Wednesday, November 21, 2007

Crença na luz


Pedro J. Bondaczuk

As pessoas idealistas, as que crêem na possibilidade de transformar o mundo para melhor mediante ações coletivas – por mais utópico e irrealizável que isso pareça ser – sempre me fascinaram. Procuro, na medida do possível, imitá-las e me inspirar em suas crenças, idéias e atitudes para a realização dos meus próprios ideais de vida, que são beleza, transcendência e grandeza.
São poucos esses gigantes do espírito, modernos Quixotes a combater os moinhos de vento da incompreensão e dos interesses particulares de pessoas e grupos que compõem o que se convencionou chamar de “elites”, que tudo fazem, usando expedientes quase nunca éticos, para manter o status vigente, mesmo sabendo que este exclui 80% ou mais da população do País das benesses do desenvolvimento econômico, social e cultural.
Há já alguns anos venho acompanhando a trajetória política de um desses homens especiais, ao qual sequer conheço pessoalmente. Contudo, é como se o já conhecesse desde sempre, tal minha identidade com seus pensamentos e ações. Afinal, foi aqui, na minha cidade, em Campinas, que ele se tornou mestre em História pela prestigiosa Unicamp. Aqui, também, exerceu com muita competência o cargo de secretário municipal de Cultura. Conheço-o, portanto, por seus atos e idéias expostas em entrevistas e em tantos e lúcidos artigos que assinou e que tive a oportunidade de ler. É o que me basta. Refiro-me a Célio Roberto Turino de Miranda, que desde 2004 comanda a Secretaria de Políticas e Programas Culturais do Ministério da Cultura (criada na oportunidade), a convite do próprio ministro Gilberto Gil e do secretário-executivo da referida pasta, Juca Ferreira.
A despeito da pouca divulgação nos principais meios de comunicação do País, sua atuação vem revolucionando o setor. A prova foi o recente sucesso da “Teia 2007” (Rede de Relacionamentos dos Pontos de Cultura), realizada, de 7 a 11 de novembro, em Belo Horizonte, e que atraiu um público estimado em mais de 100 mil pessoas. Pitoresca foi a forma como o mestre de cerimônias desse encontro anunciou-o para que ele inaugurasse oficialmente o encontro. Disse: “Vender empadinha aos dez anos foi a sua formatura”. Isso diz bem da sua simplicidade. Trata-se de alguém que se fez na vida por seus próprios esforços e que não tem vergonha disso (não há porque ter), mas se orgulha da sua trajetória pessoal.
Os Pontos de Cultura, para quem não sabe, são organizações espontâneas da sociedade que promovem cultura, educação e economia solidária em suas comunidades, beneficiadas pelo governo através do Cultura Viva. Na “Teia 2006”, realizada no Pavilhão da Bienal do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, 400 deles se fizeram representar. Na edição deste ano, em Belo Horizonte, eles já eram mais de 600. E a meta é que cheguem a 3 mil até o final de 2008.
As palavras com que Célio Turino abriu, oficialmente, o evento, no Palácio das Artes de Belo Horizonte, dão a exata medida dos seus participantes, legítimos representantes da cultura nacional e suas “raízes”, de fato e de direito. O secretário saudou-os pedindo “as bênçãos aos mestres e crioulos, curadores, pajés, artesãos, atores, sanfoneiros, repentistas e rendeiros, foliões e capoeristas”. Como se vê, não se dirigiu a “intelectuais” com vastos currículos acadêmicos, a sociólogos, antropólogos, filósofos etc., mas a gente humilde, anônima, do povo, mas dotada de imensa sabedoria natural: a ditada pela experiência. E, certamente, foi mesmo abençoado por todos eles. Prova? O sucesso da “Teia 2007”, cujo lema refletiu, a caráter, seu maior objetivo: “Tudo de todos”.
