Tuesday, November 13, 2007

Vida nômade


Pedro J. Bondaczuk


A carência habitacional do País força as pessoas das grandes cidades, em especial as de classe média (as pobres têm que se contentar com as favelas, infelizmente, e às vezes nem isso) que não tiveram condições de adquirir ou construir suas próprias casas, a levar uma vida nômade. Mal começam a se acostumar em um lugar, num determinado bairro, criando vínculos afetivos, formando amizades, tentando fincar raízes, vence o contrato de aluguel. E toca mudar de novo. Passar pela rotina da procura de moradia, da caça ao fiador, da papelada nas imobiliárias. E dá -lhe despesa. É o pagamento do contrato, que embora ilegal (equivale a um mês de locação), todos cobram, é acertar um caminhão de mudanças, é pagar faxineira para limpar o novo imóvel e torná-lo habitável, é contratar um pintor, etc, etc, etc. Tudo isso, com orçamentos apertadíssimos, sem nenhuma margem para gastos extras.

Mas o lado pior da história nem é este. É expor publicamente a nossa intimidade, levando as coisas que conseguimos juntar de um lado para outro. Através dos objetos que possuem, dá para se saber muito sobre as pessoas, observando sua quantidade, sua modernidade, sua cor, seu estado de conservação e assim por diante. Essa necessidade de mudança tornou-se maior com a volta da denúncia vazia. Para coibir um abuso, liberou-se outro maior. E gerou-se um problema social grave, que ninguém comenta. Meu drama, antes de conseguir a façanha de comprar minha casa própria, era transportar minha biblioteca (em torno de quatro mil volumes), de um lado para o outro. Tinha que pagar duas viagens dos caminhões de mudança. Uma, era todinha apenas para os livros, em maior quantidade até do que os móveis, as roupas, os eletrodomésticos e os objetos de adorno (quadros, vasos, esculturas etc.).

Nos mais de 40 anos que resido em Campinas, mudei-me nove vezes, sem contar a mudança definitiva, para a casa em que resido agora que, com a graça de Deus, é minha (ufa!!!). Foi uma média de quase uma a cada três anos. Quatro dessas mudanças foram da nossa república em Barão Geraldo, a "Saudosa Maloca", onde morei nos tempos de solteiro e sobre a qual já escrevi. Quando casei, tinha casa própria, vasta, ampla, confortável, acolhedora e totalmente paga. Não durou muito minha fase de proprietário. Por causa de uma dessas burradas comerciais que a gente às vezes comete na vida, de uma hora para outra vi todo o patrimônio, juntado em anos de sacrifícios e privações, escorrer pelo ralo. E minha mansão foi junto. Da noite para o dia, tive que retornar ao mercado de locação, na qualidade de inquilino.

Mudei-me para o Jardim Eulina, de onde só saí para a atual casa, no Jardim Chapadão. Mas residi em quatro casas diferentes nesse bairro. O processo de adaptação ao novo imóvel, até que ele adquira a nossa feição, a nossa cara, o nosso jeito, a nossa personalidade é um tanto lento. As coisas nunca estão nos lugares que deveriam estar. As estantes de livros ficam um horror! Na primeira arrumação, romances ficam misturados com obras de sociologia, poesia com coleções de contos policiais, filosofia com textos esotéricos. É uma confusão! Nos primeiros dias, por outro lado, sentimos-nos absolutamente deslocados. Não conhecemos qualquer vizinho, nossos amigos estão mais longe de nós e as crianças não têm com quem brincar. A rigor, são elas as que se adaptam mais facilmente. Quando menos se espera, já estão enturmadas, como se morassem na rua há décadas.

Todos nós, no entanto, embora reclamemos, sonhamos com um nomadismo mais amplo. Gostaríamos de conhecer milhares de cidades no Brasil e no mundo. E morar nelas, quem sabe. Nem sempre (ou quase nunca) nos damos conta disso. O escritor checo, Karel Cepek, constata, a respeito, na boca de um de seus personagens: "Um mapa-mundi é uma coisa muito linda, cheia de sinais secretos. Quem de nós não gostaria de estar em todos os lugares e viver todas as vidas; quem não gostaria de conhecer tudo o que há no mundo e parar em cada lugar, saciado de tanto esforço e conhecimento? Mas não somos sequer capazes de percorrer o mapa inteiro, lendo o nome de cada lugar".

Mudar-se é como trocar de amor. Primeiro, vem a fase da exploração, do conhecimento, da descoberta dos defeitos e das virtudes da escolhida. Depois, vem a tentativa de mudança dos primeiros e da ampliação dos segundos. Por causa disso, surgem os conflitos. A seguir, entra-se na etapa da acomodação e da convivência harmoniosa, que apenas o conhecimento proporciona. Em geral não valorizamos esse período de tranqüilidade. Só nos damos conta da sua importância quando o perdemos. E eu o perdi por nove vezes em mais de 30 anos...

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