mas a lembrança nos fornece uma 'descrição' do acontecimento passado e, para a maioria dos fins práticos, não é necessário distinguir entre a descrição e aquilo que é descrito".
Por isso, não costumo me fiar muito na exatidão da chamada "Literatura Memorialística". Encaro o que é descrito como "ficção calcada em fatos reais". A menos que se trate de diário, reproduzido na íntegra, sem tirar e nem pôr, literalmente como foi escrito, dia por dia, não considero os livros do gênero como documentos e muito menos confiáveis. Até a História, que é calcada em documentos, não passa de uma grande ficção. A quase totalidade do que narra é fruto da criatividade do escritor, a despeito da verossimilhança que a narrativa apresente em relação aos acontecimentos relatados.
Mesmo nos diários, é mister observar, a carga de subjetividade é muito grande. Um mesmo fato pode ser encarado e descrito de formas diferentes, dependendo do observador. Quando os textos são bem escritos e os episódios são interessantes, esse é um dos tipos de literatura que mais aprecio. Mas nunca tomo a narrativa ao pé da letra, em seu sentido literal.
Até porque, a memória costuma nos pregar peças incríveis. Se confiarmos cegamente nela, estaremos sujeitos a cair em ridículo, principalmente se, além de "desmemoriados", formos também teimosos. Daí a necessidade do historiador – que pretenda narrar acontecimentos de maneira científica, com milimétrica exatidão –, de contar com um arquivo consistente, que registre os principais fatos com os detalhes essenciais, para que uma realidade que deseja preservar não seja transformada, toda ela, em mera ficção.
Nem tudo (ou quase nada) do que "lembramos" aconteceu exatamente da maneira que achamos. O tempo deturpa detalhes, modifica circunstâncias, suprime ou acrescenta personagens e assim por diante, alterando pontos essenciais do acontecimento, embora tenhamos a convicção íntima de estarmos certos em nossa descrição. Em assuntos banais, nada disso tem muita importância. Mas quando se trata de algo sério...
Não devemos, pois, confiar cegamente na memória, que amiúde nos atraiçoa. E nem é sábio viver no passado, abrindo mão das perspectivas abertas pelo presente. Vivamos plenamente cada dia, com bom-humor e alegria, buscando sempre fazê-lo melhor e mais feliz do que o anterior. É a melhor “receita” que conheço para encarar o cotidiano. Nem sei se existem outras.
Claro que não recomendo que se descartem liminarmente as boas lembranças. A bem da verdade, nem as más. Ademais, isso sequer é possível. Ninguém induz uma auto-amnésia, e muito menos uma que seja seletiva e que o leve a esquecer determinados fatos, que considere ruins, e preserve apenas os agradáveis e felizes.
Mas não podemos fazer das lembranças uma espécie de panacéia para a felicidade. São passado. Não voltam mais e jamais podem ser reprisadas. Se tentarmos, o resultado, fatalmente, será o da frustração. A vida não comporta reprises.
Acho sábia (por ser verdadeira), esta metáfora criada pelo escritor norte-americano Austin O’Malley: “A memória é uma velha louca que joga comida fora e guarda trapos coloridos”. O alimento (espiritual, no caso) desperdiçado, são os bons livros, os exemplos edificantes e os relacionamentos elevados que tivemos a oportunidade de vivenciar e que findamos por esquecer. Quanto aos trapos coloridos... Cada pessoa sabe bem quais são os seus...

Wednesday, January 30, 2008

REFLEXÃO DO DIA


As idéias, próprias ou adquiridas, são essenciais para moverem o mundo. Todos as temos em profusão, milhares delas. Elas são o distintivo da racionalidade humana, o que nos distingue dos demais seres da natureza. Alguns, parecem não saber o que fazer com elas. Outros, tantos, transformam-nas em atos e fatos e sustentam o edifício do que chamamos, genericamente, de “civilização”. Todavia, as idéias nunca podem existir de forma isolada, dissociadas umas das outras, sob pena de se tornarem inócuas e sem sentido. Precisam de um encadeamento lógico, de uma ligação coerente, para que gerem os efeitos pretendidos. Ligadas, formam a magnífica corrente do que convencionamos chamar de “sabedoria”. O jurista italiano Cesare Beccaria afirma, a esse respeito, no seu livro “Do delito e das penas”: “É a ligação das idéias que sustenta todo o edifício humano. Sem ela, a dor e o prazer seriam sentimentos isolados, sem efeito, tão cedo esquecidos quanto sentidos”.

O Paraíso está em nós


Pedro J. Bondaczuk



O homem corre, (desde que tomou consciência de si), atrás de um mundo ideal, de um lugar idílico e perfeito onde inexistem a morte, a maldade e a dor. Todas as religiões falam desse local perfeito, onde "o cordeiro confraterniza-se com o leão, a corsa com o tigre" e não há servos e nem senhores. Onde existe a pureza original e não há sujeiras ou impurezas. Os grandes místicos descreveram em detalhes tal Paraíso, que os cépticos duvidam que exista e o atribuem apenas à fantasia. É possível ao ser humano criar um recanto de luz, onde a felicidade seja a única regra?

Com os pressupostos atuais, não. Enquanto o homem não se livrar dos seus desejos, não desatar os nós da sua ambição que o prendem a objetos, não se livrar da sua obsessão pelo poder, não se conscientizar que o "ser" é que é importante, e não o "ter", continuará desperdiçando sua vida, sofrendo toda a sorte de frustrações, mergulhado em angústias, correndo atrás do nada. Sidarta Gauthama já ensinava que a fonte de toda a desgraça humana é o desejo, que engendra toda a gama de sentimentos daninhos que atormentam as pessoas e fazem com que estas atormentem os semelhantes. Os grandes mestres ensinaram, com mínimas variações, a mesma coisa. E deram exemplos de vidas abnegadas para fundamentar esses ensinamentos. Tanto que nenhum deles foi rico. Não, pelo menos, com o que se entende hoje como riqueza.

A serenidade, advinda do despojamento, é o fundamento desse Paraíso, que "O Buda" descreve desta maneira: "O espaço é sereno e a tranqüilidade infinita. Nem frio, nem dores, no meu reino luminoso. O odor do nardo perfuma o ambiente e a vida dos espíritos, balançados nas asas da alegria, sem travos de saudade, não terá fim nem terá cansaços. As mães beijarão os filhos encantadas; os noivos, esquecendo os madrigais inúteis, mostrarão às suas amadas o céu repleto de canções, como o trigal cheio de espigas douradas. Não haverá noite, não haverá sono, mas somente o hálito do destino a aquecer o coração dos crentes e a banhá-los na felicidade indestrutível". A Bíblia descreve o Éden da mesma forma. Existe este Paraíso, este Walhala, este reino de delícias? Onde está? Em algum recanto da Terra? No Sistema Solar? Em um planeta ao redor de outra estrela da Via Láctea? Em outra galáxia, alhures? Onde está? Como chegar até ele? Consulte o seu coração...

Tuesday, January 29, 2008

REFLEXÃO DO DIA


As pessoas criativas “vêem” certa inteligência nas coisas, nos objetos inanimados, por mais triviais que pareçam, que lhes suscitam idéias inovadoras e maduras reflexões. Parecem dialogar, por exemplo, com uma cadeira, com um carro, com uma parede, com uma pedra ou com qualquer outra coisa sem vida. E não estão malucos, como se pode pensar. Para evitar más-interpretações, inclusive, mantêm em segredo esses exóticos exercícios mentais. Tais monólogos, porém, que lhes parecem diálogos, são frutos de uma imaginação fértil, inteligente e criativa. Foi Machado de Assis quem primeiro trouxe o assunto à baila, ao escrever, no romance “Quincas Borba”: “Quem conhece o solo e o subsolo da vida, sabe muito bem que um trecho de muro, um banco, um tapete, um guarda-chuva, são ricos de idéias ou de sentimentos, quando nós também o somos, e que as reflexões de parceria entre os homens e as coisas compõem um dos mais interessantes fenômenos da terra”.

Supergênio renascentista


Pedro J. Bondaczuk

(CONTINUAÇÃO)

IV – Arquitetura, a grande paixão

Apesar de ter sido, também, excelente escultor, que deixou numerosos trabalhos, hoje intensamente admirados pelos que visitam Florença, Mântua, Rimini e outras tantas cidades por onde espalhou suas obras geniais, a arquitetura foi sua grande paixão. Foi a ela que Alberti se dedicou, de corpo e alma, nos derradeiros 28 anos da sua vida.
Como escultor, deixou um livro magnífico, escrito em 1450, “De Statua” (“A Estátua”), em que registrou as técnicas que desenvolveu. Seu aprendizado das técnicas arquitetônicas se deu com o notável mestre Filippo Bruneleschi. Pode-se dizer que na concepção, construção e decoração de magnificentes palácios e majestosas igrejas seu gênio, finalmente, se encontrou.
Alberti também escreveu um livro sobre arquitetura, redigido em 1435, “De Re Aedificatória”, que por muitos anos se constituiu em um tratado, de consulta obrigatória, por quase um século, para arquitetos dessa época.
São inúmeros os monumentos arquitetônicos que deixou por toda a Itália, preservados e apreciados até hoje por pessoas do mundo todo. Quatro, no entanto, se destacam. Um deles é o Palácio Rucellai, em Florença, concluído em 1451. Outro é o Templo Malatestiano, a célebre igreja de San Francesco, concluída em 1455, em Rimini, que se constituiu numa reação ao gótico, que então predominava por toda a Europa. Esta obra é a mais citada como característica do estilo que Alberti implantou.
A fachada da Igreja de Santa Maria Novelli, em Florença, que ele concluiu dois anos antes de morrer, é citada como seu terceiro mais destacado trabalho. O quarto é a Igreja de Santo André, em Mântua. Nesta obra, o notável genovês antecipou o estilo que, anos depois, seria desenvolvido e consagrado pelo notável arquiteto Donato Bramanti.
Leoni Batista Alberti morreu em Roma, em 1472, quando planejava uma nova obra para a Igreja Católica. Estranha-se que uma pessoa com tantos e tamanhos talentos e aptidões não tenha despertado a atenção dos historiadores e seja virtualmente ignorado. É escassa a bibliografia a respeito desse “homem universal”, autêntico cidadão do mundo.
Dante Aligheri disse, certa feita, ao ser forçado a deixar Florença, a pátria que tanto amava, humilhado e amargurado, após sofrer intensa perseguição dos inimigos: “Não posso ver em todas as partes a luz do sol e das estrelas? Não posso meditar, onde quiser, sobre as mais nobres verdades, sem que, por isso, tenha que aparecer, ante o povo e a cidade, em situação de descrédito e de ignomínia?”.
Chiberti, por seu turno, constatou: “Só quem aprende tudo não é, em nenhuma parte, estrangeiro. Ainda que se lhe prive de sua fortuna, ainda que se encontre sem amigos em qualquer cidade que resida e possa aguardar, sem medo, as vicissitudes do destino, será sempre um cidadão”. E arrematou: “Onde quer que o sábio estabeleça seu domicílio, ali encontrará a sua pátria”.
E isso aconteceu com Alberti. Mais do que cidadão de Gênova, onde nasceu, da Itália, da Europa ou do seu tempo, ele é cidadão do mundo, da humanidade e de todas as eras. É um símbolo de um ideal que o homem do chamado “século das luzes” está deixando para trás, ao aceitar a humilhante condição de “peça de uma engrenagem”, ao invés de destacar o seu real estado, que é o de um universo, complexo, rico e, sobretudo, original.