Impressionaram-me, sobretudo, a clareza e a objetividade de Célio Turino na entrevista que deu, na oportunidade, à Agência Brasil, cujos trechos principais peço licença para reproduzir. O secretário atribuiu, antes de tudo, o sucesso dos Pontos de Cultura (sobre os quais venho escrevendo há já um bom tempo), não à sua atuação (no que discordo), mas à “iniciativa criadora do povo brasileiro (com o que não posso deixar de concordar). Por isso o programa se espalhou tão rapidamente e tem dado certo, apesar das dificuldades e dos percalços do governo”, enfatizou.
“Ele tem avançado por encantamento, pois não envolve somente o processo de razão e reflexão teórica. Ele tem a percepção de sentimentos. Isso tem dado um caldo de cultura magnífico. O Ponto de Cultura vai ter que começar a ser percebido como algo que extrapola o campo da cultura, das artes e da cidadania. Ele representa o ensaio de um outro tipo de democracia que está fervilhando no Brasil e não é percebida”, destacou o secretário.
Quando o repórter indagou se o diferencial dos Pontos de Cultura era o fato dos recursos do governo serem destinados diretamente aos produtores culturais, sem determinar o que eles têm a fazer, Turino respondeu: “Não estou menosprezando o recurso (cada Ponto de Cultura recebe R$ 5 mil por mês, totalizando R$ 60 mil por ano). Mais importante que eles, porém, é aplicar diretamente em uma favela, em um assentamento, em um grupo tradicional, em música experimental, teatro de vanguarda ou dança contemporânea. Isso representa uma revolução. São recursos que não se perdem nos meandros do governo. É uma pirâmide invertida. O vértice fica pra baixo e a parte mais alargada fica em cima, quando deveria ser o contrário: a sociedade contribui com impostos, o Estado é bastante enxuto, o que não significa ter pouco quadro, não é esse discurso neoliberal. Mas é um Estado que cria repasse rápido de recursos para que a sociedade se desenvolva. Essa é a experiência dos Pontos de Cultura”.
Quando o repórter observou que o secretário utilizou o termo “revolução”, este explicou: “Ah, sim, nesse sentido da mudança. Às vezes a gente tem receio porque o termo perdeu um pouco o sentido. A verdadeira revolução é aquela que nasce da vontade do povo, já disse alguém. A emancipação do povo será obra do próprio povo. É isso que a gente vem buscando fomentar nos Pontos de Cultura. E que essas pessoas que sempre quiseram bloquear um processo de protagonismo social não ouçam essa entrevista, porque ainda é um tempo de cultivo até que as coisas se estruturem. Nasceu do Estado, mas não nasceu totalmente, porque o Estado reconheceu a sociedade”, concluiu.
Está aí porque admiro Célio Turino. É um intelectual coerente, que consegue a complicadíssima mescla de idealismo com senso prático, coisas aparentemente incompatíveis (mas que não o são) que não permite que o ideal seja mera aspiração delirante, mas sem qualquer conseqüência. Em vez disso, faz dele uma realidade.
O poeta e dramaturgo francês do século XIX, Edmond Rostand, criador, entre outras obras, do imortal best-seller “Cyrano de Bergerac”, constatou: “É à noite que é belo acreditar na luz”. Pois é o que o secretário faz na sua atuação pública. Homem culto e bem-informado que é, está consciente dos obstáculos de toda a sorte que tentam impedir o sucesso dos seus projetos. Estes, todavia, em vez de desanimá-lo, conferem-lhe maior energia para tornar concretos o que muitos sempre consideraram (e consideram) delirante utopia. É o caso dos Pontos de Cultura e, principalmente, o programa Cultura Viva, que se impõem e se expandem, à revelia dos céticos e dos elitistas. É a nova forma de democracia que, conforme suas palavras, “está fervilhando no Brasil e não é percebida”.

1 comment:

Anonymous said...

Pedro,

Li o seu artigo e fiquei emocionado. Obrigado pelas palavras generosas.

Célio Turino

PS - Também o acompanho a distância, desde seus cultos artigos no Correio Popular. Mas sempre é tempo para nos conhecermos pessoalmente