Ao contemplarmos a imensidão do universo, até onde os frágeis instrumentos de observação humanos alcançam, nos maravilhamos com sua grandeza e tentamos especular sobre seus desígnios. “Qual sua origem e finalidade?”, nos perguntamos a todo o instante, intuindo que tudo tem princípio e fim, a exceção de quem criou essa fenomenal estrutura. Por motivos óbvios, só podemos nos restringir às especulações, impossibilitados de chegar a qualquer certeza. Mas um conhecimento nós temos: o de que não fomos dotados por acaso de razão e que nos compete exercitar essa prerrogativa da melhor forma possível e agir de conformidade com seus ditames. Jorge Luís Borges escreveu, no capítulo “Uma oração”, do livro “Elogio da sombra – um ensaio autobiográfico”: “Desconhecemos os desígnios do universo, mas sabemos que raciocinar com lucidez e agir com justiça, é ajudar a esses desígnios, que não nos serão revelados”. Ajamos, portanto, assim!
Friday, November 30, 2007
Estado e cidadania
Pedro J. Bondaczuk
A Editora Makron Books lançou dois importantes livros de idéias, indispensáveis para estimular o debate de dois importantes temas, oportuníssimos num momento de transição do Brasil e do mundo. Um aborda, em última análise, a estrutura do Estado, que deve ser reformada desde o seu próprio conceito, para consolidar uma democracia autêntica, baseada na lei e no direito e que não derive para a anarquia (em seu sentido pejorativo). O outro, trata de cidadania e exclusão dela. Ou seja, de quem é a essência, o sujeito, o personagem central e insubstituível que justifica e dá existência a uma cidade, a um país, enfim a uma sociedade justa e organizada. "O crepúsculo de uma era" foi escrito por um cientista político de arguta visão de conjunto. Trata-se de Luiz Felipe D'Ávila, conhecido dos leitores de jornal por haver assinado uma coluna no "O Estado de São Paulo", e do público em geral, como comentarista da TV Manchete e da Rádio Trianon.
O livro é instigante, polêmico, e muito bem fundamentado na história contemporânea. O autor desenvolve a tese de que, se o maior desafio do século XX foi o combate às tiranias, o do início do XXI vai ser a luta contra o que convencionou chamar de hiperdemocracia. Ou seja, a liberdade excessiva de determinados indivíduos e grupos, que se sentem acima das regras, das normas e das leis. Propõe, nesse contexto, uma redefinição do Estado, desde a sua base, à sua mais íntima estrutura. Contesta a afirmação de Francis Fukuyama de que o término da Guerra Fria representaria um fim de história.
Luiz Felipe destaca que o descrédito das leis, dos governos e das instituições representativas tornou--se uma ameaça à consolidação da nova ordem mundial. Esta já nasce distorcida e é posta em xeque por conflitos regionais incontroláveis, ou cada vez mais difíceis de controlar, como os que se verificam, notadamente, nos Balcãs e no Leste europeu (no território da extinta União Soviética), no Afeganistão e Iraque. O autor aponta como motivos da desmoralização legal, governamental e institucional o triunfo dos demagogos, a insatisfação dos povos com seus representantes "a classe política jamais esteve tão desacreditada no mundo todo" e o ressurgimento de movimentos radicais, tanto de caráter pseudo-religioso (fundamentalismo), quanto nacionalista ou étnico.
O outro livro, "Construindo a Cidadania", nasceu de um seminário, realizado pela PUC do Rio, através do Centro Loyola de Fé e Cultura e da Makron Books do Brasil Editora. O ciclo de debates, reuniu professores, empresários, agentes pastorais, políticos, trabalhadores e profissionais liberais. A coordenação editorial dessa obra, de extrema oportunidade, é do Padre Laércio Dias de Moura, Nelson Janot Marinho e Maria Martha Gomes de Matos Roche Moreira. Contém subsídios sobre o tema das mais variadas vertentes ideológicas. E aborda em detalhes a questão da exclusão.
A premissa inicial da obra é a de que "cidadania é uma relação, não é uma coisa que um possa ter e outro não". A palavra-chave para que se concretize é a participação. Mas para que todos os integrantes de uma determinada sociedade possam participar de sua organização, do seu funcionamento e do seu pleno desenvolvimento, são indispensáveis determinadas condições básicas. A principal é o acesso à educação, ao emprego e às oportunidades de desenvolver plenamente o potencial humano. Os indivíduos não podem ser manipulados, como marionetes. Precisam ser absolutamente livres, nos limites da liberdade (ou seja, tendo por termo o início da do próximo). Conclui-se que o conceito de cidadania, na atualidade, anda muito distorcido na cabeça da maioria.
"Uma sociedade de cidadãos é uma sociedade de relações democráticas baseada na igualdade entre as pessoas", ressalta o livro em determinado trecho. Aliás, a própria Constituição preceitua isso, embora, infelizmente, esse preceito ainda esteja muito longe de deixar de ser mera letra morta. Está de parabéns, portanto, o editor Milton Mira de Assumpção Filho, pelo acurado senso de oportunidade na escolha dos lançamentos da Makron Books, editora especializada em informática, marketing e administração de empresas e que agora conquista outras fatias de mercado, com livros de ciências políticas, sociologia e cultura geral.
A Editora Makron Books lançou dois importantes livros de idéias, indispensáveis para estimular o debate de dois importantes temas, oportuníssimos num momento de transição do Brasil e do mundo. Um aborda, em última análise, a estrutura do Estado, que deve ser reformada desde o seu próprio conceito, para consolidar uma democracia autêntica, baseada na lei e no direito e que não derive para a anarquia (em seu sentido pejorativo). O outro, trata de cidadania e exclusão dela. Ou seja, de quem é a essência, o sujeito, o personagem central e insubstituível que justifica e dá existência a uma cidade, a um país, enfim a uma sociedade justa e organizada. "O crepúsculo de uma era" foi escrito por um cientista político de arguta visão de conjunto. Trata-se de Luiz Felipe D'Ávila, conhecido dos leitores de jornal por haver assinado uma coluna no "O Estado de São Paulo", e do público em geral, como comentarista da TV Manchete e da Rádio Trianon.
O livro é instigante, polêmico, e muito bem fundamentado na história contemporânea. O autor desenvolve a tese de que, se o maior desafio do século XX foi o combate às tiranias, o do início do XXI vai ser a luta contra o que convencionou chamar de hiperdemocracia. Ou seja, a liberdade excessiva de determinados indivíduos e grupos, que se sentem acima das regras, das normas e das leis. Propõe, nesse contexto, uma redefinição do Estado, desde a sua base, à sua mais íntima estrutura. Contesta a afirmação de Francis Fukuyama de que o término da Guerra Fria representaria um fim de história.
Luiz Felipe destaca que o descrédito das leis, dos governos e das instituições representativas tornou--se uma ameaça à consolidação da nova ordem mundial. Esta já nasce distorcida e é posta em xeque por conflitos regionais incontroláveis, ou cada vez mais difíceis de controlar, como os que se verificam, notadamente, nos Balcãs e no Leste europeu (no território da extinta União Soviética), no Afeganistão e Iraque. O autor aponta como motivos da desmoralização legal, governamental e institucional o triunfo dos demagogos, a insatisfação dos povos com seus representantes "a classe política jamais esteve tão desacreditada no mundo todo" e o ressurgimento de movimentos radicais, tanto de caráter pseudo-religioso (fundamentalismo), quanto nacionalista ou étnico.
O outro livro, "Construindo a Cidadania", nasceu de um seminário, realizado pela PUC do Rio, através do Centro Loyola de Fé e Cultura e da Makron Books do Brasil Editora. O ciclo de debates, reuniu professores, empresários, agentes pastorais, políticos, trabalhadores e profissionais liberais. A coordenação editorial dessa obra, de extrema oportunidade, é do Padre Laércio Dias de Moura, Nelson Janot Marinho e Maria Martha Gomes de Matos Roche Moreira. Contém subsídios sobre o tema das mais variadas vertentes ideológicas. E aborda em detalhes a questão da exclusão.
A premissa inicial da obra é a de que "cidadania é uma relação, não é uma coisa que um possa ter e outro não". A palavra-chave para que se concretize é a participação. Mas para que todos os integrantes de uma determinada sociedade possam participar de sua organização, do seu funcionamento e do seu pleno desenvolvimento, são indispensáveis determinadas condições básicas. A principal é o acesso à educação, ao emprego e às oportunidades de desenvolver plenamente o potencial humano. Os indivíduos não podem ser manipulados, como marionetes. Precisam ser absolutamente livres, nos limites da liberdade (ou seja, tendo por termo o início da do próximo). Conclui-se que o conceito de cidadania, na atualidade, anda muito distorcido na cabeça da maioria.