(Matéria Especial, publicada na página 24, do Correio Popular, em 8 de agosto de 1987).

Monday, January 28, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Cada pessoa tem sua “fórmula” mágica para alcançar a felicidade, mas ela apenas será sentida desde que seja identificada. Muitos têm todos os ingredientes necessários para se sentirem felizes, mas não se sentem. Ambicionam o impossível e, com isso, abrem mão dessa desejável condição. Quatro fatores, porém, estão invariavelmente presentes nos caminhos para a felicidade que pessoas dos mais diversos níveis intelectuais e sociais indicam: vida saudável ao ar livre, o amor, a ausência de ambição e a renovação de ideais. A felicidade não é uma pessoa, um lugar ou um objeto específico, mas uma predisposição espiritual. O escritor Edgar Allan Poe (que foi um sujeito sumamente infeliz) também registrou a sua “fórmula”, ao constatar: “As quatro condições elementares para a felicidade são vida ao ar livre, amor de mulher (para os homens, claro, e vice-versa) ausência de qualquer ambição e a criação de um novo e belo ideal”. Simples assim!

Supergênio renascentista


Pedro J. Bondaczuk

(CONTINUAÇÃO)

III – Legado nas artes plásticas

A contribuição de Leoni Batista Alberti para a pintura foi inestimável, embora não conte com nenhum reconhecimento pelo que fez. Não fosse por outra coisa, só o fato de ter formulado por escrito as leis da perspectiva já bastaria para deixar seu nome gravado para sempre na história das artes plásticas. Seus quadros eram figurativistas, ao contrário dos de seus contemporâneos, como Fra Angélico, por exemplo, que pintava temas exclusivamente religiosos.
O genial e eclético genovês, no entanto, transportava para a tela a beleza, onde quer que a encontrasse. No vôo leve e solto de um colibri, numa paisagem exótica, no prenúncio de uma tempestade, no dinamismo do movimento dos animais, enfim, em tudo o que o cercava extraía motivos, temas, imagens para a sua inspirada palheta. Alberti era, sobretudo, exímio retratista. Apreciava reproduzir as figura humana, nos mínimos detalhes, em toda a sua dignidade e grandeza, perpetuando na tela imagens que, na verdade, eram efêmeras, mas que tornava perpétuas com seu pincel encantado.
Para o seu sucesso, também nesta atividade, contribuiu muito o conhecimento que adquiriu de perspectiva, do recurso da convexão óptico-geométrica, ou seja, da representação de um objeto numa superfície plana, dando a ilusão, ao apreciador, da existência de várias distâncias. Suas pinturas eram dotadas de uma espécie de “terceira dimensão”. Pelo menos era esta a impressão que davam.
Toda a experiência que obteve, em vários anos como pintor, Alberti registrou num livro que fez muito sucesso em seu tempo, na Europa; “De Pictura” (“Da Pintura”), lançado em 1435, quando tinha 31 anos de idade e estava no auge da criatividade.
Embora seu nome seja, muitas vezes, omitido das melhores enciclopédias e de tratados sobre a história da arte, sempre que se abordar os grandes mestres do Renascimento, seu nome terá (ou pelo menos deveria ter) um lugar obrigatório entre os gênios das artes plásticas desse século, como Sandro Boticcelli, Leonardo da Vinci, Hubert van Eyk, Hans Memling, Michelanmgelo Buonarrotti9 e Hieronymus Bosch, entre outros.
A perspectiva deu nova dimensão ao homem. Não que ela não existisse, mas antes de Alberti definir os seus princípios, era empírica, experimental, chamada de “romântica”. Foi o gênio genovês que a normatizou. Portanto, constituiu-se, também na pintura, em um fenômeno. Foi um grande inovador, embora aplicando, inflexivelmente, em suas obras, a medição clássica, sobretudo a romana.
Há críticos que afirmam que sua temática era dotada de um certo artificialismo, de um retorno à Antigüidade, como se isso o desmerecesse. Mas nem eles negam a existência de um altíssimo nível poético e cultural em seus quadros, de técnica bastante apurada, muito elogiados, por exemplo, por Masaccio, outro artista genial da época, que morreu, prematuramente, aos 27 anos de idade.
Alberti, por outro lado, teve uma característica considerada única entre os mais famosos retratistas do seu tempo: prescindia de modelos para desenhar seus quadros. Quando via algum rosto que o impressionasse, memorizava seus traços, detalhe por detalhe, e os reproduzia com espantosa fidelidade, dando à figura uma espécie de luminosidade, fruto da impressão deixada pela pessoa retratada em seu inquieto espírito.

(CONTINUA)

Sunday, January 27, 2008

REFLEXÃO DO DIA


A morte assusta todas pessoas, embora em graus variáveis, pelo tanto de mistério que encerra. Alguns ficam apavorados só em pensar a respeito. Ninguém sabe o que se sente nesse momento fatal. Cada qual se limita, à sua maneira, a imaginar como ele é. Há quem tenha fé e creia numa vida espiritual e consciente, melhor do que esta. Outros tantos, porém, entendem que se trata da absoluta extinção, do corpo e do espírito, e que só sobreviverão obras – materiais ou imateriais – que eventualmente deixarmos, mas somente se forem valiosas e merecerem sobreviver. É reflexão incômoda, dolorosa e atemorizadora, mas que deve ser feita com serenidade e maturidade. Afinal, dela ninguém nunca escapou e jamais escapará. É a grande niveladora das pessoas. Atinge tanto o humilde quanto o poderoso; tanto o néscio quanto o sábio; tanto o miserável quanto o milionário. O escritor Graham Greene escreveu a respeito: “Todos chegamos um dia como a água e nos vamos como o vento”.

DIRETO DO ARQUIVO


Que guardiões são estes?


Pedro J. Bondaczuk


O meio ambiente foi nova, e severamente, agredido, e numa das regiões em que até aqui a poluição não havia ainda chegado. Ou seja, no extremo Norte da Terra, no Estado norte-americano do Alasca, mais de 41 milhões de litros de petróleo vazaram para o mar, no maior desastre ecológico que já se verificou nos Estados Unidos.

O interessante em toda essa história é que essa gente que tem vindo a público para apontar seu dedo acusador a nós, brasileiros, por uma pseudodevastação da Amazônia, é o mesmo pessoal que, usando diversos pretextos, tem levantado a tese da internacionalização desse que é chamado de “pulmão do mundo”, como se tivesse competência e sinceridade para exercer o papel de guardião de qualquer coisa.

Não resta dúvida que ninguém, em sã consciência, se atreveria a defender que ocorresse, em nossa maior floresta, a derrubada de milhares e milhares de hectares de árvores, algumas até centenárias, para a transformação da área devastada em pasto (para não dizer, em futuro deserto).

Não há uma única pessoa de bom-senso que concorde com as queimadas insensatas, que se verificam na Amazônia, selva que a natureza levou milhares, quiçá milhões de anos para formar. Este problema, porém, acontece por falta de uma consciência ecológica entre nós, que cabe ser formada pelos órgãos de comunicação do País. E estes estão atuando ativamente nesse sentido, se não as denúncias sobre devastação jamais teriam vindo a público.

O que não se concebe é que aqueles que transformaram este Planeta em gigantesca lixeira cósmica, por ação, pressão ou omissão, venham a nos ditar regras de conduta agora, como se fossem os maiores dos beneméritos. Por trás dessa questão da proteção da Amazônia, estejam certos, escondem-se muitas armadilhas. E não podemos ser tolos de cair nelas.

As grandes potências depredaram o mundo por “ação”, naquilo que é óbvio e evidente. São elas que têm mostrado uma voracidade insaciável por matérias-primas não renováveis (e mesmo as que têm renovação, como a madeira, que elas teimam em não renovar). São elas que levam, por outra parte, os países subdesenvolvidos a explorarem, irracionalmente, seus recursos (alguns deles escassos), para pagar os juros dessa imensa armadilha chamada dívida externa.

Finalmente, são, também, esses Estados poderosos que fazem vistas grossas a determinadas agressões ao meio ambiente, quando isso é de seu interesse. Que se preserve a natureza, todos concordamos. Afinal, estamos no mesmo barco. Mas esse preceito deve valer para todos, e não apenas para os detentores da soberania sobre a Amazônia.

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 28 de março de 1989).

Saturday, January 26, 2008

REFLEXÃO DO DIA


O excesso de cautela, não raro, nos priva do usufruto da felicidade. O medo, esse sentimento instintivo de que a natureza nos dotou para fugirmos dos perigos, quando exacerbado, tem efeito inverso. Quantas vezes, por exemplo, deixamos de ser felizes no amor, por puro temor de enfrentar o relacionamento? Tememos nos ferir, ser rejeitados, quando não traídos e, com isso, deixamos escapar, por entre os dedos, intensa e duradoura felicidade. E os casos de excesso de cautela são muitos, tantos que são impossíveis de serem todos relacionados. Se quisermos ser, de fato, felizes (e todos queremos), devemos deixar todas as portas da alma abertas, a despeito dos riscos. Não há outra maneira. Entendo que vale a pena arriscar. O filósofo Will Durant escreve o seguinte a respeito, em seu livro “Filosofia da Vida”: “Tão arisca se mostra a felicidade que todas as portas por onde ela queira entrar devem permanecer escancaradas”. Escancaremo-las todas, pois!

