Sunday, November 18, 2007

Guerra dos sexos - Parte IV


Pedro J. Bondaczuk

(CONTINUAÇÃO)


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Assédio sexual


O assédio sexual no trabalho ainda é muito mais comum do que se pensa, a despeito das muitas ações empreendidas pelos vários movimentos de defesa dos direitos das mulheres pelo mundo afora, na tentativa de acabar com esse intolerável abuso.

Trata-se de crime, mas que até há pouco tempo sequer era levado a sério por nenhuma autoridade, de nenhum país. Os assediadores, via de regra, quando (ou se) acusados, simplesmente negavam a coação, e isso bastava.

Alegavam que o seu comportamento era o normal de qualquer pessoa sadia, no jogo de conquista e sedução de parceiros do sexo oposto. E "convenciam". Aliás, casos dessa natureza raramente chegavam sequer às delegacias de polícia, quanto mais aos tribunais. E quando chegavam, eram tratados em tom até de galhofa. Raramente seguiam seu curso.

Muitas mulheres vêm, há tempos, passando por esse intolerável tipo de constrangimento, na maioria das vezes sem que tenham a coragem de reagir. Trabalhadoras honestas e aplicadas têm sido freqüentemente "forçadas" a ceder aos apelos eróticos de chefes, de gerentes e de patrões, para conservar os empregos ou, simplesmente, para aspirar a promoções futuras a que façam jus por sua responsabilidade, produtividade, e assiduidade. O sexo, nesses casos, tem sido usado como objeto de barganha e, pior, de coação, quando o critério único que deveria ser adotado, para progredir dentro de uma empresa, é o da competência.

Algumas vítimas de assédio "entregam os pontos". Simplesmente cedem às exigências dos superiores, por ignorância da lei e por não vislumbrarem nenhuma outra alternativa. Seus casos terminam por aí e caem logo no esquecimento. A maioria desses episódios sequer chega ao conhecimento público e não aparece em nenhuma estatística. É prontamente abafada e esquecida.

Há mulheres que resistem, que tentam lutar com seus próprios recursos, mas sem procurar as autoridades para formalizar denúncias. Agem dessa maneira por constrangimento, por temor de escândalo, por desconhecimento da lei ou somente por vergonha. E acabam perdendo.

Aceitam, passivamente, as injustas demissões com as quais são "punidas", por não terem cedido às pressões e às investidas de seus superiores hierárquicos. Ou, na melhor das hipóteses, contentam-se com um rebaixamento de cargo, desde que transferidas das seções, ou das repartições, ou dos locais em que os assediadores trabalham, para se verem livres do assédio.

Aumenta, todavia, o número daquelas que decidem lutar até o fim por seus direitos e sua dignidade e que recorrem à Justiça, exigindo exemplar punição dos infratores, quando não milionárias indenizações. E vêm tendo sucesso em seu intento. Recorrem à imprensa, quando necessário, arrolam testemunhas, apelam a todas as instâncias possíveis e conquistam o imprescindível apoio da opinião pública.

Insistentes campanhas nos veículos de comunicação e o aumento das denúncias de assédio sexual têm levado as autoridades judiciárias, em vários países, a agirem com maior rigor, pondo fim, ou pelo menos reduzindo a quantidade de casos desse comportamento covarde e traiçoeiro. E, obviamente, criminoso.

Nos Estados Unidos, por exemplo, o assunto ganhou relevância e visibilidade a partir de 1991, com as corajosas acusações públicas feitas pela secretária Anita Hill, contra o juiz da Suprema Corte norte-americana Clarence Thomas. A atenção despertada por esse conflito levou mais e mais mulheres a criarem coragem e relatar casos passados e presentes, de que têm sido vítimas passivas. Demonstraram não somente maior resolução para falar, como também conquistaram um meio mais favorável para relatar suas denúncias.