"Uma sociedade de cidadãos é uma sociedade de relações democráticas baseada na igualdade entre as pessoas", ressalta o livro em determinado trecho. Aliás, a própria Constituição preceitua isso, embora, infelizmente, esse preceito ainda esteja muito longe de deixar de ser mera letra morta. Está de parabéns, portanto, o editor Milton Mira de Assumpção Filho, pelo acurado senso de oportunidade na escolha dos lançamentos da Makron Books, editora especializada em informática, marketing e administração de empresas e que agora conquista outras fatias de mercado, com livros de ciências políticas, sociologia e cultura geral.
Thursday, November 29, 2007
REFLEXÃO DO DIA
Apesar de dimensões ínfimas, em relação ao inconcebivelmente imenso tamanho do universo, somos mini-mundos. Abrigamos bilhões de vidas independentes, que nascem, crescem, se reproduzem e morrem, como ocorre conosco, representadas pelas células do nosso corpo e por seres oportunistas, como vírus e bactérias, que sobrevivem às nossas custas. Somos partes indissociáveis da mágica cadeia da vida, reprodução, em pequena escala, do universo. Jorge Luís Borges escreveu, em suas memórias, este instigante trecho a respeito: “Um homem propõe-se a tarefa de desenhar o mundo. Ao longo dos anos povoa um espaço com imagens de províncias, de reinos, de montanhas, de baías, de naus, de ilhas, de peixes, de quartos, de instrumentos, de astros, de cavalos e de pessoas. Pouco antes de morrer, descobre que este paciente labirinto de linhas traça a imagem do seu rosto”. Somos, como se vê, mundos autônomos, que precisam ser preservados.
Escravos do tempo
Pedro J. Bondaczuk
O advento e a evolução dos meios de comunicação de massa – e isso não é novidade para ninguém – se constituem na única e genuína revolução do século XX. Este fantástico aparato comunicativo à disposição do homem moderno "virou o mundo pelo avesso". Para as ondas de rádio e imagens de televisão, por exemplo, não existem fronteiras. Essa possibilidade de falar instantaneamente com qualquer parte do Planeta e de emitir e receber imagens tornou mais difícil a tarefa dos tiranos, dos ditadores de todos os tipos, dos charlatães que vendem a felicidade em pílulas. Daí terem sido reduzidas, em especial a partir dos anos 80, as ditaduras por todas as partes, mormente na América Latina.
Claro que esse não foi o único fator para o advento da democracia em Estados tradicionalmente fechados e com feudalismo disfarçado – em algumas partes ainda muito incipiente e carregada dos vícios do caudilhismo –, havendo outros interesses em jogo, cuja menção não cabe aqui, já que o tema de que queremos tratar não é exatamente este. Apesar de todos os benefícios que a suposta era da informação total trouxe à humanidade, não posso deixar de dar razão ao desabafo do escritor norte-americano Daniel Robert, que diz: "A comunicação está doente de presunção".
Não se pode confundir o meio com a mensagem. Os veículos à disposição dos povos são, de fato, revolucionários. O teor daquilo que transmitem é que merece reparos e contestações. Quem os utiliza quase nunca está preparado para falar com um público tão amplo que tais meios atingem. Pegue o leitor um jornal (longe de ser o veículo mais popular e mais ágil), qualquer um deles, seja de que tendência ideológica for. Leia um editorial a esmo, ou um dos artigos publicados. Leu? Deu para notar o tom arrogante, presunçoso, com ares de "dono da verdade" com que o tema foi abordado? Qual o preparo desse "fazedor de cabeças" para tentar modificar uma realidade cujo alcance não atina? Nem sempre (ou quase nunca) o que parece de fato é. E não é apenas na área opinativa que jornais, revistas, emissoras de rádio e de televisão esbanjam presunção.
Outro escritor norte-americano, Josh Billings, fez uma observação pertinente, sobre um comportamento que todos já notamos, embora poucos tenham coragem, ou espaço nos meios de comunicação, para expressar. Afirma: "Existem pessoas tão afeitas ao exagero que não sabem dizer a verdade sem mentir". Estaríamos aptos a interpretar os fatos dos quais tomamos conhecimento, para julgar as ações das pessoas que nos rodeiam, para afirmar que sabemos exatamente como é tudo o que nos cerca com neutralidade e isenção? Duvido! Somos frutos da educação que recebemos e das tendências que trazemos do berço e que nos acompanham pela vida afora. Ninguém tem a garantia de que a sua formação foi impecável, sem falhas, lacunas ou distorções. Somos homens do nosso tempo, influenciados por idéias alheias, com a cabeça repleta de conceitos, preceitos e preconceitos.
O professor norte-americano Stephen Greenblatt observou, em um artigo publicado na imprensa do seu país em 1991: "Nossas palavras estão cheias de vestígios que sequer compreendemos completamente quando falamos de vozes que existiram no passado e silenciaram, estão mortas. Nossas vidas estão cheias das presenças fantasmagóricas de nossos ancestrais, de nossos pais, de nossos avós, das figuras que nos tocam e em relação às quais tentamos nos situar".
Nós, que temos a responsabilidade de decisão nos meios de comunicação --- me incluo nesse meio, por ser profissional de imprensa --- fornecemos ao público, do alto da nossa presunção, salvo raras exceções (impossíveis de distinguir da regra), "versões" em vez de "informações". Parodiando Antônio Vieira, "amamos vidros, cuidando que sejam diamantes". Não podemos nunca nos acomodar e achar que somos auto-suficientes. Nossa reflexão, reciclagem de métodos de colheita e transmissão de notícias e evolução mental e intelectual devem ser permanentes, mensais, diárias, horárias se possível. Umberto Eco indaga: "É possível abstrairmos nossa condição de intérpretes, historicamente situados, e vermos a obra como um cristal?" Na teoria, sim.
Mas para tanto, é preciso desenvolver e exercitar a cada instante da vida um aguçado espírito crítico. Adotar o comportamento científico de não aceitar nenhuma idéia ou conceito aprioristicamente, sem questionamento, deixando sempre um saudável espaço para a dúvida. Porquanto, como observou Manuel Bandeira (e os poetas têm uma percepção mais clara da realidade pela sua própria condição), "somos duplamente prisioneiros: de nós mesmos e do tempo em que vivemos". Deixemos de presunção.
O advento e a evolução dos meios de comunicação de massa – e isso não é novidade para ninguém – se constituem na única e genuína revolução do século XX. Este fantástico aparato comunicativo à disposição do homem moderno "virou o mundo pelo avesso". Para as ondas de rádio e imagens de televisão, por exemplo, não existem fronteiras. Essa possibilidade de falar instantaneamente com qualquer parte do Planeta e de emitir e receber imagens tornou mais difícil a tarefa dos tiranos, dos ditadores de todos os tipos, dos charlatães que vendem a felicidade em pílulas. Daí terem sido reduzidas, em especial a partir dos anos 80, as ditaduras por todas as partes, mormente na América Latina.
Claro que esse não foi o único fator para o advento da democracia em Estados tradicionalmente fechados e com feudalismo disfarçado – em algumas partes ainda muito incipiente e carregada dos vícios do caudilhismo –, havendo outros interesses em jogo, cuja menção não cabe aqui, já que o tema de que queremos tratar não é exatamente este. Apesar de todos os benefícios que a suposta era da informação total trouxe à humanidade, não posso deixar de dar razão ao desabafo do escritor norte-americano Daniel Robert, que diz: "A comunicação está doente de presunção".
Não se pode confundir o meio com a mensagem. Os veículos à disposição dos povos são, de fato, revolucionários. O teor daquilo que transmitem é que merece reparos e contestações. Quem os utiliza quase nunca está preparado para falar com um público tão amplo que tais meios atingem. Pegue o leitor um jornal (longe de ser o veículo mais popular e mais ágil), qualquer um deles, seja de que tendência ideológica for. Leia um editorial a esmo, ou um dos artigos publicados. Leu? Deu para notar o tom arrogante, presunçoso, com ares de "dono da verdade" com que o tema foi abordado? Qual o preparo desse "fazedor de cabeças" para tentar modificar uma realidade cujo alcance não atina? Nem sempre (ou quase nunca) o que parece de fato é. E não é apenas na área opinativa que jornais, revistas, emissoras de rádio e de televisão esbanjam presunção.
