Thursday, November 15, 2007

O adeus das andorinhas


Pedro J. Bondaczuk

As andorinhas abandonaram Campinas. Esse abandono, essa fuga, esse gesto de suprema infidelidade das aves, diga-se de passagem, não se deu agora, neste inverno, mas há cerca de meio século. Ocorreu por volta de 1960 e ninguém, até hoje, soube explicar, convincentemente, a razão dessa ocorrência.
Os motivos apontados foram muitos, mas jamais houve consenso a respeito. O fato é que Campinas, há já um bom tempo, deixou de ser a cidade das andorinhas, como ficou conhecida em épocas já remotas, não apenas no Brasil, mas até no exterior. A bem da verdade, isto já era esperado. A forma como aconteceu é que intriga. Da minha parte, sem querer fazer campanha contra esses pássaros (quem sou eu para agir assim, ainda mais em se tratando de aves, criaturas que tanto aprecio?), só posso dizer: “já foram tarde”.
Sim, porque, apesar de enfeitarem o cenário urbano, com seus vôos rasantes, as andorinhas emporcalhavam a cidade com seus dejetos, além de trazerem prejuízos para os agricultores da zona rural (quando ainda havia, claro, quem se dedicasse a essa atividade por aqui). Hoje Campinas cresceu, inchou, se expandiu e deixou de ser aquele burgo pacato de cinqüenta ou sessenta anos atrás, para se tornar uma metrópole vibrante, de 1,2 milhão de habitantes, com tudo o que de bom e de ruim essa acelerada urbanização proporciona.
Talvez, aliás, esse seja o principal motivo da fuga das aves. Onde antes havia plantações, de milho, feijão etc., hoje há ruas, praças, casas e mais casas, além de movimentadas (e não raro congestionadas) avenidas. Não lhes restam, pois, sementes e nem vermes para se alimentar. Não sei se essa, de fato, foi a razão para as andorinhas deixarem Campinas, mas é uma tese bastante plausível. A cidade se industrializou, tornou-se barulhenta, fumarenta e inchada. E mais rica, evidentemente. Mas riqueza é o que menos importa a essas ou a quaisquer outras aves. Aliás, não tem a menor importância para elas.
Não sou ornitólogo. Entendo pouco (na verdade nada) do assunto. Colhi, aqui e ali, contudo, algumas informações a respeito, que talvez ajudem o leitor a entender o que aconteceu em Campinas em relação a essas aves tão caprichosas em suas escolhas e preferências.
A andorinha, cujo nome científico é “Delichon Urbica” (parece até marca de defensivo agrícola), além do Brasil, é encontrada na Europa, Ásia e África. Mede em torno de 13 centímetros de comprimento. Além da sua grande resistência e capacidade de orientação, exibe espantosa agilidade enquanto voa, o que lhe permite fazer vôos rasantes sem qualquer risco à integridade física.
Tem alguns hábitos esquisitos, diria estranhos, diferentes dos de outras espécies de aves. Por exemplo, faz seu ninho (ou o reconstrói, caso tenha sido destruído) no lugar em que nasceu. Eureka! A fuga então aconteceu por isso! Porque toda uma geração de andorinhas nasceu fora daqui (quem sabe em São José do Rio Preto, onde, parece, as andorinhas aportaram, depois que deixaram Campinas)!
Como vivem, em média, oito anos, aquelas que nasceram nesta cidade há mais tempo já morreram. Por isso, evidentemente, não voltaram. Ou, quem sabe, num de seus regressos anteriores o espaço dos seus ninhos já estava ocupado por bentevis, pardais ou sabiás, também comuns por aqui, quando retornaram de algum de seus verões. É possível! Diria mais, é uma hipótese bastante provável até. Porque só quando isso acontece, ou seja, quando seu ninho é usurpado, as andorinhas os constroem em outros lugares. Não são dadas, portanto, a disputas de território. São aves pacatas, pacíficas e dóceis, para não dizer covardes.
Não se pode afirmar que sua reprodução seja explosiva, gerando superpopulação. Longe disso. As fêmeas, por exemplo, fazem postura de quatro a cinco ovos por vez, média nada exagerada em se tratando de pássaros. E vinte e três dias após a postura, nascem os filhotes, que não tardam a aprender a voar e a se tornarem auto-suficientes.
As andorinhas detestam, sobretudo, (assim como eu) o frio. Quando a temperatura começa a baixar, não têm dúvidas: reúnem-se em grandes bandos e voam para locais de temperaturas mais altas, amenas, às vezes em viagens muito longas, de vários dias ou até de semanas. Foi o que um dia fizeram, em Campinas, há cerca de meio século. Juntaram-se, disciplinadamente, deram um último rasante sobre a cidade e depois partiram. Dessa vez, todavia, para nunca mais voltar... Reitero: já foram tarde, suas infiéis de uma figa!!!!

1 comment:

Anonymous said...

As andorinhas agora só podem ser vistas em nossas irregulares calçadas de mosaico portugues...