Feita de palavras


Pedro J. Bondaczuk

Minha poesia é bárbara, tosca, viril,
selvagem diamante não-lapidado,
dura e brilhante, terna e áspera,
encanta e inquieta, ri e chora.

Minha poesia é feita de metáforas,
imagens, cenários, raios-x,
pensamentos, reflexões, verdades,
anseios, lamentos, suspiros, palavrões.

É como ondas bravias
de tempestuosos mares,
volúpias, ódios e amores,
meteoros, cometas, constelações.

É como plácidas águas do lago,
traça círculos concêntricos sem-fim,
espelho primitivo de Narciso
fonte de vaidades, brilho e ilusões.

É como fúria indomável de vulcões,
lavas, gases e fumaça piroclástica,
assusta, inquieta, alerta, aterroriza,
é indomável, viril: é movida por paixões.

Intrincado jogo de xadrez, inquieta charada,
é dura, é terna, é violenta, é suave
conforme o momento e a circunstância.
Minha poesia é feita de metáforas,
de pedras, de flores, de lavas, de água
do bem, do mal, de pureza e de lascívia:
minha poesia é feita de palavras!

(Poema composto em Campinas, em 20 de janeiro de 2008).

Friday, January 25, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Os gênios, espécimes tão raros, dos quais a humanidade tanto carece, têm, como principal característica, a convicção nos valores que os movem. Claro que convém distinguir o fato de estarem convictos de uma possível intransigência ou dogmatismo. Os gênios são clarividentes e sabem fazer a distinção entre o joio e o trigo. Não se limitam a cultivar valores, mas buscam partilhá-los com um número máximo de pessoas. Não se restringem a pensar (todos nós pensamos): acreditam, piamente, nos seus pensamentos e defendem-nos com persistência e vigor. O filósofo Ralph Waldo Emerson escreveu a esse respeito: “Acreditar nos próprios pensamentos, acreditar que aquilo que é verdade para nós, no íntimo do coração, é verdade para todos os homens – isso é gênio”. É até possível que muitos de nós sejamos geniais, mas, por uma razão ou outra, principalmente por excesso de modéstia, não nos convencemos disso e privamos o mundo das idéias de que ele tanto carece.

Supergênio renascentista


Pedro J. Bondaczuk

(CONTINUAÇÃO)

II – Escritor eclético e criativo

A mente inquieta e imaginativa de Leoni Batista Alberti fez com que se tornasse um escritor eclético e criativo, de estilo sólido e erudito. Criatividade, para quem se dedica às letras, é fundamental. George Bernard Shaw observou, a esse propósito, no livro “Volta a Matusalém”: “Imaginar é o princípio da criação. A gente imagina o que deseja; quer o que imagina e, finalmente, cria o que quer”.
Alberti iniciou-se, em literatura, na poesia. Compôs magníficos versos, dedicados a várias donzelas, enfocando as delícias, sofrimentos e maravilhas do amor, dos quais, os poucos que restaram e chegaram aos nossos dias, atestam a imensa força do seu talento e sua genialidade. Dominava várias línguas, em especial o grego e o latim.
Entre tantos livros, escreveu “Philodoxus”, que se constituiu numa das primeiras comédias da Renascença. Em 1441, organizou o primeiro concurso de poesias de que se teve notícia na Itália, na catedral de Florença, cidade em que então residia, que recebeu o sugestivo nome de “Certame Coronário”.
Entre suas obras, destacam-se dois livros muito especiais, em prosa, escritos em italiano, num estilo que era, então, muito popular, o diálogo. Utilizando um hipotético interlocutor, que o interrogava sobre vários assuntos, teve a oportunidade de abordar os temas mais polêmicos e controvertidos de então.
O primeiro desses livros, em quatro volumes (que levou quatro anos para escrever, entre 1437 e 1441), foi “Della Famiglia” (“Sobre a Família”). O segundo, complementou essa análise da vida familiar a Florença de então, e intitulou-se “Dell’Iciarchia” (“Sobre o Governo da Casa”), verdadeiro tratado de economia doméstica.
Outra obra de Alberti, bastante apreciada, pela originalidade e pungência, foi uma oração fúnebre que escreveu para um cão de estimação, que havia morrido de velhice. Como se vê, ele incursionou do trágico ao cômico, do dramático ao lírico, com a mesma perícia e competência.
O segredo desse “homem universal”, todavia, era a sabedoria com que aproveitava seu tempo. Além de produzir, de forma constante e incansável, nos mais variados campos e de estudar intensivamente, ainda conseguia dedicar várias horas diárias à convivência comunitária. Quando lhe indagavam como conseguia reunir tantos talentos e encontrar tempo para tanta coisa, respondia: “Os homens, quando querem, podem tudo”.
Aldous Huxley, quatro séculos depois, chegaria, praticamente, à mesma conclusão ao afirmar: “A maior parte da ignorância é vencível. Não sabemos, porque não queremos saber”. Os contemporâneos de Alberti garantiam que, além de todos os talentos citados, ele tinha, ainda, o dom da profecia. Ele, porém, refutava isso. Dizia que se tratava de mera intuição. Ou seja, que se limitava a juntar os fatos e fazer extrapolações lógicas, e sempre exatas.
Por exemplo, previu a crise na Casa de Este, célebre dinastia florentina, que de fato ocorreu. Previu, também, o destino de Florença com absoluta exatidão. E, por último, prognosticou sobre quais seriam e que trajetória teriam, vários clérigos, que se tornaram papas, por vários e vários anos.

(CONTINUA)

Thursday, January 24, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Rebelamo-nos, via de regra, contra nossas necessidades, em especial as materiais, julgando-nos injustiçados por não termos acesso a determinados bens. Até pode ser que de fato sejamos, mas isso não deveria ser motivo de revolta para ninguém, mas um poderoso indutor de ações. Manda a prudência que nestas circunstâncias procuremos ser os mais auto-suficientes possíveis, sem depender de ninguém, pelo menos para a provisão das coisas consideradas básicas para a sobrevivência. Como? Pondo a cabeça para pensar. Estabelecendo metas e agindo, com competência e afinco, para cumpri-las. Não fosse a necessidade de ter uma moradia segura e confortável, por exemplo, estaríamos, todos, ainda, nas cavernas, à mercê dos elementos e das feras. John Steinbeck expressa isso, com simplicidade, mas com exatidão, no romance “As vinhas da ira”, volume I, ao constatar: “A necessidade é um estimulante do ideal, o ideal, um estimulante da ação”. E não está certo? Claro que sim!

Supergênio renascentista


Pedro J. Bondaczuk

(CONTINUAÇÃO)


I – Atleta, filósofo, sobretudo, artista

Leoni Batista Alberti nasceu em 1404, na cidade de Gênova. Sua trajetória de vida comprova a exatidão daquilo que Albert Camus afirmou, no livro “Notebooks 1942-1951”: “A grandeza consiste em tentar ser grande. Não há outro meio”. E o genovês tentou, não somente em um campo específico, mas em todos os empreendimentos que uma pessoa curiosa e empreendedora possa tentar. Resultado? Foi, sem favor algum, o maior sábio do seu tempo.
Direcionou sua insaciável curiosidade a todos os campos do conhecimento de então. Incursionou e aprofundou-se em todas as artes conhecidas e se destacou em cada uma delas. Em geral, o intelectual, dado o tempo que despende na aquisição de cultura, se descuida do físico. Raramente um gênio artístico, ou científico, ou filosófico é, também, atleta sequer razoável, quanto mais excepcional. Em geral, abarrota os neurônios de sabedoria, mas não dá vazão à energia que tem, determinada pelos hormônios.
Leoni, todavia, foi fora do comum nesse aspecto. Cultivou, com o mesmo empenho e a mesma competência, o físico e o intelecto. Suas habilidades atléticas igualaram-se (e em determinadas fases da juventude até superaram) os dotes de seu privilegiado intelecto. Tentou ser apenas grande e acabou sendo magnífico (diríamos, assombroso).
Ninguém conseguia, por exemplo, vencê-lo em uma corrida, fosse qual fosse a distância. Tinha resistência fenomenal, podendo exercitar-se por horas, sem demonstrar qualquer sinal de fadiga. Com os pés juntos, conseguia realizar um feito que os atletas de hoje, detentores de recordes olímpicos, não conseguem, ou seja, o de saltar sobre os ombros de uma pessoa, sem nenhum ponto de apoio e sem tocar no obstáculo.
Na catedral de Gênova, lançava uma moeda para o alto e a ouvia retinir nas mais elevadas abóbadas. Seus cinco sentidos eram extraordinariamente aguçados e desenvolvidos. Além de tudo, cavalgava como ninguém. Seus contemporâneos deixaram registrado que os cavalos mais vigorosos e rebeldes estremeciam, e ficavam aterrorizados, quando cavalgados por Alberti, tamanhas eram a sua energia e a sua perícia como ginete.
Sua facilidade para aprender, o que quer que fosse, era assombrosa. Tinha memória fantástica, fotográfica. Foi músico, matemático, poeta, novelista, orador, pintor, arquiteto, escultor, filósofo, físico e historiador, entre outras tantas coisas.
Alberti aprendeu música, sem nunca ter tido professor. E tocava vários instrumentos, não somente de ouvido, mas mostrando a mais refinada técnica musical. Tanto que compôs diversas peças, admiradas pelos mais renomados músicos de então.
Em um esforço fora do comum, aprendeu praticamente todos os ofícios conhecidos em seu tempo, desde o de sapateiro ao de médico. Todavia, com todos esses talentos e aptidões, faltava-lhe um, indispensável neste mundo repleto de distorções: o de ganhar dinheiro. Era pobre, muito pobre. Premido por essa pobreza, dedicou-se ao estudo dos dois ramos de Direito então ensinados: o Civil e o Canônico. Afinal, advogar, nessa época, era considerado um grande negócio.
Alberti dedicou-se de tal forma a esse empreendimento, que acabou se debilitando e sofreu severo esgotamento físico e mental. Quando tinha 24 anos de idade, foi advertido pelos médicos que seus membros, outrora tão rijos e que lhe haviam possibilitado realizar tantas e tamanhas façanhas, estavam se enfraquecendo.
Todavia, os seus sentidos e, principalmente, o seu raro senso de objetividade, permaneceram intactos. Para testá-los, Alberti dedicou-se à Física e à Matemática, com pleno sucesso. Em pouquíssimo tempo, aprendeu todas as teorias e técnicas conhecidas e imagináveis dessas disciplinas. Tornou-se uma espécie de consultor artístico, contando com inúmeros discípulos. Interrogava os sábios da época e discutia com eles. E tentava, tentava e tentava aprender mais, sempre mais, sobre todos e sobre tudo.
O poeta norueguês Piet Hein escreveu, no poema “O caminho da sabedoria”: “A via da sabedoria,/a verdadeira via,/é fácil de indicar:/errar, errar, errar,/fazer erros grandes e pequenos,/mas sempre menos/sempre menos”. Alberti, certamente, era assim. Quando se propunha a aprender o que quer que fosse, tentava, tentava e tentava. E, claro, errava, errava e errava...mas sempre menos...sempre menos. Quem nunca erra é aquele que nada faz, nada tenta, nada procura.
Depois dos 40 anos, o nosso personagem voltou o eixo do seu interesse, definitivamente, para as artes. Foi graças à sua produção artística que sobreviveu ao tempo e ao esquecimento. Do Alberti atleta, por exemplo, há raríssimas e esparsas referências, em velhos e esquecidos alfarrábios, encontrados, apenas, em um ou outro sebo da Itália. Do cientista, não restou o mínimo registro, embora tenha dedicado tanto tempo ao estudo e à pesquisa. Mas do artista, sobreviveram magníficos trabalhos de arquitetura, que podem ser admirados e apreciados até hoje.