Outro escritor norte-americano, Josh Billings, fez uma observação pertinente, sobre um comportamento que todos já notamos, embora poucos tenham coragem, ou espaço nos meios de comunicação, para expressar. Afirma: "Existem pessoas tão afeitas ao exagero que não sabem dizer a verdade sem mentir". Estaríamos aptos a interpretar os fatos dos quais tomamos conhecimento, para julgar as ações das pessoas que nos rodeiam, para afirmar que sabemos exatamente como é tudo o que nos cerca com neutralidade e isenção? Duvido! Somos frutos da educação que recebemos e das tendências que trazemos do berço e que nos acompanham pela vida afora. Ninguém tem a garantia de que a sua formação foi impecável, sem falhas, lacunas ou distorções. Somos homens do nosso tempo, influenciados por idéias alheias, com a cabeça repleta de conceitos, preceitos e preconceitos.
O professor norte-americano Stephen Greenblatt observou, em um artigo publicado na imprensa do seu país em 1991: "Nossas palavras estão cheias de vestígios que sequer compreendemos completamente quando falamos de vozes que existiram no passado e silenciaram, estão mortas. Nossas vidas estão cheias das presenças fantasmagóricas de nossos ancestrais, de nossos pais, de nossos avós, das figuras que nos tocam e em relação às quais tentamos nos situar".
Nós, que temos a responsabilidade de decisão nos meios de comunicação --- me incluo nesse meio, por ser profissional de imprensa --- fornecemos ao público, do alto da nossa presunção, salvo raras exceções (impossíveis de distinguir da regra), "versões" em vez de "informações". Parodiando Antônio Vieira, "amamos vidros, cuidando que sejam diamantes". Não podemos nunca nos acomodar e achar que somos auto-suficientes. Nossa reflexão, reciclagem de métodos de colheita e transmissão de notícias e evolução mental e intelectual devem ser permanentes, mensais, diárias, horárias se possível. Umberto Eco indaga: "É possível abstrairmos nossa condição de intérpretes, historicamente situados, e vermos a obra como um cristal?" Na teoria, sim.
Mas para tanto, é preciso desenvolver e exercitar a cada instante da vida um aguçado espírito crítico. Adotar o comportamento científico de não aceitar nenhuma idéia ou conceito aprioristicamente, sem questionamento, deixando sempre um saudável espaço para a dúvida. Porquanto, como observou Manuel Bandeira (e os poetas têm uma percepção mais clara da realidade pela sua própria condição), "somos duplamente prisioneiros: de nós mesmos e do tempo em que vivemos". Deixemos de presunção.
Wednesday, November 28, 2007
REFLEXÃO DO DIA
Muitos sufocam o talento natural com que foram dotados, sob o pueril pretexto de que essa aptidão não lhes trará dinheiro, como se isso fosse a coisa mais importante da vida. Obviamente, não é. Nada se compara à satisfação íntima que advém da certeza do cumprimento, com competência, do nosso papel no mundo. A recompensa é mera conseqüência dessa auto-realização. Quem começa qualquer empreendimento de olho, apenas, numa possível compensação, está no caminho exato (muitas vezes sem volta) de imensas frustrações. Abraham Harold Maslow escreve a respeito: “Um músico deve compor, um artista deve pintar, um poeta deve escrever, caso pretendam deixar seus corações em paz. A essa necessidade podemos dar o nome de auto-realização”. É esse sentimento que leva as pessoas a realizarem grandes obras, que sobrevivem ao tempo e ao suceder de gerações e que podem as manter vivas na memória da posteridade até o fim dos tempos.
Decisões por acaso
Pedro J. Bondaczuk
O homem convive com mistérios, alimenta-se deles, é um mistério... Tenta explicar (em vão) tudo, desde o maior deles, que é o da natureza e finalidade da sua vida, a detalhes corriqueiros do cotidiano, aos quais dá interpretações pessoais, mais ou menos lógicas de acordo com seu preparo intelectual, mas ainda assim empíricas, sujeitas a mudanças ao sabor dos acontecimentos.
Uma das discussões que mais venho ouvindo, há anos, desde a meninice (que já vai tão distante) e às vezes participando – mais como exercício retórico, já que não vou convencer ninguém e nem ser convencido pelos outros a esse propósito – é a que se refere àquilo que se convencionou chamar de "destino".
Neste caso, a palavra não é interpretada com a conotação de "direção a seguir", mas de "determinismo". Nasceríamos com nossa trajetória totalmente traçada, segundo a segundo, fato a fato, episódio a episódio, com tudo decidido quanto ao local de nascimento, às condições social, mental e emocional que ostentamos, ao temperamento que possuímos, aos relacionamentos que estabelecemos, à profissão que exercemos, ao sucesso ou insucesso que alcançamos e ao tempo de existência?
Muitos acreditam que sim. Para esses, de nada vão adiantar nossos esforços para modificar nosso "destino". Este já estaria traçado (onde? nas estrelas? nos nossos genes? na nossa mente?). Não vejo nenhuma lógica nessa crença. Por intuição, sem apelar para a racionalidade e nem me ater ao princípio religioso do livre arbítrio, acredito que nada disso, ou nada de nada, é predeterminado, pré-traçado, previsto em nossa existência.
Temos que construir nossa personalidade. Precisamos compor nossa biografia com atos e fatos, com obras e idéias, como paixão e emoção. Claro que não posso provar essa afirmação. Mas os deterministas, os partidários do fatalista "maktub" ("estava escrito") também não podem. Nesse aspecto estamos em pé de igualdade. Daí a inutilidade da discussão a respeito.
Certeza mesmo ninguém tem e nem nunca terá nem a esse propósito e nem sobre coisa alguma. Somos, isto sim, "atropelados" pelo acaso, pelos acontecimentos aleatórios e sem controle a qualquer e a todo o momento. Este, sim, nos torna vencedores ou perdedores, ou até mesmo nos mata na primeira esquina, num campo de futebol, em um restaurante, no nosso local de trabalho ou em nossa casa, em nosso banheiro, em nossa sala, em nossa cozinha, em nosso quarto, em nossa cama...
Conheci casos de pessoas muito pobres, que durante anos lutaram pela sobrevivência "comendo o pão que o diabo amassou". Subitamente, ganharam uma fortuna na loteria. Obra do destino? Muitos entendem que sim. Eu acho que não. Pois bem, quando essas pessoas, com esse súbito "bafejo da sorte", poderiam, finalmente, "viver", acabaram colhidas pela fatalidade e morreram de um enfarte fulminante.
Seria o destino? Mas quem teria traçado? Qual o ente de tanto poder que seria tão cruel a ponto de colocar seres humanos nestes extremos da necessidade, do desejo, da agonia, da alegria e da morte? Deus? Impossível! Se o fizesse, não seria uma divindade dotada da suprema bondade e da máxima justiça que são seus atributos. O Diabo? Sequer se tem certeza de sua existência.
Foi o acaso... Este é cego e não discrimina ninguém, para o bem e para o mal. É o mesmo que às vezes determina a salvação de indivíduos desenganados pelos médicos e que subitamente se curam, sem nenhuma explicação lógica, racional. Milagre? Trata-se de simples palavra utilizada quando se quer explicar o que racionalmente não tem explicação. Mas é também o acaso quem fulmina os que "vendem" saúde, são atletas perfeitos, sem nenhuma doença ou deficiência, que na teoria poderiam ter vida centenária e que morrem subitamente. Destino? Não! Acaso!
Jorge Luís Borges, com a experiência dos que viveram muitos anos e acumularam sabedoria – não a livresca que se recita como papagaio, mas aquela proveniente da vivência e da experiência – constatou, no livro "Elogio da sombra – um ensaio autobiográfico", no capítulo intitulado "Uma oração": "Desconhecemos os desígnios do universo, mas sabemos que raciocinar com lucidez e agir com justiça é ajudar a esses desígnios, que não nos serão revelados".
E não serão mesmo. Aliás, o homem não sabe de coisa alguma com certeza. O que denomina de ciência é um conjunto de hipóteses para explicar fenômenos que se repetem em determinadas condições. Tais explicações podem ou não ser verdadeiras, embora em geral sejam convincentes. Teorias ditas científicas, postas como dogmas num passado não muito remoto, hoje são objetos de mofa.
Uma delas, por exemplo, é a da geração espontânea, na falta de explicação para determinadas doenças. Louis Pasteur, no entanto, derrubou-a. Descobriu a existência de seres microscópicos, vírus e bactérias, e revolucionou a medicina. O que é tido como absoluta verdade hoje, provavelmente num futuro, remoto (ou próximo, não importa), será igualmente risível. Destino? Não! Acaso, simplesmente...
O homem convive com mistérios, alimenta-se deles, é um mistério... Tenta explicar (em vão) tudo, desde o maior deles, que é o da natureza e finalidade da sua vida, a detalhes corriqueiros do cotidiano, aos quais dá interpretações pessoais, mais ou menos lógicas de acordo com seu preparo intelectual, mas ainda assim empíricas, sujeitas a mudanças ao sabor dos acontecimentos.