Houve, nesse país, até um certo exagero nessa questão. "Cantadas" normais, que não envolviam qualquer espécie de coação, ou de ameaça, ou de chantagem, nem mesmo velada, que poderiam ser respondidas com um simples "não", passaram a ser encaradas como "crime". Foram caracterizadas, indevidamente, como assédio sexual, principalmente por aquelas que se sentiam ofendidas e injuriadas, e nunca envaidecidas, pela mera corte inocente de colegas de trabalho apaixonados (ou pelo menos interessados nelas).

Chegou-se ao cúmulo de, em 1998, um garotinho de seis anos ser expulso de uma escola primária, somente porque beijou uma coleguinha da mesma idade, que não gostou do beijo. Os pais reclamaram e o menininho foi punido exemplarmente, como "assediador sexual!"

Esse tipo de coação, muito antigo e bastante disseminado por todo o mundo, ocorre ainda com constrangedora freqüência em todos os lugares em que pessoas de sexo oposto compartilham do trabalho, sejam fábricas, escritórios, repartições públicas ou residências (no caso das domésticas), etc.

Estudo da Organização Internacional do Trabalho, envolvendo 23 países industrializados, revela, por exemplo, que de 15% a 30% das mulheres pesquisadas já foram assediadas sexualmente.

Uma, em cada doze delas, teve de abandonar seu emprego para fugir desse assédio. A pesquisa não mostra, no entanto, quantos dos infratores foram punidos e com quais punições. Pouquíssimos, provavelmente.

Cerca de 1.400 domésticas filipinas fugiram de seus patrões kuwaitianos, em 1991, e procuraram refúgio na embaixada do seu país, alegando terem sido abusadas. Não se tomou, no entanto, nenhuma providência a respeito, e o episódio acabou sendo "convenientemente" abafado, a bem da diplomacia. As moças foram recambiadas para o seu país de origem e não se falou mais nisso. Caso parecido foi relatado na Jordânia, com o mesmo tipo de providência. Ou seja, nenhuma.

Assédio sexual, envolvendo pessoas humildes, sem recursos para a contratação de bons advogados que movam processo contra os que se valem desse tipo de coação, ocorrem por toda a parte, embora não haja estatísticas confiáveis a respeito. Raras vítimas trazem seus casos à baila, na maioria das vezes para evitar escândalos ou para preservar o emprego.

Um estudo sobre domésticas estrangeiras, que trabalhavam na Grã-Bretanha, por exemplo, relata sobre trabalhadoras que deixaram as residências em que trabalhavam, por falta de pagamento. O relatório ressalta que elas não receberam os salários somente "por haverem repelido tentativas de assédio sexual dos patrões".

Mais de 65% delas tiveram os respectivos passaportes confiscados, ficando impedidas, dessa forma, de retornar aos seus países de origem. E mais de 30% denunciaram que, mesmo repelindo as propostas dos assediadores, acabaram sofrendo abusos sexuais, como estupros e carícias íntimas não consentidas. Não se sabe, todavia, de nenhum desses infratores que tivesse sido punido.

Casos como este, em geral envolvendo mulheres procedentes do Leste europeu e de países do Terceiro Mundo (inclusive do Brasil), são extremamente comuns em toda a Europa Ocidental, Estados Unidos e Japão. Sequer aparecem nas estatísticas, já que nem mesmo chegam ao conhecimento das autoridades. Muitas dessas domésticas estão em situação irregular, são clandestinas, o que as deixa muito mais expostas ainda a todo o tipo de chantagem. Inclusive a sexual.

No Brasil, o Projeto de Lei 61/99, aprovado pelo Congresso Nacional, capitula o assédio sexual como crime. Seu teor é o seguinte:

"Dispõe sobre o crime de assédio sexual e dá outras providências.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º - O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte art. 216A:

"ASSÉDIO SEXUAL":

Art. 216A - Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.

Pena: detenção, de um ano a dois anos.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem cometer o crime:

I - prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de
hospitalidade;

II - com abuso ou violação de dever inerente a ofício ou ministério".

Art. 2º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

(CONTINUA)

(Texto do meu livro, inédito, "Guerra dos Sexos).

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