(CONTINUA)

Wednesday, January 23, 2008

REFLEXÃO DO DIA


A capacidade de fazer concessões é uma arte, atributo, principalmente, dos diplomatas, e nos exige muito cuidado e criteriosa análise. Há pontos em que podemos, e até devemos, ceder, por não trazerem nenhuma espécie de dano a nós e aos quais eventualmente representarmos. Há outros, porém, em que temos que nos manter intransigentes. Estes, por exemplo, são os que se referem à ética e à moral. Nesses dois campos do comportamento não há como fazer concessões. Nenhum ponto que se refira a ambos pode ser considerado pequeno, e por isso, descartável. Se cedermos neles, estaremos, certamente, violentando nossas consciências. O Prêmio Nobel de Literatura de 1998, o português José Saramago, alerta a esse respeito, no seu “Ensaio sobre a cegueira”: “As pessoas começam por ceder nas pequenas coisas e acabam por perder o sentido da vida”. Esse, sem dúvida, é o maior risco e o grande e irreparável erro que muitas pessoas cometem e que não comporta reparações.

Supergênio renascentista


INTRODUÇÃO

Pedro J. Bondaczuk


O século XX, em certos aspectos – em virtude da massificação do conhecimento e da agilidade e abrangência dos meios de comunicação – está conduzindo o homem à anulação da individualidade. Nesse aspecto, o indivíduo regride à Idade Média, época em que quem não fizesse parte de algum grupo (fosse religião, corporação profissional ou partido político), era vítima de perseguições e tinha a vida exposta a riscos.
O individualismo desabrochou, e passou a ser aceito e incentivado, somente por volta do século XIII, no Norte da Itália. Nessa região e época, o indivíduo pôde, pela primeira vez em milênios, ser considerado pela sociedade pelo que era, deixando de ser tratado como “mero objeto do Estado”, invariavelmente dominado por tiranos e tiranias.
O processo de valorização pessoal, todavia, seria completado, apenas, no século XV (que passou a ser considerado como o do “Renascimento” do talento e da individualidade). Foi como se Deus construísse, da argila, um novo Adão, original e único, que despertasse, subitamente, para a vida, absolutamente inocente e néscio: sem conhecimentos, sem lembranças e sem experiências.
Precisaria, dessa forma, aprender tudo sobre tudo e sobre todos. Necessitaria descobrir, identificar e nomear, por exemplo, cada objeto e cada ser vivo que o cercavam e formar conceitos a respeito. Teria o desafio de se relacionar, da forma mais harmoniosa e inteligente possível, com esse mundo imenso e desconhecido, do qual estaria acabando de tomar conhecimento e expandir “ad infinitum” seus limites até chegar à descoberta do Universo.
Não foi por acaso que esse período da história produziu tantos gênios, tantos homens criativos, tantos titãs do pensamento. Foi como se as águas de um caudaloso rio, represadas por muito tempo, subitamente rompessem as barreiras das superstições e preconceitos que as retinham e arrastassem tudo o que encontrassem pela frente, com incontida força, arrasando todos os obstáculos.
Esse período foi, sobretudo, o do renascer da curiosidade, finalmente dessacralizada. As pessoas adquiriram a noção de que não se tratava de nenhum “pecado”, por exemplo, buscar entender a criação. Que em vez dessa consciência se tratar de um “desafio” ao Criador e, portanto, de um “sacrilégio”, como se apregoava, se constituía, na verdade, em tributo ao Seu infinito poder, sabedoria e grandeza.
O homem começou a tomar consciência do valor do conhecimento, pesquisado e testado, quando não intuído. Mas não apenas aquele específico, o pragmático, o voltado para objetivos práticos da conquista do que é indispensável à sobrevivência no dia-a-dia. Não foi por acaso que esse período ensejou o surgimento de gênios, de indivíduos notáveis, de titãs do pensamento nas artes e na filosofia.
Hoje, sem que ninguém nos diga (e nem é preciso dizer), somos tratados como meras peças de uma gigantesca engrenagem, de menor ou maior valor (não importa), que tanto pode ser um Estado totalitário, quanto uma empresa comercial ou industrial ou esse conceito genérico e vago que os cientistas políticos denominam de “sociedade”.
Tristão de Ataíde, em seu livro “Problemas de Estética”, observou: “Pois a verdade torna os homens verdadeiramente livres, ora para o conhecimento pela ciência, ora para criar no mundo as formas variadas de beleza, que dignificam o homem e emancipam os povos”. Foi esse o caminho pelo qual enveredaram os integrantes dessa notável geração de italianos. Ou seja, o da procura do verdadeiro, do concreto, do comprovável, encarado sob o prisma do julgamento da inteligência humana, livre de conceitos preconcebidos.
Seu objetivo, em última análise, constituiu-se na busca por esse diamante de múltiplas faces (todas válidas e autênticas, dependendo do ponto em que fossem observadas), chamado vagamente de “verdade”. Esses individualistas por excelência tinham, como mola propulsora, insaciável curiosidade, sufocada até então por tirânicos sistemas teocráticos, que se propunham a controlar o incontrolável: a mente e, por conseqüência, a imaginação das pessoas.
Através dela, buscavam aprender tudo o que pudessem, quer o útil, quer o inútil, para recuperar séculos de obscurantismo, para saciar uma enorme fome de conhecimento. Eleanor Roosevelt, ex-primeira-dama dos Estados Unidos, observou, em determinada ocasião, para algumas amigas mais íntimas: “Creio que, ao nascer uma criança, se a mãe pudesse pedir a uma fada-madrinha que a dotasse do dom mais precioso, esse dom seria a curiosidade”.
Por isso a Itália desse período, especialmente a região Norte, foi como que o berço do ecletismo europeu. Produziu, entre outros, um Dante Alighieri, que além de notável poeta – criador da imortal “Divina Comédia” – se constituiu num respeitado filósofo e competente teólogo. Leonardo da Vinci surgiu dessa mesma vertente e hoje é difícil definir em que campo foi melhor, se no das artes, ou no das ciências, ou no do comportamento etc.
Contudo, um dos maiores titãs dessa época, que encarna o mito do “homem universal”, o indivíduo integral, dotado da grandeza da divindade (da qual é a “imagem e semelhança”), que tudo sabe, tudo pode e tudo inquire, foi um genovês que é raramente lembrado por historiadores, absolutamente desconhecido da grande maioria, chamado Leoni Batista Alberti.

(CONTINUA)

Tuesday, January 22, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Somos, todos, complexos feixes de instintos, razão, sensações e emoções, em misturas variáveis e, aparentemente, aleatórias. Uma personalidade equilibrada pressupõe a correta dosagem de todas essas características. Todavia, ninguém sabe qual é essa dose adequada de sentimentos e pensamentos. Não podemos prescindir de nenhum deles em nossas vidas. Fossemos, por exemplo, apenas racionais, seríamos como robôs, sem sonhos, emoções e ideais, provavelmente cruéis, já que despidos de amor, solidariedade e piedade. Se, pelo contrário, tivéssemos apenas sentimentos, sem o contraponto da razão, não teríamos o freio racional que permite uma razoavelmente equilibrada convivência com os semelhantes. Não por acaso, o filósofo Blaisé Pascal classificou o homem de “junco pensante”. Por isso é bastante pertinente a indagação do poeta Mauro Sampaio, no poema “Conjectura”: “Se eu fosse apenas sentimentos,/quantos pedaços de mim/sobreviveriam à dor?”. Provavelmente, nenhum!

Busca do essencial


Pedro J. Bondaczuk



O homem, em sua busca frenética pelo supérfluo, perde o essencial. Em sua corrida por bens que apenas lhe pertencerão no curto espaço de sua vida terrena, deixa de cultivar sua alma imortal. Age demais, de forma caótica e desordenada, e pensa de menos, sem método, sem ritmo, sem disciplina. Consegue, no final das contas, apenas infelicidade, causada pela frustração dos desejos.

A natureza existe para ser contemplada em sua perfeição e não para que se tente interferir em suas leis inflexíveis, no sentido de melhorar o que já é perfeito. As necessidades reais do homem são muito pequenas e podem ser satisfeitas sem muito esforço, desde que ele seja atento, disciplinado e diligente.