Uma das discussões que mais venho ouvindo, há anos, desde a meninice (que já vai tão distante) e às vezes participando – mais como exercício retórico, já que não vou convencer ninguém e nem ser convencido pelos outros a esse propósito – é a que se refere àquilo que se convencionou chamar de "destino".
Neste caso, a palavra não é interpretada com a conotação de "direção a seguir", mas de "determinismo". Nasceríamos com nossa trajetória totalmente traçada, segundo a segundo, fato a fato, episódio a episódio, com tudo decidido quanto ao local de nascimento, às condições social, mental e emocional que ostentamos, ao temperamento que possuímos, aos relacionamentos que estabelecemos, à profissão que exercemos, ao sucesso ou insucesso que alcançamos e ao tempo de existência?
Muitos acreditam que sim. Para esses, de nada vão adiantar nossos esforços para modificar nosso "destino". Este já estaria traçado (onde? nas estrelas? nos nossos genes? na nossa mente?). Não vejo nenhuma lógica nessa crença. Por intuição, sem apelar para a racionalidade e nem me ater ao princípio religioso do livre arbítrio, acredito que nada disso, ou nada de nada, é predeterminado, pré-traçado, previsto em nossa existência.
Temos que construir nossa personalidade. Precisamos compor nossa biografia com atos e fatos, com obras e idéias, como paixão e emoção. Claro que não posso provar essa afirmação. Mas os deterministas, os partidários do fatalista "maktub" ("estava escrito") também não podem. Nesse aspecto estamos em pé de igualdade. Daí a inutilidade da discussão a respeito.
Certeza mesmo ninguém tem e nem nunca terá nem a esse propósito e nem sobre coisa alguma. Somos, isto sim, "atropelados" pelo acaso, pelos acontecimentos aleatórios e sem controle a qualquer e a todo o momento. Este, sim, nos torna vencedores ou perdedores, ou até mesmo nos mata na primeira esquina, num campo de futebol, em um restaurante, no nosso local de trabalho ou em nossa casa, em nosso banheiro, em nossa sala, em nossa cozinha, em nosso quarto, em nossa cama...
Conheci casos de pessoas muito pobres, que durante anos lutaram pela sobrevivência "comendo o pão que o diabo amassou". Subitamente, ganharam uma fortuna na loteria. Obra do destino? Muitos entendem que sim. Eu acho que não. Pois bem, quando essas pessoas, com esse súbito "bafejo da sorte", poderiam, finalmente, "viver", acabaram colhidas pela fatalidade e morreram de um enfarte fulminante.
Seria o destino? Mas quem teria traçado? Qual o ente de tanto poder que seria tão cruel a ponto de colocar seres humanos nestes extremos da necessidade, do desejo, da agonia, da alegria e da morte? Deus? Impossível! Se o fizesse, não seria uma divindade dotada da suprema bondade e da máxima justiça que são seus atributos. O Diabo? Sequer se tem certeza de sua existência.
Foi o acaso... Este é cego e não discrimina ninguém, para o bem e para o mal. É o mesmo que às vezes determina a salvação de indivíduos desenganados pelos médicos e que subitamente se curam, sem nenhuma explicação lógica, racional. Milagre? Trata-se de simples palavra utilizada quando se quer explicar o que racionalmente não tem explicação. Mas é também o acaso quem fulmina os que "vendem" saúde, são atletas perfeitos, sem nenhuma doença ou deficiência, que na teoria poderiam ter vida centenária e que morrem subitamente. Destino? Não! Acaso!
Jorge Luís Borges, com a experiência dos que viveram muitos anos e acumularam sabedoria – não a livresca que se recita como papagaio, mas aquela proveniente da vivência e da experiência – constatou, no livro "Elogio da sombra – um ensaio autobiográfico", no capítulo intitulado "Uma oração": "Desconhecemos os desígnios do universo, mas sabemos que raciocinar com lucidez e agir com justiça é ajudar a esses desígnios, que não nos serão revelados".
E não serão mesmo. Aliás, o homem não sabe de coisa alguma com certeza. O que denomina de ciência é um conjunto de hipóteses para explicar fenômenos que se repetem em determinadas condições. Tais explicações podem ou não ser verdadeiras, embora em geral sejam convincentes. Teorias ditas científicas, postas como dogmas num passado não muito remoto, hoje são objetos de mofa.
Uma delas, por exemplo, é a da geração espontânea, na falta de explicação para determinadas doenças. Louis Pasteur, no entanto, derrubou-a. Descobriu a existência de seres microscópicos, vírus e bactérias, e revolucionou a medicina. O que é tido como absoluta verdade hoje, provavelmente num futuro, remoto (ou próximo, não importa), será igualmente risível. Destino? Não! Acaso, simplesmente...
Tuesday, November 27, 2007
REFLEXÃO DO DIA
Há quase consenso de que o mundo precisa, e com a maior urgência, de mudanças, para que se transforme naquele paraíso com o qual tanto sonhamos e que afirmamos querer deixar para nossos filhos e netos, deixando, assim, de ser este vale de lágrimas, cheio de violência, ganância, injustiças, corrupção e de tantas e tantas mazelas que nos atingem e infelicitam. Entretanto, para que as coisas mudem, é indispensável ação. Não de uma, cinco, dez ou mil pessoas, mas de todos os bilhões de habitantes da Terra. Temos, sim, responsabilidade por essa mudança e ninguém está isento de fazer sua parte. É muito cômodo, para não dizer covarde, esperar que os outros mudem o que está errado, enquanto nós posamos de meros espectadores. Trata-se de obra coletiva urgente e inadiável, sob pena do risco, até, da extinção da espécie. Mahatma Gandhi sentenciou a esse propósito: “Nós devemos ser a mudança que queremos ver no mundo”. Portanto, mãos à obra!
Despertar da consciência
Pedro J. Bondaczuk
A tomada da Bastilha, a famosa prisão de Paris, que abrigava presos políticos (entre bandidos comuns), foi uma tomada de consciência das pessoas para a necessidade e a importância dos direitos humanos. Até então, não havia nenhum código normativo a esse respeito. O cidadão era tratado como simples número, peça descartável de uma diabólica engrenagem que o transcendia e o tiranizava. Em muitas partes ainda o é. O evento é, sobretudo, um marco na evolução dos povos. Não apenas o da França, obviamente, mas de todo o mundo. Trazemos o assunto à baila a propósito da solicitação de um leitor, que nos pede que expliquemos não as conseqüências (sobejamente conhecidas) desse fato, que passou para a história como o início da Revolução Francesa, mas as suas causas. E estas centralizaram-se, basicamente, naquilo que ainda hoje, na virada do terceiro milênio da Era Cristã, é bastante comum em várias partes do Planeta: a revolta do indivíduo contra a tirania do Estado.
A tomada da Bastilha foi uma espécie de "basta", dado pela sociedade francesa de fins do século XVIII, contra os abusos da monarquia e dos senhores feudais que lhe davam sustentação. O rei Luiz XVI, para manter o luxo da corte, recorreu ao aumento abusivo dos impostos, para reabastecer os falidos cofres públicos. A tributação excessiva tornou insustentável tanto a atividade dos pequenos artesãos nas cidades, quanto dos raros pequenos agricultores no campo. A maior parte das terras estava, ainda, nas mãos dos senhores feudais. O repasse dos tributos encareceu de tal forma o custo de vida, que a maioria das pessoas do povo não tinha como comprar sequer alimentos.
Os camponeses, desestimulados, deixaram de plantar. Houve um período de fome generalizada. As dívidas se acumulavam e centenas de pessoas eram presas por não poderem saldar seus débitos. Enquanto isso, a corte desperdiçava dinheiro, em faustosas festas, que eram uma agressão ao povo, faminto e desesperado. Desde quando Luiz XIV estabeleceu o célebre "L'Etat c'est moi" ("O Estado sou eu"), as instituições dependiam exclusivamente da vontade do rei. Os direitos humanos eram uma ficção. A monarquia tinha poderes de vida e morte sobre os cidadãos. A principal prisão de Paris, a Bastilha, estava abarrotada de pessoas cujo crime maior era não saldar suas dívidas, por absoluta impossibilidade. Os altos impostos cobrados dos artesãos fizeram com que estes despedissem seus empregados. O desemprego era generalizado e milhões de famílias não contavam com qualquer fonte de renda.
Motins espalharam-se por toda a França, sob o comando de anônimos líderes populares, movidos mais pelo desespero, do que por eventual ideologia. Mas os soldados do rei reprimiam com dureza esses protestos. Os que não eram mortos, iam parar nas masmorras da Bastilha. Por esses tempos, contudo, circulavam idéias novas por todo o país, ressaltando que o indivíduo era mais importante do que o Estado. Este deveria servi-lo, e não o contrário. Estava em fermentação uma Revolução, que eclodiu quando o povo resolveu pôr fim a essa cínica tirania, atacando seu maior símbolo: a temível prisão de Paris.
