Monday, November 19, 2007

A mão do acaso


Pedro J. Bondaczuk


O novo século começou da forma como acabou o precedente. Ou seja, com guerras (em especial no Afeganistão, no Oriente Médio e no Iraque), conflitos sociais, ações terroristas (que culminariam com o bárbaro atentado de 11 de setembro de 2001, que causou a destruição das torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York e matou cerca de duas mil pessoas), gerando angústias, multiplicando sofrimentos, cristalizando injustiças e protagonizando tudo o que torna a existência tensa, dolorosa, frustrante e ameaçadora.
A esperança de surgimento de nova era, de paz e de prosperidade para a maioria, manifestada com tanto entusiasmo e euforia na virada de 1999 para 2000 (embora o novo século tenha começado, de fato, em 2001), aos poucos cede lugar à dura realidade. Está dando, portanto, a inflexível lógica.
As mudanças de comportamento e de idéias, necessárias e indispensáveis, com que todos sonhamos, não surgem, é óbvio, do nada, como num passe de mágica. Têm que ser construídas, passo a passo, por todos nós. Não, claro, por um único líder, ou um pequeno grupo deles. Por todos, indistintamente, não importa o teor e o tanto de contribuição individual que venhamos a dar E é aí que reside o problema: na diversidade dos interesses, e na mentalidade egoísta que caracteriza, em maior ou menor medida, o ser humano.
Os anseios e expectativas da atual geração sequer são originais e exclusivos. São, guardadas as diferenças de condições materiais e espirituais, os mesmos que caracterizaram as viradas dos séculos anteriores, desde os primórdios da civilização. Não se pode negar que, em alguns aspectos, a humanidade evoluiu, e muito, especialmente nos últimos 200 anos. Noutros, todavia...
Há quem atribua ao acaso, que muitos preferem chamar de “sorte”, o ritmo dos acontecimentos. Sou daqueles que não crêem em determinismo, naquilo que se convencionou chamar de “destino” e que entendem que o homem, dotado de livre arbítrio, é quem escolhe o seu caminho, para o bem, ou para o mal. Se tem oportunidades de se informar, de se instruir, de exercitar e desenvolver seus talentos, conta com grandes chances de conseguir o que quer. Certeza jamais possui. Caso contrário...suas possibilidades de êxito são sumamente restritas, para não dizer impossíveis.
O escritor norte-americano William Faulkner, no romance “Os desgarrados”, põe a seguinte afirmação na boca de um dos personagens: “Vocês talvez tenham ouvido dizer ...que a sorte é uma dama caprichosa que, ao invés de receber, dá – coisas boas ou más; mais coisas boas do que se possa acreditar (talvez com justiça), e mais do que a gente merece; mais coisas más do que a gente possa suportar”.
Será?!! É possível! O jurista e pensador francês Aléxis de Tocqueville, um dos luminares do pensamento sobretudo político do século XIX, explica melhor essa questão da “casualidade”, mal entendida, infelizmente, por tanta gente. Afirma: “O acaso só produz o que estava preparado anteriormente, pois os fatos precedentes, a natureza das instituições, o feitio dos espíritos, o estado dos costumes são os materiais com os quais ele produz essas viradas que nos surpreendem e atemorizam”.
Há quem creia, piamente, que cada ato nosso (sem qualquer exceção), do nascimento até a morte (inclusive a ocasião e a forma desta), cada pensamento, cada sentimento e cada reação, estão inflexivelmente determinados por um ser superior. O engraçado é que essas pessoas dizem acreditar em Deus.
Que divindade tirana é essa que faz de cada indivíduo marionete, que manipula ao seu bel prazer? Esse tipo de raciocínio chega a ser para lá de insensato, e até sacrílego. Nega a bondade e a justiça de Deus. Isenta o homem de responsabilidade pelos seus erros, desvios e inclinações para o mal, que seriam, na verdade (para quem pensa assim), o seu “destino”.
Na semana passada, uma leitora das crônicas que publico, semanalmente, em um portal internacional da internet, questionou um texto meu em que atribuo ao acaso (ou dêem o nome que quiserem ao fortuito e imprevisível) a dinâmica dos acontecimentos. Escreveu: “Querer resumir a complexidade do universo, as leis de causa e efeito, a apenas a mão do acaso, com todo o respeito, parece triste, vazio, beirando o desespero”. Afirmo o mesmo, todavia, em relação ao determinismo, ao célebre “maktub” (estava escrito), que nos sonega qualquer possibilidade de orientar nossas vidas, nos tornando joguetes de um hipotético, sumamente injusto, e cruel, “destino”.
Escreve mais a querida leitora: “Acreditar que todos acontecimentos da vida sejam por acaso, seria como acreditar que somos marionetes do nada. Que do nada viemos e para o nada tornaremos. Isso soa tão vazio, tão oco, tão desesperançado”. Retruco, no entanto, que negar que o homem seja dotado do livre arbítrio, da capacidade de escolha entre o bem e o mal e da prerrogativa de poder construir, com o próprio esforço, uma vida melhor e mais digna para si e seus filhos (e de contribuir, com importante parcela, para o avanço da civilização); atribuir todo o sofrimento e toda a maldade do mundo a um inflexível determinismo, que nada e ninguém possam mudar, isto sim é abrir mão da esperança. É negar o senso de justiça e a infinita bondade de Deus. É o cúmulo do desespero!

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