Consiste no alimentar-se, o suficiente para prover o organismo de energia, e não na gula desenfreada, que afeta o metabolismo e produz doenças. No vestir-se, de forma confortável e funcional, com simplicidade, que é onde o bom-gosto reside. No abrigar-se em uma casa que não precisa de luxo, mas de higiene e conforto.

Tudo o mais é perda de tempo e desvia o indivíduo de sua tarefa mais nobre, que é o raciocínio claro, o pensamento livre, a meditação profunda em busca do autoconhecimento. Não é essa capa de carne, ossos, sangue e músculos, que um dia vai se deteriorar, que tem que ser a preocupação humana. Esta, basta que seja cuidada, através de princípios sadios de alimentação e higiene. O mais, a própria natureza se incumbe de fazer.

É a alma imortal que deve preocupar cada um de nós. A bondade, a solidariedade, a honestidade, a lealdade e a fidelidade precisam ser cultivadas, preservadas e transmitidas às novas gerações, por serem pilares de sociedades sadias. Poucos sabem meditar.

Bhagvan Shree Rajneesh, em seu "O Livro Orange", dá preciosa orientação nesse sentido: "Na meditação você está fazendo nada em particular, está simplesmente sendo. A meditação não tem passado, não está contaminada pelo passado. Não tem futuro, está limpa de qualquer futuro. É o que Lao Tzu chama de we-wu-wei, ação através da não-ação.

É o que os Mestres Zen têm dito: sentando-se em silêncio, sem fazer nada, a primavera vem, a grama cresce por si mesma. Lembre-se: por si mesma – nada é feito. Você não puxa a grama para cima; a primavera vem e a grama cresce por si mesma. Esse estado --- no qual você permite que a vida siga seu próprio caminho, sem querer dirigi-la, sem querer controlá-la, sem a manipular, sem lhe impor nenhuma disciplina --- esse estado de pura e indisciplinada espontaneidade é meditação".

Monday, January 21, 2008

REFLEXÃO DO DIA


O tempo da nossa vida pode ser comparado a um pássaro em permanente vôo. Leva, em suas asas, alegrias, tristezas, sucessos, fracassos, mágoas e saudades, ditadas pelas nossas circunstâncias. A nós compete, se soubermos viver, determinar o que a ave levará para o futuro. O pássaro do tempo ora voa em céu tempestuoso, em meio a nuvens cor de chumbo, de tempestades e nevascas, ora num azul sem mácula, em dias plenos de sol e de luz. Os anos se sucedem, as estações passam e tornam a voltar, num ciclo que parece não ter fim. Mas tem. Um dia o pássaro do tempo parte rumo ao mistério e ao infinito, o da morte e, possivelmente, da eternidade, ou da nossa absoluta extinção. Para onde ele vai seguir, dependerá de nós, de nosso estado de espírito, crenças, sonhos, otimismo, esperanças e fé. Pois, como diz o poeta Mauro Sampaio, nos versos do poema “Oráculo”: “Quando o pássaro partir/para o seu vôo de inverno,/há de levar nas asas o pólen da saudade”.

Grandeza da bondade


Pedro J. Bondaczuk


A bondade, ou seja, a capacidade de ajudar o próximo de maneira espontânea e desprendida, só para vê-lo seguro, alegre ou, pelo menos, equilibrado, sem esperar a mínima espécie de reconhecimento (nenhuma, sequer sua gratidão) – e essa ajuda nem mesmo precisa ser de caráter material, bastando, não raro, um simples minuto de atenção, que pode fazer a diferença entre a vida e a morte de alguém – é o que verdadeiramente distingue o homem, na verdadeira acepção do termo, dos demais animais.
É através de gestos dessa espécie que ele faz luzir sua racionalidade. Essa atitude, embora os néscios, os gananciosos e os egoístas não percebam (e não admitam), é que lhe confere superioridade moral, ascendência afetiva e credibilidade.
O desencanto que se apossa da maioria das pessoas, nestes tempos loucos de insensatez e de violência, é tão grande, que pequenos (mas de maiúsculo significado) gestos de bondade e de solidariedade, que se praticam no dia-a-dia (e que não são poucos), passam despercebidos. Ou são ignorados, quando divulgados publicamente. Ou são, na melhor das hipóteses, logo depreciados.
Neste mundo tão complicado, há quem duvide que exista homem bom. Bondade absoluta, assim como maldade, beleza, feiúra etc. totais não há mesmo. Existem graduações do ao redor do zero até os limites do infinito.
A maldade, a indiferença e a mesquinhez não exigem nenhum esforço de quem opta por sua prática. Produzem, porém, resultados catastróficos, tanto para o maldoso, quanto, e principalmente, para suas vítimas. Suas eventuais “vantagens” são sempre aparentes. Deixam atrás de si um rastro de angústias, ressentimentos e amarguras.
Já a bondade nunca anda sozinha. Requer inúmeras outras virtudes associadas, como sinceridade, abnegação, paciência, constância etc. Tem que ser praticada para, de fato, existir. Seus resultados materiais, em geral, são inexistentes para quem a cultiva. Mas aí é que está sua grandeza. Torna-nos especiais, se não imprescindíveis, no mundo.
Machado de Assis escreveu, em sua coluna “Notas Semanais”, publicada no jornal “Gazeta de Notícias”, de 2 de junho de 1878: “Os qualificativos estão já tão gastos que dizer homem bom parece que não é dizer nada. Mas quantos merecem rigorosamente esta qualificação tão simples e tão curta?” Poucos. Pouquíssimos, na verdade.
Além da bondade, a arte é o caminho para a conquista da grandeza. E esta nunca se faz com os pés no chão. Se a vida não tem qualquer sentido, nos compete lhe darmos algum. Se a religião não passa de mera projeção dos desejos humanos, assumamos a ilusão de que há algum tipo de Paraíso, de sobrevivência eterna, para o que convencionamos chamar de alma. Se a morte é definitiva, façamos tudo o que pudermos para preservar pelo menos nosso nome na memória das gerações vindouras, para que não desapareçam todos os vestígios da nossa em geral sofrida existência. Para tanto, porém, temos que ser úteis, gentis e, se possível, imprescindíveis. Temos que ser bons.
A principal característica de quem é dotado de verdadeira grandeza não é, como muitos (erroneamente) pensam, a arrogância, a prepotência e a soberba. É a humildade. É o conhecimento das próprias limitações. É a correta avaliação do real alcance de suas capacidades, sem sobreestimá-las e nem subestimá-las. É o profundo e irrestrito respeito pelos carentes, pelos fracos e pelos néscios, consciente que se tem muito o que aprender com eles. É respeitar idéias e opiniões alheias, sem abrir mão das próprias convicções. É nunca se achar “iluminado”, mesmo que o seja. É compartilhar experiências e conhecimentos com todos os que estiverem dispostos a essa partilha.
Machado de Assis afirmou, no mesmo texto acima citado: “O grande assombra, o glorioso ilumina, o intrépido arrebata; o bom não produz nenhum desses efeitos. Contudo, há uma grandeza, há uma glória, há uma intrepidez em ser simplesmente bom, sem aparato, nem interesse, nem cálculo; e, sobretudo, sem arrependimento”.
Não há quem não sonhe, mesmo que secretamente, com a grandeza. Todos aspiramos a um status superior, consensualmente reconhecido, não importa em que profissão ou atividade atuemos. Queremos a imortalidade do nosso nome, na impossibilidade de obter a física.
Uns, aspiram ser eminentes cientistas; outros, grandes advogados; outros, mestres, artistas ou, quem sabe, atletas insuperáveis, como Pelé, Jesse Owens, Michael Jordan e tantos outros. E as aspirações vão por aí afora. Mas para se alcançar a grandeza, requer-se que se seja necessário, e mais do que isso, indispensável ao maior número possível de pessoas. É preciso servir o próximo, no limite da nossa capacidade e, se possível, não precisar ser servido nunca por ninguém.
O que torna o ser humano grande não são suas eventuais habilidades físicas, por maiores que possam ser. É o incomensurável poder da sua mente, cujo potencial não tem limites, se o indivíduo se dispuser a usar, sempre, essa “ferramenta” que o diferencia dos demais seres viventes, com eficácia, competência e constância. Foi ela que possibilitou o desenvolvimento das artes, da ciência, da tecnologia e de tudo o quanto de belo, grandioso e espetacular a espécie já construiu. Ela é que deve ser, permanente e incansavelmente cultivada e não a fugaz beleza do corpo que o tempo corrompe e enfeia ou a passageira força física que uma simples gripe ou eventual infecção deterioram e aniquilam.
A maioria das pessoas não tem essa consciência. Teima em buscar o supérfluo e a não fazer conta do essencial. Trata-se de um aprendizado que vai demandar não alguns parcos anos, mas séculos, milênios e gerações. Haverá, todavia, tempo para isso?

Sunday, January 20, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Que grande ventura é termos, ao nosso lado, ao cabo de anos, de décadas de vida, a pessoa que amamos, parceira na construção de sonhos e destinos comuns! Há quem não valorize devidamente esse privilégio. Essas pessoas, quando perdem a metade das suas almas... sentem o mundo desmoronar. Nenhum período da vida é triste, sombrio e doloroso quando estamos acompanhados de quem sempre foi cúmplice e partícipe dos nossos ideais, esperanças e ações. O melhor do amor, ao contrário do que pensam os néscios e insensatos, não está na conquista e sequer na posse. Está no companheirismo, na fidelidade, na mútua cumplicidade, sejam quais forem as circunstâncias. Os dias nunca são solitários, as noites são cálidas e os invernos luminosos, como as mais belas primaveras. O poeta Mauro Sampaio expressa isso, com simplicidade, mas profundidade, nestes versos do poema “Fidelidade”: “Amada! Neste final de inverno,/onde buscar rosas/senão em nossas mãos entrelaçadas?”.