Em 14 de julho de 1789, uma multidão enfurecida, armada com paus, foices, pedras e uma ou outra arma de guerra da época, marchou, ao som da Marselhesa, rumo à Bastilha. Os soldados ainda tentaram deter a avalanche. Logo foram mergulhados num mar humano e, por questão de prudência, bateram em retirada. Os portões da prisão-fortaleza vieram facilmente abaixo. "Allons enfants de la patrie/ le jour de gloire est arrivé...". "Avante filhos da pátria. O dia de glória chegou", cantava a multidão, logo engrossada pelos que deixavam a masmorra. Nunca mais a França e o mundo foram os mesmos depois desse dia...
A tomada da Bastilha, a famosa prisão de Paris, que abrigava presos políticos (entre bandidos comuns), foi uma tomada de consciência das pessoas para a necessidade e a importância dos direitos humanos. Até então, não havia nenhum código normativo a esse respeito. O cidadão era tratado como simples número, peça descartável de uma diabólica engrenagem que o transcendia e o tiranizava. Em muitas partes ainda o é. O evento é, sobretudo, um marco na evolução dos povos. Não apenas o da França, obviamente, mas de todo o mundo. Trazemos o assunto à baila a propósito da solicitação de um leitor, que nos pede que expliquemos não as conseqüências (sobejamente conhecidas) desse fato, que passou para a história como o início da Revolução Francesa, mas as suas causas. E estas centralizaram-se, basicamente, naquilo que ainda hoje, na virada do terceiro milênio da Era Cristã, é bastante comum em várias partes do Planeta: a revolta do indivíduo contra a tirania do Estado.
A tomada da Bastilha foi uma espécie de "basta", dado pela sociedade francesa de fins do século XVIII, contra os abusos da monarquia e dos senhores feudais que lhe davam sustentação. O rei Luiz XVI, para manter o luxo da corte, recorreu ao aumento abusivo dos impostos, para reabastecer os falidos cofres públicos. A tributação excessiva tornou insustentável tanto a atividade dos pequenos artesãos nas cidades, quanto dos raros pequenos agricultores no campo. A maior parte das terras estava, ainda, nas mãos dos senhores feudais. O repasse dos tributos encareceu de tal forma o custo de vida, que a maioria das pessoas do povo não tinha como comprar sequer alimentos.
Os camponeses, desestimulados, deixaram de plantar. Houve um período de fome generalizada. As dívidas se acumulavam e centenas de pessoas eram presas por não poderem saldar seus débitos. Enquanto isso, a corte desperdiçava dinheiro, em faustosas festas, que eram uma agressão ao povo, faminto e desesperado. Desde quando Luiz XIV estabeleceu o célebre "L'Etat c'est moi" ("O Estado sou eu"), as instituições dependiam exclusivamente da vontade do rei. Os direitos humanos eram uma ficção. A monarquia tinha poderes de vida e morte sobre os cidadãos. A principal prisão de Paris, a Bastilha, estava abarrotada de pessoas cujo crime maior era não saldar suas dívidas, por absoluta impossibilidade. Os altos impostos cobrados dos artesãos fizeram com que estes despedissem seus empregados. O desemprego era generalizado e milhões de famílias não contavam com qualquer fonte de renda.
Motins espalharam-se por toda a França, sob o comando de anônimos líderes populares, movidos mais pelo desespero, do que por eventual ideologia. Mas os soldados do rei reprimiam com dureza esses protestos. Os que não eram mortos, iam parar nas masmorras da Bastilha. Por esses tempos, contudo, circulavam idéias novas por todo o país, ressaltando que o indivíduo era mais importante do que o Estado. Este deveria servi-lo, e não o contrário. Estava em fermentação uma Revolução, que eclodiu quando o povo resolveu pôr fim a essa cínica tirania, atacando seu maior símbolo: a temível prisão de Paris.
Em 14 de julho de 1789, uma multidão enfurecida, armada com paus, foices, pedras e uma ou outra arma de guerra da época, marchou, ao som da Marselhesa, rumo à Bastilha. Os soldados ainda tentaram deter a avalanche. Logo foram mergulhados num mar humano e, por questão de prudência, bateram em retirada. Os portões da prisão-fortaleza vieram facilmente abaixo. "Allons enfants de la patrie/ le jour de gloire est arrivé...". "Avante filhos da pátria. O dia de glória chegou", cantava a multidão, logo engrossada pelos que deixavam a masmorra. Nunca mais a França e o mundo foram os mesmos depois desse dia...
Monday, November 26, 2007
REFLEXÃO DO DIA
Temos sonhos grandiosos (o que não é errado), mas quase nunca levamos em conta nossas fraquezas e limitações para sua concretização. Não raro, apostamos todas nossas fichas na conquista de um objetivo que, sob a mais simples análise, se revela irrealizável. Claro que o resultado é a frustração e uma terrível sensação de fracasso. Esse comportamento, porém, faz parte da natureza humana. Não devemos parar de sonhar. Não é errado aspirar o impossível. Mas temos que ter a consciência dessa impossibilidade, e ainda assim tentar. Se não conseguirmos atingir o objetivo, o sentimento mais prudente a nutrir é o de íntima satisfação por termos feito o melhor que poderíamos. Infelizmente, não é o que acontece. Carlos Drummond de Andrade afirma, com pertinência: “Nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram”. É esse sentimento de mágoa e frustração que precisa ser evitado, nunca os sonhos.
Música da vida
Pedro J. Bondaczuk
Os poetas costumam comparar as fases da vida às quatro estações do ano. Atribuem à primavera, a infância cheia de encantos; ao verão, a adolescência repleta de energia; ao outono, a maturidade do bom-senso e ao inverno, a velhice da solidão e frustrações. Discordo dessa comparação.
Prefiro outra, mais positiva e próxima da real. Afinal, as estações do ano repetem-se a cada 365 dias, indiferentes ao fato de estarmos vivos ou não. Considero, por exemplo, a primavera como a alegria; o verão, o entusiasmo; o outono; o bom-senso e o inverno, a experiência que se consegue, apenas, com vivência.
Temos essas fases não apenas uma vez na vida, mas inúmeras. Teremos, por exemplo, tantas “primaveras” quantas quisermos, desde que estejamos predispostos a elas. O mesmo vale para as outras três estações, claro.
Quase tudo no mundo, no terreno dos pensamentos, sentimentos e atos, é questão de dosagem. Os mais milagrosos remédios, se tomados em doses inadequadas, tendem a ser ou ineficazes ou, até mesmo, venenosos. Tomados de menos, não surtem efeitos e, demais, intoxicam.
Alguns venenos mortais, por seu turno, em doses pequeníssimas e rigorosamente exatas, são milagrosos remédios. O mesmo raciocínio se aplica para o sonho e a realidade, por exemplo. Sonhadores em excesso, que se limitam a sonhar sem nada fazer para tentar tornar real o que se sonhou, mais cedo ou mais tarde se frustram. Descambam para o desencanto. Realistas em demasia, por seu turno, levam vidas cinzentas, tristes e sem graça. Ambos, sonho e realidade, nos são necessários. O problema é acertar na dosagem.
Temos, isto sim, que pôr paixão em tudo o que fizermos, não importa se essa obra é de caráter material, intelectual, filosófico ou artístico. Claro que essa chama, esse entusiasmo, essa fúria de concretizar o que existe só em nossa mente tem que ser “temperada” com outros ingredientes, como razão, prudência e bom-senso.
A paixão, em si, em seu estado natural, é selvagem e muitas vezes incontrolável. Tende a alucinar quem não sabe dosar sua intensidade. Mas sem ela, nenhuma das nossas obras parecerá, aos mais atentos (e, de fato, não o será), com alma, verdade e autenticidade. Mesmo que perfeita, na forma e na concepção, soará falsa, artificial e sem vida. É essa iluminação que transforma o que fazemos em obras-primas que desafiam o tempo e a sucessão de gerações.
Sou fascinado, particularmente, por sons harmoniosos e coerentes. Nasci com alma de músico, embora nunca tenha composto uma única canção (não me refiro a letras, que já fiz muitas, mas à melodia) e não me sinto habilitado para tanto. Também não toco instrumento algum e minha voz é muito grave, não se prestando, portanto, à interpretação. Mas tenho o que comumente se chama de “ouvido musical”.
Neste instante, ouço em surdina, na casa vizinha, o canto de um pássaro, que identifico como o de um canário belga. Aprendi esse tipo de identificação ouvindo um disco, que meu saudoso pai ganhou do engenheiro Johann Dalgas Fritsch. Sei que essa afirmação pode parecer um disparate, mas não é. A referida gravação não só existe como é um achado, sobretudo artístico. Mistura o canto dos mais variados pássaros da fauna brasileira com peças musicais de Bach, Beethoven, Chopin etc. O efeito é devastador, em termos de derrubar as barreiras que represam emoções!
Dalgas Fritsch gravou vários LPs do tipo e tenho três deles. Chamo essas gravações de “música da vida”, que de fato são. O canto mais impressionante é o do uirapuru, da Amazônia. Diz a lenda que quem o ouvir conservará para sempre seu amor. Tomara que seja verdade! Gosto de ouvir esses discos, sobretudo, a cada amanhecer.
Cada novo dia que nasce é uma oportunidade que a vida nos dá de realizar sonhos e alcançar (e conservar) a felicidade e a alegria de viver. Nunca sabemos de quanto tempo ainda dispomos para pormos em prática nossos planos. Podem ser muitos dias, milhares deles, como pode, também, não ser mais nenhum. Daí ser tremenda tolice desperdiçar nosso tempo com picuinhas, rancores inconseqüentes e nunca construtivos, ciúmes, inveja, cobiça e tantos outros sentimentos que só nos trazem dor, amargura e infelicidade e às pessoas que nos rodeiam.
Não desperdiço os meus. Procuro vivê-los com intensidade, com alegria, bom-humor e encantamento. Três coisas em especial me fascinam, encantam e entusiasmam: vida, amor e beleza, nesta ordem. Viver é, para mim, simultaneamente, mistério e privilégio, quaisquer que sejam as circunstâncias. Amar, por seu turno, é sempre uma bênção, mesmo que não haja correspondência. Se houver... será um delírio! E, finalmente, a beleza (não a física, necessariamente, mas a que se expressa em todas as coisas, até nas aparentemente mais feias), inspira-me, acalma-me e me desperta intensa alegria e profunda reverência.
Devemos ter, sempre e a cada momento, essa atitude de celebração face a vida. Mesmo que não venhamos a nos dar conta, ou que questionemos essa idéia, temos muito mais motivos para comemorar pelo fato de estarmos vivos, do que para eventualmente lamentar. Trata-se de oportunidade rara e única, de um privilégio e de uma bênção. Nós é que, em geral, arruinamos nossas vidas com atitudes negativas, pensamentos nefastos e ações desastradas, ou “destrambelhadas”, como costuma dizer um amigo.
A sabedoria, sem dúvida, é importante e devemos nos empenhar para obtê-la. Reflexão é fundamental para conhecermos o nosso íntimo e as pessoas que nos cercam. Mas as emoções sadias e intensas são essenciais. Celebremos e vivamos intensamente cada dia que temos, do amanhecer ao anoitecer. Minha forma particular de celebrar é ouvindo, sempre que posso (e nesse caso, posso sempre) a encantadora, a inspiradora, a misteriosa “música da vida”.
Os poetas costumam comparar as fases da vida às quatro estações do ano. Atribuem à primavera, a infância cheia de encantos; ao verão, a adolescência repleta de energia; ao outono, a maturidade do bom-senso e ao inverno, a velhice da solidão e frustrações. Discordo dessa comparação.
Prefiro outra, mais positiva e próxima da real. Afinal, as estações do ano repetem-se a cada 365 dias, indiferentes ao fato de estarmos vivos ou não. Considero, por exemplo, a primavera como a alegria; o verão, o entusiasmo; o outono; o bom-senso e o inverno, a experiência que se consegue, apenas, com vivência.
Temos essas fases não apenas uma vez na vida, mas inúmeras. Teremos, por exemplo, tantas “primaveras” quantas quisermos, desde que estejamos predispostos a elas. O mesmo vale para as outras três estações, claro.
Quase tudo no mundo, no terreno dos pensamentos, sentimentos e atos, é questão de dosagem. Os mais milagrosos remédios, se tomados em doses inadequadas, tendem a ser ou ineficazes ou, até mesmo, venenosos. Tomados de menos, não surtem efeitos e, demais, intoxicam.
Alguns venenos mortais, por seu turno, em doses pequeníssimas e rigorosamente exatas, são milagrosos remédios. O mesmo raciocínio se aplica para o sonho e a realidade, por exemplo. Sonhadores em excesso, que se limitam a sonhar sem nada fazer para tentar tornar real o que se sonhou, mais cedo ou mais tarde se frustram. Descambam para o desencanto. Realistas em demasia, por seu turno, levam vidas cinzentas, tristes e sem graça. Ambos, sonho e realidade, nos são necessários. O problema é acertar na dosagem.
Temos, isto sim, que pôr paixão em tudo o que fizermos, não importa se essa obra é de caráter material, intelectual, filosófico ou artístico. Claro que essa chama, esse entusiasmo, essa fúria de concretizar o que existe só em nossa mente tem que ser “temperada” com outros ingredientes, como razão, prudência e bom-senso.
A paixão, em si, em seu estado natural, é selvagem e muitas vezes incontrolável. Tende a alucinar quem não sabe dosar sua intensidade. Mas sem ela, nenhuma das nossas obras parecerá, aos mais atentos (e, de fato, não o será), com alma, verdade e autenticidade. Mesmo que perfeita, na forma e na concepção, soará falsa, artificial e sem vida. É essa iluminação que transforma o que fazemos em obras-primas que desafiam o tempo e a sucessão de gerações.
Sou fascinado, particularmente, por sons harmoniosos e coerentes. Nasci com alma de músico, embora nunca tenha composto uma única canção (não me refiro a letras, que já fiz muitas, mas à melodia) e não me sinto habilitado para tanto. Também não toco instrumento algum e minha voz é muito grave, não se prestando, portanto, à interpretação. Mas tenho o que comumente se chama de “ouvido musical”.
Neste instante, ouço em surdina, na casa vizinha, o canto de um pássaro, que identifico como o de um canário belga. Aprendi esse tipo de identificação ouvindo um disco, que meu saudoso pai ganhou do engenheiro Johann Dalgas Fritsch. Sei que essa afirmação pode parecer um disparate, mas não é. A referida gravação não só existe como é um achado, sobretudo artístico. Mistura o canto dos mais variados pássaros da fauna brasileira com peças musicais de Bach, Beethoven, Chopin etc. O efeito é devastador, em termos de derrubar as barreiras que represam emoções!
Dalgas Fritsch gravou vários LPs do tipo e tenho três deles. Chamo essas gravações de “música da vida”, que de fato são. O canto mais impressionante é o do uirapuru, da Amazônia. Diz a lenda que quem o ouvir conservará para sempre seu amor. Tomara que seja verdade! Gosto de ouvir esses discos, sobretudo, a cada amanhecer.
Cada novo dia que nasce é uma oportunidade que a vida nos dá de realizar sonhos e alcançar (e conservar) a felicidade e a alegria de viver. Nunca sabemos de quanto tempo ainda dispomos para pormos em prática nossos planos. Podem ser muitos dias, milhares deles, como pode, também, não ser mais nenhum. Daí ser tremenda tolice desperdiçar nosso tempo com picuinhas, rancores inconseqüentes e nunca construtivos, ciúmes, inveja, cobiça e tantos outros sentimentos que só nos trazem dor, amargura e infelicidade e às pessoas que nos rodeiam.
Não desperdiço os meus. Procuro vivê-los com intensidade, com alegria, bom-humor e encantamento. Três coisas em especial me fascinam, encantam e entusiasmam: vida, amor e beleza, nesta ordem. Viver é, para mim, simultaneamente, mistério e privilégio, quaisquer que sejam as circunstâncias. Amar, por seu turno, é sempre uma bênção, mesmo que não haja correspondência. Se houver... será um delírio! E, finalmente, a beleza (não a física, necessariamente, mas a que se expressa em todas as coisas, até nas aparentemente mais feias), inspira-me, acalma-me e me desperta intensa alegria e profunda reverência.
Devemos ter, sempre e a cada momento, essa atitude de celebração face a vida. Mesmo que não venhamos a nos dar conta, ou que questionemos essa idéia, temos muito mais motivos para comemorar pelo fato de estarmos vivos, do que para eventualmente lamentar. Trata-se de oportunidade rara e única, de um privilégio e de uma bênção. Nós é que, em geral, arruinamos nossas vidas com atitudes negativas, pensamentos nefastos e ações desastradas, ou “destrambelhadas”, como costuma dizer um amigo.
A sabedoria, sem dúvida, é importante e devemos nos empenhar para obtê-la. Reflexão é fundamental para conhecermos o nosso íntimo e as pessoas que nos cercam. Mas as emoções sadias e intensas são essenciais. Celebremos e vivamos intensamente cada dia que temos, do amanhecer ao anoitecer. Minha forma particular de celebrar é ouvindo, sempre que posso (e nesse caso, posso sempre) a encantadora, a inspiradora, a misteriosa “música da vida”.