DIRETO DO ARQUIVO


Nazismo ressurge das cinzas


Pedro J. Bondaczuk


A Alemanha festeja, hoje, o primeiro aniversário da reunificação do país com algumas importantes vitórias no esforço de integração do Leste empobrecido de seu território, mas com um perigoso espectro que se está desenhando em seu horizonte político.
No primeiro caso, a despeito do desemprego gerado pelo saneamento financeiro no setor Oriental e dos naturais descontentamentos sociais gerados pelas duras medidas que o chanceler Helmut Kohl foi obrigado a adotar, as dificuldades estão muito longe de ser a catástrofe prevista por alguns analistas apressados no ano passado.
No segundo, observa-se um dramático renascimento do nazismo, especialmente na antiga Alemanha Oriental, num perigoso contraponto ao comunismo que imperou ali por quase 45 anos.
Caso esse nacionalismo exacerbado se caracterizasse apenas por uma ou outra atitude preconceituosa, que não implicasse em violência física, embora condenável, seria até tolerável, pois ninguém é obrigado a gostar de ninguém. Ocorre que o radicalismo hoje é mais do que um sentimento, extrapolando para o terreno da ação.
Grupos direitistas, nos últimos dias, vêm empreendendo sucessivos ataques, com covardes cenas de agressão, a vários centros que albergam estrangeiros. Claro que se trata de um ato criminoso e sobretudo irracional. Tal violência é movida pelo pior sentimento que um ser humano pode abrigar, que é a discriminação de seus semelhantes por motivo de raça, cor, religião, ideologia ou seja lá o que for.
Embora os ataques estejam se estendendo também à Alemanha Ocidental – ontem ocorreu um em Bad Honnef, nos arredores de Bonn – a maioria deles é comandada por alemães orientais que ainda durante o período comunista no Leste do país fugiram para o Ocidente.
É verdade que sua vida, nos primeiros tempos de exílio, também não foi fácil. Tais cidadãos sofreram discriminação – ostensiva ou velada, não importa – de seus irmãos ocidentais. Até hoje ainda existe um ligeiro ranço de preconceito em relação aos que habitavam a antiga Alemanha Oriental.
Isto, no entanto, é inevitável nesse período de ajuste entre as duas comunidades. Foi assim quando da união original dos secularmente dispersos Estados germânicos no século passado. Em pouco tempo, todavia, a homogeneidade será recuperada, como foi no passado, e esses probleminhas serão superados.
Todavia, a exacerbada xenofobia, o rancor patológico aos estrangeiros, em especial asiáticos, africanos e imigrantes do Leste europeu, é um comportamento mais grave, que compete a toda a sociedade conter e eliminar. Aliás, a Alemanha não é o único país em que esse fenômeno se verifica.
Em todo o antigo bloco soviético a tendência na direção da ultradireita é bastante perceptível. Até mesmo, ou principalmente, na URSS, onde as diversas etnias que compõem essa heterogênea e tensa federação usam o frustrado golpe de 19 de agosto passado como pretexto para que ódios seculares venham de novo à tona.
O jornalista da agência Reuter, Tom Heneghan, num comentário sobre esse primeiro ano de reunificação alemã, citou o ex-prefeito de Hamburgo, Kalus von Dohnanyi, que em recente entrevista afirmou: "Uma série de acontecimentos nos últimos seis meses mostrou que a Alemanha unificada não consegue fugir do fantasma do nazismo".
É indispensável que esse fenômeno seja trazido à baila pela opinião pública, e não escondido "debaixo do tapete", discutido, avaliado e que se ressaltem, principalmente, as desastrosas conseqüências que esse sistema absurdo trouxe à nação germânica, na primeira metade do século.
O chanceler Helmut Kohl já vem empreendendo essa tarefa. É preciso, no entanto, que todo o país se mobilize nesse sentido e que os delinqüentes que vêm tumultuando a vida das pessoas sejam enquadrados e punidos conforme preceituam as leis. Só assim a Alemanha será um país "normal" em termos de política externa, acatado e respeitado pela comunidade internacional.

(Artigo publicado na página 18, Internacional, do Correio Popular, em 3 de outubro de 1991).

Saturday, January 19, 2008

REFLEXÃO DO DIA


As pessoas conscientes e equilibradas, que têm certeza de sempre terem vivido da melhor forma possível, com intensidade, mas com afeto, não precisam temer suas lembranças. Tanto as boas, quanto as más, não lhes causam sofrimento, mágoa ou frustração. As coisas positivas serão sempre lembradas com alegria, com uma saudade gostosa, mas não opressiva. E mesmo as negativas não incomodam, diante da certeza de que os obstáculos, posto que aflitivos na ocasião, foram superados com fé e determinação, os montes foram galgados e descidos e, após vencidos, descortinou-se suave e florida campina. Vivamos de forma tal que as lembranças jamais nos causem sofrimentos, mas nos cientifiquem que cumprimos nosso dever e estamos vivos para realizar muito mais. Concordo, pois, com o poeta Mauro Sampaio, que diz, nos versos do poema “Renembranças”: “Como é bom/debruçar-me na janela do tempo:/Quantas paisagens de volta!”.

Minha amada está dormindo


Pedro J. Bondaczuk


Silêncio! Minha amada está dormindo
nua, sobre um edredon grená.
Calem-se as vozes, latidos e miados,
urros, berros e trinados.
Ninguém se manifeste. Silêncio!
Minha amada está dormindo
nua, sobre um edredon grená.

Ela sonha... Agora está sorrindo!
Eu me consumo de ciúme e desejo
enquanto a vasta noite nos cobre,
manto negro de plumas e mistérios,
em que só brilha tênue um abajur lilás.
Mas o instante impõe silêncio:
minha amada está dormindo
nua, sobre um edredon grená.

Cessem os tic-tacs dos relógios,
os rádios, Ipods, DVDs,
vozes, cicios, sussurros,
arquejos e suspiros nas TVs.
O momento impõe silêncio:
minha amada está dormindo
nua, sobre um edredon grená.

Parem risos, choros, imprecações,
fechem-se bares, boates e bordéis,
que o tempo detenha a marcha das horas
e congele os ponteiros e as marchas digitais.
Exijo completo, absoluto silêncio.
Minha amada está dormindo
nua, sobre um edredon grená.

Paralisem motores, turbinas, dínamos,
carros, caminhões, trens e aviões.
Dê-se um momento de trégua
para que eu dome as emoções.
E isso requer completo silêncio.
Minha amada está dormindo
nua, sobre um edredon grená.

Calem-se ondas, brisas, furacões,
morteiros, granadas e canhões,
emudeçam o mundo, o cosmos, o universo.
Só não consigo conter (nem calar)
diante desta insólita, magnífica visão
da minha doce amada dormindo
nua, sobre um edredon grená,
o ímpeto dos meus viris desejos,
a fúria desta selvagem emoção
e o alarido ritmado e ultrassônico
deste apaixonado, insensato coração!

(Poema composto em Campinas, em 14 de janeiro de 2008).

Friday, January 18, 2008

REFLEXÃO DO DIA


A felicidade genuína, a que arranca risos espontâneos da alma ou lágrimas de alegria, tamanha sua intensidade, é simples. Está sempre ao nosso alcance, todos os dias, em qualquer momento, até nas circunstâncias mais dramáticas da vida. Nós é que complicamos a existência, não sabemos frear nossos desejos e não a enxergamos, a despeito dela estar tão próxima e tão acessível. Reitero que a felicidade não está nas coisas e muito menos em outras pessoas, por mais importantes que elas nos sejam. Está em nós. É um estado de espírito. Basta estarmos predispostos a ela, que ela se instala de vez em nossas vidas. O poeta Mauro Sampaio diz isso, com talento e beleza, nestes versos do poema “Simples”: “Eu me alegro na contemplação das flores./As abelhas também me comovem./Muitas vezes me extasio ante o coaxar dos sapos/ou um pedaço de papel solto ao vento.//Por isso minhas lágrimas são fáceis/e minha alegria imensa”.

O sábio e o erudito


Pedro J. Bondaczuk



A busca pela sabedoria, e não pelo acúmulo de bens materiais (objetivo da maioria, salvo raras exceções, nos quase treze milênios de civilização) deveria ser o ideal do ser humano. Mas não é. Compete a cada geração dar a sua contribuição para o avanço do homem rumo à racionalidade total, cumprindo seu papel fundamental na vida, que é o de ser parte (por ínfima que seja) da evolução ininterrupta da espécie. Ou seja, de elo inquebrantável na cadeia evolutiva, que garanta à descendência, em um futuro medido em centenas de milênios, não só a mera existência física, mas esta com "qualidade".

Para isso acontecer, cada indivíduo (não importa a nacionalidade, sexo, raça ou cor) deve ser educado (não meramente instruído) para raciocinar, entender, colaborar e criar. A educação tem sido encarada de maneira equivocada, em um sentido meramente utilitarista, como "adestramento" e não desenvolvimento de potencialidades. Faz de cada pessoa mera peça de uma poderosa engrenagem (não importa se rústica ou sofisticada, se plebéia ou elitizada) comprometida com ideologias ou interesses hegemônicos grupais. Mas o homem não é máquina. É vivo. Raciocina. Tem capacidade de distinguir o bem do mal (quando preparado para tal).

Vidas são desperdiçadas, como se nada valessem, porque sua racionalidade não é exercida, sequer minimamente. Os "excluídos" (a maioria) não foram preparados para esse exercício. São tratados não como homens, mas como uma "subespécie" animal, um estágio intermediária entre o hominídeo e o "homo sapiens", uma aberração da natureza. E é como se sentem e agem. E como acabam se tornando.

É comum confundir-se o sábio com o apenas erudito ou com o que se diz "inteligente". São conceitos diferentes, não sinônimos, embora a diferença seja sutil para que os despreparados, dados a generalizações (para as quais foram treinados no lar, na escola e na sociedade), a percebam. Sabedoria só se obtém com experiência. É o clímax da racionalidade. É criativa, dinâmica e sobretudo participativa. Inteligência, por sua vez, é a mera capacidade de uma pessoa entender conceitos abstratos e as coisas que a rodeiam (do latim "inteligere"). Se não aplicada, pouco ou de nada vale para o indivíduo e para a coletividade. Já o erudito, é o que acumula conhecimentos. Quase sempre, porém, esse acúmulo é apenas teórico. Se não souber o que fazer com o que acumulou, pouca valia lhe terá esse acervo.