Sunday, November 25, 2007
REFLEXÃO DO DIA
Cada novo dia que nasce é uma oportunidade que a vida nos dá de realizar sonhos e alcançar (e conservar) a felicidade e a alegria de viver. Nunca sabemos de quanto tempo ainda dispomos para pormos em prática nossos planos. Podem ser muitos dias, milhares deles, como pode, também, não ser mais nenhum. Daí ser tremenda tolice desperdiçar nosso tempo com picuinhas, rancores inconseqüentes e nunca construtivos, ciúmes, inveja, cobiça e tantos outros sentimentos que só nos trazem dor, amargura e infelicidade e às pessoas que nos rodeiam. Mário Quintana escreveu, em uma de suas crônicas: “Quando abro a cada manhã a janela do meu quarto, é como se abrisse o mesmo livro numa página nova”. E, de fato, é o mesmíssimo volume: o da vida. Suas páginas, no entanto, estão em branco, à espera que as preenchamos. Manda a sabedoria que o “texto” que produzirmos seja uma ode à alegria, ao bom-humor, à amizade e ao amor. A escolha é nossa!
Guerra dos sexos - Parte V
Pedro J. Bondaczuk
(CONTINUAÇÃO)
10
Mortes na gravidez e no parto
Um dos direitos mais sagrados da mulher é o de acesso aos meios de preservação da sua saúde, principalmente no momento mais importante e sublime da sua vida, o da maternidade. A maioria, no entanto, não dispõe desses recursos de fica entregue à própria sorte, com conseqüências terríveis, que abreviam a sua vida e põem em risco a sobrevivência dos filhos.
A Organização das Nações Unidas para a Infância, Unicef, informou, em seu relatório relativo a 1996, que cerca de 600 mil mulheres do Terceiro Mundo morrem, anualmente, ao dar a luz, sem receber ajuda médica ou em hospitais mal aparelhados. Isso equivale a l.600 mortes diárias! De lá para cá, as coisas não se alteraram muito.
Mais de 140 mil mães morrem anualmente em conseqüência de hemorragias e outras 100 mil de septicemia, ou seja, infecção generalizada, por causa da presença no útero de fragmentos da placenta que não são expulsos e apodrecem. Outras 75 mil acabam mortas, anualmente, em abortos praticados por elas mesmas e outras 75 mil em conseqüência de danos cerebrais e renais relacionados com a gravidez sem assistência médica.
Quarenta mil mulheres morrem anualmente por causa do chamado "parto obstruído". As contrações uterinas comprimem o crânio do bebê, asfixiado contra uma pélvis demasiadamente pequena. Para cada mulher que morre, outras 30 sofrem lesões, em alguns casos permanentes, pela ruptura do útero, doenças inflamatórias da pélvis e perda do controle da urina.
Estes dados da Unicef foram compilados com a ajuda da Universidade John Hopkins, dos Estados Unidos, e da Organização Mundial da Saúde e são, portanto, da maior credibilidade. A conclusão é que pelo menos 15 milhões de mulheres sofrem, anualmente, algum tipo de dano na gravidez ou no parto, que terá profundos efeitos em suas vidas.
Uma em cada 13, na África subsaariana; e uma em cada 35, no Sul da Ásia, morrem de complicações da gravidez ou do parto. Na América Latina, a taxa de mortalidade materna vai desde 650 mortes para cada 100 mil nascimentos, na Bolívia, a 55 por 100 mil no Panamá e na Costa Rica.
A média regional mais elevada se registra na África subsaariana, onde a assistência médica às mulheres grávidas ou não existe, ou é extremamente deficiente. Essa área registra 980 mortes para cada 100 mil nascimentos. É seguida pela média da Ásia Central (560), Ásia-Pacífico (390), Oriente Médio e Norte da África (300). De uma forma ou de outra, conclui-se que meio bilhão de mulheres morrem todos os anos, por causas relacionadas com a gravidez.
(CONTINUA)
(Textos do meu livro, inédito, "Guerra dos Sexos").
(CONTINUAÇÃO)
10
Mortes na gravidez e no parto
Um dos direitos mais sagrados da mulher é o de acesso aos meios de preservação da sua saúde, principalmente no momento mais importante e sublime da sua vida, o da maternidade. A maioria, no entanto, não dispõe desses recursos de fica entregue à própria sorte, com conseqüências terríveis, que abreviam a sua vida e põem em risco a sobrevivência dos filhos.
A Organização das Nações Unidas para a Infância, Unicef, informou, em seu relatório relativo a 1996, que cerca de 600 mil mulheres do Terceiro Mundo morrem, anualmente, ao dar a luz, sem receber ajuda médica ou em hospitais mal aparelhados. Isso equivale a l.600 mortes diárias! De lá para cá, as coisas não se alteraram muito.
Mais de 140 mil mães morrem anualmente em conseqüência de hemorragias e outras 100 mil de septicemia, ou seja, infecção generalizada, por causa da presença no útero de fragmentos da placenta que não são expulsos e apodrecem. Outras 75 mil acabam mortas, anualmente, em abortos praticados por elas mesmas e outras 75 mil em conseqüência de danos cerebrais e renais relacionados com a gravidez sem assistência médica.
Quarenta mil mulheres morrem anualmente por causa do chamado "parto obstruído". As contrações uterinas comprimem o crânio do bebê, asfixiado contra uma pélvis demasiadamente pequena. Para cada mulher que morre, outras 30 sofrem lesões, em alguns casos permanentes, pela ruptura do útero, doenças inflamatórias da pélvis e perda do controle da urina.
Estes dados da Unicef foram compilados com a ajuda da Universidade John Hopkins, dos Estados Unidos, e da Organização Mundial da Saúde e são, portanto, da maior credibilidade. A conclusão é que pelo menos 15 milhões de mulheres sofrem, anualmente, algum tipo de dano na gravidez ou no parto, que terá profundos efeitos em suas vidas.
Uma em cada 13, na África subsaariana; e uma em cada 35, no Sul da Ásia, morrem de complicações da gravidez ou do parto. Na América Latina, a taxa de mortalidade materna vai desde 650 mortes para cada 100 mil nascimentos, na Bolívia, a 55 por 100 mil no Panamá e na Costa Rica.
A média regional mais elevada se registra na África subsaariana, onde a assistência médica às mulheres grávidas ou não existe, ou é extremamente deficiente. Essa área registra 980 mortes para cada 100 mil nascimentos. É seguida pela média da Ásia Central (560), Ásia-Pacífico (390), Oriente Médio e Norte da África (300). De uma forma ou de outra, conclui-se que meio bilhão de mulheres morrem todos os anos, por causas relacionadas com a gravidez.
(CONTINUA)
(Textos do meu livro, inédito, "Guerra dos Sexos").
Saturday, November 24, 2007
REFLEXÃO DO DIA
Temos que pôr paixão em tudo o que fizermos, não importa se essa obra for de caráter material, intelectual, filosófico ou artístico. Claro que essa chama, esse entusiasmo, essa fúria de concretizar o que existe só em nossa mente tem que ser “temperada” com outros ingredientes, como razão, prudência e bom-senso. A paixão, em si, em seu estado natural, é selvagem e muitas vezes incontrolável. Tende a alucinar quem não sabe dosar sua intensidade. Mas sem ela, nenhuma das nossas obras parecerá, aos mais atentos (e, de fato, não o será), com alma, verdade e autenticidade. Mesmo que perfeita, na forma e na concepção, soará falsa, artificial e sem vida. Edgar Morin constata, em um de seus textos, a esse respeito: “Sabíamos que as paixões podiam alucinar, mas convém, também, dizer que podem iluminar”. E é essa iluminação que transforma o que fazemos em obras-primas que desafiam o tempo e a sucessão de gerações.
O diamante
Pedro J. Bondaczuk
Magnífico cristal,
irmão do carvão,
de rombudas arestas.
O buril do tempo
retira a ganga
e o expõe à luz.
Estrela da terra,
prisma mágico,
decompõe as cores.
Jóia-camaleão,
mineral mistério,
simula ser pedra.
Síntese da emoção,
diamante raro,
sem harmonia.
Estranha inspiração,
jóia dissimulada:
a minha poesia!!
(Poema composto em Campinas, em 11 de junho de 1974)
Magnífico cristal,
irmão do carvão,
de rombudas arestas.
O buril do tempo
retira a ganga
e o expõe à luz.
Estrela da terra,
prisma mágico,
decompõe as cores.
Jóia-camaleão,
mineral mistério,
simula ser pedra.
Síntese da emoção,
diamante raro,
sem harmonia.
Estranha inspiração,
jóia dissimulada:
a minha poesia!!