Albert Einstein constatou que "o homem erudito é um descobridor de fatos que já existem --- mas o homem sábio é um criador de valores que não existem e que ele faz existir". Não há, e nem pode haver, aquele que tudo conheça. O universo é vasto demais (e o ser humano ínfimo e efêmero) para que a chave do mistério da natureza seja encontrada e abra as portas da razão absoluta. O raciocínio metódico e disciplinado permite ao homem que vislumbre "reflexos" distorcidos (como os da caverna de Platão) da essência do conhecimento.

O século termina com um progresso tecnológico sem precedentes. Os meios de transporte como o avião, o navio a vapor, o trem e o automóvel tornaram possível o deslocamento de pessoas, de uma parte a outra do mundo, em horas, quando até recentemente se fazia em dias, semanas e meses, quando não em anos. A medicina possibilita a crescente ampliação do tempo de vida do homem, curando doenças há pouco consideradas incuráveis e prometendo prevenir o mal na própria raiz, "consertando" gens defeituosos antes mesmo do nascimento.

A robótica, virtualmente, acabou com as tarefas penosas, cansativas ou repetitivas dos operários, o que possibilitou produção em massa de bens que vieram facilitar a vida quotidiana de milhões de indivíduos. Paradoxalmente, no entanto, suprimiu seus empregos, deixando multidões sem recursos para adquirir o que é produzido. Dois terços da humanidade ainda não podem satisfazer sequer necessidades básicas, como alimento, moradia, medicamento e instrução fundamental (alfabetização). As comunicações instantâneas (através da televisão via satélite, Internet, telefone celular, etc.) pulverizaram distâncias e permitem, hoje, que todos se informem sobre o que ocorre em qualquer parte do Planeta, simultaneamente aos acontecimentos. No entanto, parcela considerável dos habitantes da Terra sequer tem acesso às primeiras letras, à margem da vida. Abundam, hoje em dia, os eruditos. Quanto aos sábios...Bem, a carência é catastrófica e crescente...

Thursday, January 17, 2008

REFLEXÃO DO DIA


É comum ouvir-se por aí, ou se ler em livros, artigos e crônicas, que as paixões cegam as pessoas e as impedem de conquistar o que mais desejam, por falta de clarividência. Trata-se de mera generalização. Depende de qual tipo de paixão esses pseudo-especialistas se referem. As negativas, como ódio, cobiça e inveja, de fato têm a característica de ofuscar a visão dos que são possuídos por elas. Já no caso do amor (por uma pessoa, ideal ou causa), porém, ocorre o contrário. As pessoas apaixonadas adquirem mais clarividência e enxergam melhor do que as que não amam. Nenhuma obra se aproxima da perfeição e adquire real valor se, na sua consecução, não houver forte dose de paixão. O escritor George Santayana observou: “O apaixonado sabe mais sobre o bem absoluto e a suprema beleza do que qualquer lógico ou teólogo, a não ser que também estes estejam apaixonados sem o saberem”. E alguém duvida?

Criadores de mundos


Pedro J. Bondaczuk


A imaginação é uma característica ímpar com que a natureza nos dotou. Tem o condão de, em infinitésimos de segundos, tornar o abstrato concreto, criar e destruir mundos e vencer distâncias imensas com velocidade maior do que a da luz. Pode contribuir para nos fazer felizes ou ser a causa de constantes pesadelos, sofrimentos e dores.
Por exemplo, há muitas doenças que são apenas imaginárias e que só podem ser curadas pela própria pessoa que as padece. Há sofrimentos emocionais que existem somente em nossas mentes, mas que, ainda assim, nos causam intensos tormentos. Em contrapartida, essa característica, exclusiva do homem, enseja grandes criações artísticas, obras monumentais e fundamentais avanços da civilização.
Há escritores prolíficos, que escreveram livros e mais livros sobre determinados lugares em que nunca estiveram, mas com uma desenvoltura e verossimilhança tamanhas, como se esses fossem suas aldeias natais. Cito, como exemplo, quatro deles, popularíssimos mundo afora, cujos livros de aventuras encantaram gerações e mais gerações de jovens (inclusive a minha) e são lidos, avidamente, ainda nos dias atuais: Emilio Salgari, Karl May, Edgar Rice Burroughs e Júlio Verne.
Todos os quatro foram campeões de vendas. Ou seja, fizeram a fortuna dos respectivos editores. Foram autênticas “usinas de idéias” e, apesar da extensíssima produção, não se repetiram. Mas tiveram sortes muito diferentes em suas vidas pessoais. À exceção de Júlio Verne, foram considerados “escritores menores”, a despeito da quantidade de leitores que tiveram. Foram ignorados pelos críticos literários e seus textos não constam de nenhuma antologia.
O italiano Emílio Salgari, nascido em Verona em 21 de agosto de 1862, notabilizou-se por escrever, nos últimos 15 anos de vida (pasmem) 200 novelas de aventuras e viagens! Os locais enfocados, que serviram de cenário para as suas histórias, foram os mais diversos e exóticos possíveis, como a Malásia, as Antilhas, as Bermudas e o faroeste norte-americano.
O leitor deve estar pensando: “Como esse cara era viajado!” O curioso é que não era. Fez, em toda vida, uma única e curta viagem: no Mar Adriático, na costa oriental da Itália. Ou seja, em seu próprio país. Suas fontes de inspiração foram os relatos de viajantes e exploradores, com os quais teve a oportunidade de conversar. E sua fertilíssima imaginação, claro!
Por exemplo, Emílio Salgari tomou como modelo, para as heroínas dos seus romances, uma paixão frustrada da juventude. O escritor apaixonou-se, perdidamente, por uma jovem inglesa, de família nobre, que sequer tomou conhecimento de que ele existia. Casou-se, por fim, com uma camponesa italiana, Ida Peruzzi, paupérrima e que lhe gerou quatro filhos.
Alguns dos seus livros mais conhecidos (li todos eles) são: “Sandokan vence o tigre da Índia”, Sandokan na ilha de Bornéu”, “Sandokan reconquista Mompacém”, “Sandokan soberano da Malásia”, “Os pescadores de pérolas”, “O corsário negro”, “Os últimos corsários”, “O Capitão Tormenta”, “O tesouro dos incas”, “O escravo de Madagascar”, “A heroína de Cuba” e vai por aí afora.
Na Itália, a obra de Salgari foi (e ainda é) mais lida do que a de Dante Alighieri (cujo estudo é obrigatório nas escolas). Situa-se entre os 40 escritores mais traduzidos no mundo. Foi admirado, por exemplo, por Ernesto Che Guevara, que se inspirou nesse novelista para suas viagens de aventura da juventude.
Todo esse sucesso editorial, contudo, não lhe valeu coisa alguma. Salgari viveu seus últimos anos de vida trabalhando (duro) como jornalista, em extrema penúria. As dificuldades financeiras foram tantas, e tão graves, que cometeu suicídio em 25 de abril de 1911, em Turim.
Já o alemão Karl Friedrich May, nascido em Hohenstein-Emsthal, em 25 de fevereiro de 1842, é o maior best-seller da pátria de Goethe, Schiller e tantos outros monstros sagrados da literatura, de todos os tempos. Seu legado literário é de 33 romances de aventura, em várias partes do mundo, em todos os continentes.
Tornou-se conhecido, sobretudo, pelas peripécias do cacique apache Winnitou e seu “irmão de sangue” branco Old Shatterhand, vividas no Velho Oeste dos Estados Unidos. Ocorre que, até 1908, nunca havia saído da Alemanha.
Fato semelhante ocorreu com o jornalista norte-americano Edgar Rice Burroughs, o criador de Tarzan, que nasceu em 1º de setembro de 1875 e morreu em 19 de março de 1950, sendo sepultado numa pequena cidade da Califórnia, chamada de Tarzana.
A África que esse escritor usou como cenário das aventuras do “Homem Macaco” não tem absolutamente nada a ver com esse continente. Trata-se de uma região “fantasma”, “irreal”, “imaginária”, habitada por povos estranhos, descendentes de antigos fenícios, romanos ou cruzados.
Já Júlio Verne, dos quatro, foi o mais bem-sucedido financeiramente, embora tenha vendido bem menos livros do que os outros três. Nascido em Nantes, em 8 de fevereiro de 1828, teve a felicidade de se associar a um editor experiente, que trabalhava com Victor Hugo, George Sand e outros grandes nomes da literatura francesa, Pierre-Jules Hetzel. Ambos enriqueceram, fato raro na vida de um escritor.
Seu primeiro sucesso, de vendas e de público, foi o romance “Cinco semanas em um balão”, lançado em 1862. A narrativa era tão verossímil, ao ponto dos leitores questionarem se se tratava de uma obra de ficção ou de um relato de viagem. Ocorre que Júlio Verne nunca esteve na África e muito menos andou de balão em toda a sua vida. Sequer é necessário lembrar os inúmeros sucessos desse escritor, visto por muitos como uma espécie de profeta, como “Vinte mil léguas submarinas”, “Viagem ao centro da terra”, “A volta ao mundo em oitenta dias”, “Da terra à lua” e “Robur, o conquistador”, entre tantos e tantos best-sellers.
Como se vê, a imaginação opera milagres, desde que acompanhada, é claro, de muita informação, domínio da linguagem, capacidade narrativa e, sobretudo, talento, muito talento para criar mundos de fantasia que sejam, sobretudo, verossímeis.

Wednesday, January 16, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Temos a estranha compulsão de desejar o que é aparentemente inacessível ou impossível. Alguns dedicam, até, a vida toda na busca dessa fantasia e se esquecem de viver. Não é errado desejar, e buscar, coisas aparentemente fora do nosso alcance. Desde que não sejam as únicas metas. Esses desejos mobilizam poderosas forças interiores, as que temos em nós e sequer sabemos, nos levando a grandes conquistas. Mas amamos o inacessível e o impossível não raro em detrimento do que está ao nosso alcance. Ou, pior, do que já temos em nosso poder. Quem age assim, vive num mundo de fantasias. O correto é valorizar cada conquista, material ou espiritual, sem abrir mão da busca do idealizado. Marcel Proust constata, a propósito, num trecho da sua obra-prima “Em busca do tempo perdido”: “Só amamos o que se nos apresenta como algo de inacessível; não amamos o que já possuímos”. Mas é aí que reside o grande erro! Nessa exclusividade.

Mentira consentida


Pedro J. Bondaczuk

A mentira é tida e havida como sério desvio comportamental, certo? Não há o que contestar quanto a esta afirmação, concordam?. O mentiroso compulsivo sofre, via de regra, sutis sanções sociais e é alvo de chacotas e de incredulidade generalizada. É, principalmente, considerado “pessoa não-confiável”, já que não é possível de se saber no que e no quanto podemos ou não acreditar daquilo que diz.
E olhem que sequer estou me referindo às conotações mais graves da mentira, que recebem as pomposas designações de “calúnia”, “injúria” e “difamação”. Estas são (com toda a justiça, convenhamos) capituladas, nos códigos penais de praticamente todos os países do mundo, como “crimes contra a honra”.
Tudo, porém, é relativo na sociedade. Há um tipo de mentira, por exemplo, que não somente é tolerado, mas é consentido e até incentivado, por se considerar que se trata de um ato de genuína “criatividade”. Quem as conta com maestria, em detalhes, inventando personagens, cenários, diálogos e situações (verossímeis ou não) é considerado talentoso. E se for muito bom nesse mister, e tiver um pouquinho de sorte, imortaliza seu nome na memória dos povos. É reverenciado, estudado e imitado gerações afora. Pode, até, ganhar um Prêmio Nobel!!!
E quem é esse mentiroso sortudo, que recebe prêmios em vez de castigos pelas mentiras que conta? É o escritor!!! Por mais que me doa admitir (já que vivo, ou melhor, sobrevivo dessa atividade) nós, romancistas, contistas, novelistas e autores de peças teatrais, se fôssemos aquele personagem criado pelo italiano Carlo Collodi (pseudônimo de Carlo Lorenzini), o Pinochio, boneco de madeira que falava e que, cada vez que mentia, via seu nariz crescer, andaríamos, todos, com narigões enormes, a cada história que concluíssemos. E, cá pra nós, que tremendo mentiroso que foi esse ficcionista!
Querem mentira maior do que a que ele inventou?! E, ainda por cima, inverossímil! Ora, vejam só, um carpinteiro (chamado Gepeto) constrói um boneco de madeira que, além de falar, anda e se comporta como um menino de carne e osso. Mais do que isso, tem um grilo falante por consciência. E sempre que mente, todos percebem que mentiu, já que seu nariz cresce. Finalmente, cúmulo dos cúmulos, o desengonçado boneco, por intervenção de uma fada (vejam só!), transforma-se num ser humano! Vá ser mentiroso na... Deixa pra lá! Mas, deixando de ironias, cá pra nós: que tremendo sujeito criativo foi esse Carlo Lorenzini (Collodi, como preferia ser chamado)!!! Como se vê, tudo em sociedade é relativo.
Antes da invenção dos alfabetos, e, portanto, da escrita, histórias (ou estórias, como preferem alguns) como esta (e tantas outras) eram narradas por pessoas extremamente imaginativas, que faziam enorme sucesso nas comunidades em que viviam. Suas invenções eram repetidas, geração após geração, mas com um inconveniente: cada um que as reproduzia, alterava algum detalhe, acrescentando ou tirando alguma coisa da versão original. Após algum tempo, o enredo, cenários e personagens eram completamente diferentes. E o verdadeiro inventor da mentira caía, de vez, no esquecimento.
A palavra escrita, porém, conferiu permanência a essas estórias. Preservou, acima de tudo, a autoria. Milhões e milhões de livros são publicados, anualmente, mundo afora, para satisfazer a insaciável curiosidade de bilhões de pessoas, ávidas por ficção. E os enredos, cenários e situações são os mais variados possíveis. Heróis e vilões, musas e prostitutas, países exóticos e planetas que só existem na imaginação de quem os criou, desfilam por páginas e mais páginas sem fim.
Algumas dessas estórias ganham palcos e telas e se popularizam de vez. Outras milhões delas (quiçá bilhões) permanecem restritas a livros e revistas, nas mais diferentes línguas e nos mais variados dialetos que as pessoas se utilizam para se expressar. Mas a grande maioria é acessível, apenas, a quem se utiliza dos idiomas em que foram escritas.
Embora, muitas vezes, expressem grandes verdades, essas histórias, rigorosamente, não passam do que são: ou seja, mentiras. São meros frutos da imaginação de quem as inventou. Podem até ser baseadas em fatos e personagens reais. Os cenários podem até existir e ser rigorosamente descritos. Mas, no fundo, no fundo, não passam do que são: ficção. Ou seja, mentira! Tenho, pois, ou não razão quando afirmo que tudo em sociedade é relativo? Ora, ora, ora... claro que sim! Desminta-me, com fatos, quem não concordar.

Tuesday, January 15, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Tudo o que se refira ao homem, e que não seja físico, é criação dele mesmo. Explico. Antes desse animal inteligente haver desenvolvido a linguagem, para comunicar o que sabia e sentia, tinha conhecimentos e sentimentos, mas de forma caótica e inexprimível. Foi a linguagem que deu corpo à expressão do que existia dentro dele e que não tinha nome. O amor, por exemplo, recebeu essa designação, como poderia ter recebido outra qualquer. Poderia se chamar “rosa”, ou “estrela” ou “ameba”, que ainda seria o mesmo sentimento. A linguagem, portanto, é um conjunto de sons (e após a criação dos alfabetos, de signos) que só tem validade em virtude da convenção. Tudo o que falamos, ouvimos, lemos ou escrevemos não passa de um conjunto de metáforas. Octávio Paz expressa isso com mais clareza ao observar: “O homem é um ser que se criou si próprio ao criar uma linguagem. Pela palavra, o homem é uma metáfora de si mesmo”.

Ordem e desordem


Pedro J. Bondaczuk


O poeta francês Paul Valéry, que além de escrever poemas belíssimos tinha opinião formada (e a emitia) sobre uma gama variada de temas, escreveu: "Duas calamidades ameaçam o mundo: a ordem e a desordem". Referia-se, especificamente, à política e ao sistema social e não a trivialidades. Mas a constatação vale praticamente para tudo. Também e em especial para o nosso cotidiano. O que é em excesso, mesmo quando virtuoso, deixa de ser virtude para se transformar em defeito. É uma mania, uma obsessão ou uma neurose. Quando não, uma calamidade. O que se deve buscar sempre e acima de tudo é o equilíbrio, a moderação, a "normalidade" em seu sentido mais amplo.

Em termos políticos, por exemplo, ordem demais acaba descambando para a ditadura, para a tirania, para a supressão da liberdade. A ausência dela, no entanto, é a anarquia (em sua expressão pejorativa), a bagunça, o caos. Claro que as sociedades submetidas a qualquer destas duas condições estão em risco. São infelizes e não prosperam. O ideal é que haja a mistura, muito bem dosada, de ambos. Que leis livremente estabelecidas e consensuais regulem a vida social. Porém que não sejam impostas de cima para baixo, muito menos por uma só pessoa ou grupo, mas respeitem os limites da individualidade. Victor Hugo, em discurso que fez em Paris no século passado, durante as comemorações do centenário de Voltaire, acentuou: "Não há outra soberania senão a lei para o povo e a consciência para o indivíduo".

A ordem, portanto, é necessária e até fundamental. Mas não a imposta. A imposição significaria a admissão da superioridade de quem a impõe. E neste mundo de efemeridades, onde todos somos transitórios e mortais, ninguém é mais do que ninguém. Deve ser uma convicção, uma opção, um ato de livre vontade das pessoas. É preciso que imperem, na vida social, a funcionalidade, a racionalidade e a justiça. Que de fato todos sejam iguais perante a lei e que essa afirmação não se transforme em mera frase feita, constante da introdução de várias Constituições (entre as quais a nossa), mas simples letra morta, como em geral ocorre.

Mas não é nesse aspecto que pretendo abordar a questão da ordem e da desordem. Quero tratá-la num plano mais chão, mais corriqueiro, mais doméstico, mais trivial, mais "feijão com arroz". Vou fazer-lhes uma confidência, que pode soar como um "mea culpa" (e o é). Em família, sou tido como uma pessoa excessivamente organizada. Meus livros, meus papéis, meus arquivos, minhas anotações e minhas coisas estão todos nos devidos lugares, classificados, indexados, numerados e prontos para uso. Meus filhos acham que sou exagerado nesse aspecto. Entendem que essa é a minha mania (já que todos têm a sua). Pode ser. Os inimigos classificam-me de chato. Juro que não sou. Mas todo "Doutor Jeky" tem seu "Mister Hyde" (ou seria o contrário?), e vice-versa.

Em termos de compromissos particulares, sou o sujeito mais bagunçado do pedaço. Minha agenda existe apenas pró-forma, pois por circunstâncias várias, raras vezes é obedecida. Nem sei porque a faço, se não é para respeitar. Por exemplo, troco os dias de palestras combinadas, às vezes até esqueço de os anotar ou anoto horários errados (provavelmente por causa da pressa) e por isso, (a menos que combine com os organizadores para que me busquem, o que faço cada vez com maior freqüência), deixo de comparecer na data marcada. Ou chego duas horas antes, com a maior cara de bobo diante de um auditório vazio. Isto quando não acontece o oposto. Ou seja, quando não deixo, inadvertidamente, centenas de pessoas me esperando por um longo tempo.

Essa confusão não existe em relação ao trabalho. Em todas as empresas pelas quais passei --- e foram poucas, pois nunca apreciei ficar pulando de galho em galho --- me destaquei pela assiduidade, pela pontualidade e pela organização. Meu problema, portanto, está na dosagem. Está em evitar os extremos e em resgatar o sentido da palavra "mais ou menos". Em cortar as tendências potenciais, latentes, adormecidas para a tirania e a opressão, mas não deixar que o senso de liberdade seja confundido com libertinagem. Equilíbrio, meus caros, equilíbrio. Esta é a fórmula virtuosa. Pois, como ressalta a sabedoria popular, "a virtude está sempre no meio".