(Poema composto em Campinas, em 11 de junho de 1974)
Friday, November 23, 2007
REFLEXÃO DO DIA
A vida, toda vida, qualquer vida, é sumamente importante para o homem. Nada na natureza é supérfluo ou desnecessário. Tudo tem função, motivo e importância. De uns tempos para cá, prevalece, na literatura e, sobretudo, no campo prático, a apologia da morte. Não há enredo de romance, novela, conto ou filme em que não haja algum “herói” suprimindo a vida de um “bandido”, como se quem mata o que é mau não se igualasse a ele. O verdadeiro heroísmo consiste em construir: obras, idéias, conceitos e valores. A violência jamais será contida por expedientes violentos. A salvação do mundo e, do homem, é a educação. Albert Schweitzer fez essa constatação, numa de suas tantas reflexões filosóficas: “Quanto mais profundamente nos abismamos na natureza, tanto mais reconhecemos que ela está cheia de vida, e tanto mais compreenderemos que toda a vida é um segredo, e que estamos unidos com toda a vida que há na natureza”.
Determinismo e acaso
Pedro J. Bondaczuk
O homem convive com mistérios, alimenta-se deles, é um mistério... Tenta explicar (em vão) tudo, desde o maior deles, que é o da natureza e finalidade da sua vida, a detalhes corriqueiros do cotidiano, aos quais dá interpretações pessoais, mais ou menos lógicas de acordo com seu preparo intelectual, mas ainda assim empíricas, sujeitas a mudanças ao sabor dos acontecimentos.
Uma das discussões que mais venho ouvindo, há anos, desde a meninice (que já vai tão distante) e às vezes participando – mais como exercício retórico, já que não vou convencer ninguém e nem ser convencido pelos outros a esse propósito – é a que se refere àquilo que se convencionou chamar de "destino".
Neste caso, a palavra não é interpretada com a conotação de "direção a seguir", mas de "determinismo". Nasceríamos com nossa trajetória totalmente traçada, segundo a segundo, fato a fato, episódio a episódio, com tudo decidido quanto ao local de nascimento, às condições social, mental e emocional que ostentamos, ao temperamento que possuímos, aos relacionamentos que estabelecemos, à profissão que exercemos, ao sucesso ou insucesso que alcançamos e ao tempo de existência?
Muitos acreditam que sim. Para esses, de nada vão adiantar nossos esforços para modificar nosso "destino". Este já estaria traçado (onde? nas estrelas? nos nossos genes? na nossa mente?). Não vejo nenhuma lógica nessa crença. Por intuição, sem apelar para a racionalidade e nem me ater ao princípio religioso do livre arbítrio, acredito que nada disso, ou nada de nada, é predeterminado, pré-traçado, previsto em nossa existência.
Temos que construir nossa personalidade. Precisamos compor nossa biografia com atos e fatos, com obras e idéias, como paixão e emoção. Claro que não posso provar essa afirmação. Mas os deterministas, os partidários do fatalista "maktub" ("estava escrito") também não podem. Nesse aspecto estamos em pé de igualdade. Daí a inutilidade da discussão a respeito.
Certeza mesmo ninguém tem e nem nunca terá nem a esse propósito e nem sobre coisa alguma. Somos, isto sim, "atropelados" pelo acaso, pelos acontecimentos aleatórios e sem controle a qualquer e a todo o momento. Este, sim, nos torna vencedores ou perdedores, ou até mesmo nos mata na primeira esquina, num campo de futebol, em um restaurante, no nosso local de trabalho ou em nossa casa, em nosso banheiro, em nossa sala, em nossa cozinha, em nosso quarto, em nossa cama...
Conheci casos de pessoas muito pobres, que durante anos lutaram pela sobrevivência "comendo o pão que o diabo amassou". Subitamente, ganharam uma fortuna na loteria. Obra do destino? Muitos entendem que sim. Eu acho que não. Pois bem, quando essas pessoas, com esse súbito "bafejo da sorte", poderiam, finalmente, "viver", acabaram colhidas pela fatalidade e morreram de um enfarte fulminante.
Seria o destino? Mas quem teria traçado? Qual o ente de tanto poder que seria tão cruel a ponto de colocar seres humanos nestes extremos da necessidade, do desejo, da agonia, da alegria e da morte? Deus? Impossível! Se o fizesse, não seria uma divindade dotada da suprema bondade e da máxima justiça que são seus atributos. O Diabo? Sequer se tem certeza de sua existência.
Foi o acaso... Este é cego e não discrimina ninguém, para o bem e para o mal. É o mesmo que às vezes determina a salvação de indivíduos desenganados pelos médicos e que subitamente se curam, sem nenhuma explicação lógica, racional. Milagre? Trata-se de simples palavra utilizada quando se quer explicar o que racionalmente não tem explicação. Mas é também o acaso quem fulmina os que "vendem" saúde, são atletas perfeitos, sem nenhuma doença ou deficiência, que na teoria poderiam ter vida centenária e que morrem subitamente. Destino? Não! Acaso!
Jorge Luís Borges, com a experiência dos que viveram muitos anos e acumularam sabedoria – não a livresca que se recita como papagaio, mas aquela proveniente da vivência e da experiência – constatou, no livro "Elogio da sombra – um ensaio autobiográfico", no capítulo intitulado "Uma oração": "Desconhecemos os desígnios do universo, mas sabemos que raciocinar com lucidez e agir com justiça é ajudar a esses desígnios, que não nos serão revelados".
E não serão mesmo. Aliás, o homem não sabe de coisa alguma com certeza. O que denomina de ciência é um conjunto de hipóteses para explicar fenômenos que se repetem em determinadas condições. Tais explicações podem ou não ser verdadeiras, embora em geral sejam convincentes. Teorias ditas científicas, postas como dogmas num passado não muito remoto, hoje são objetos de mofa.
Uma delas, por exemplo, é a da geração espontânea, na falta de explicação para determinadas doenças. Louis Pasteur, no entanto, derrubou-a. Descobriu a existência de seres microscópicos, vírus e bactérias, e revolucionou a medicina. O que é tido como absoluta verdade hoje, provavelmente num futuro, remoto (ou próximo, não importa), será igualmente risível. Destino? Não! Acaso, simplesmente...
O homem convive com mistérios, alimenta-se deles, é um mistério... Tenta explicar (em vão) tudo, desde o maior deles, que é o da natureza e finalidade da sua vida, a detalhes corriqueiros do cotidiano, aos quais dá interpretações pessoais, mais ou menos lógicas de acordo com seu preparo intelectual, mas ainda assim empíricas, sujeitas a mudanças ao sabor dos acontecimentos.
Uma das discussões que mais venho ouvindo, há anos, desde a meninice (que já vai tão distante) e às vezes participando – mais como exercício retórico, já que não vou convencer ninguém e nem ser convencido pelos outros a esse propósito – é a que se refere àquilo que se convencionou chamar de "destino".
Neste caso, a palavra não é interpretada com a conotação de "direção a seguir", mas de "determinismo". Nasceríamos com nossa trajetória totalmente traçada, segundo a segundo, fato a fato, episódio a episódio, com tudo decidido quanto ao local de nascimento, às condições social, mental e emocional que ostentamos, ao temperamento que possuímos, aos relacionamentos que estabelecemos, à profissão que exercemos, ao sucesso ou insucesso que alcançamos e ao tempo de existência?
Muitos acreditam que sim. Para esses, de nada vão adiantar nossos esforços para modificar nosso "destino". Este já estaria traçado (onde? nas estrelas? nos nossos genes? na nossa mente?). Não vejo nenhuma lógica nessa crença. Por intuição, sem apelar para a racionalidade e nem me ater ao princípio religioso do livre arbítrio, acredito que nada disso, ou nada de nada, é predeterminado, pré-traçado, previsto em nossa existência.
Temos que construir nossa personalidade. Precisamos compor nossa biografia com atos e fatos, com obras e idéias, como paixão e emoção. Claro que não posso provar essa afirmação. Mas os deterministas, os partidários do fatalista "maktub" ("estava escrito") também não podem. Nesse aspecto estamos em pé de igualdade. Daí a inutilidade da discussão a respeito.
Certeza mesmo ninguém tem e nem nunca terá nem a esse propósito e nem sobre coisa alguma. Somos, isto sim, "atropelados" pelo acaso, pelos acontecimentos aleatórios e sem controle a qualquer e a todo o momento. Este, sim, nos torna vencedores ou perdedores, ou até mesmo nos mata na primeira esquina, num campo de futebol, em um restaurante, no nosso local de trabalho ou em nossa casa, em nosso banheiro, em nossa sala, em nossa cozinha, em nosso quarto, em nossa cama...
Conheci casos de pessoas muito pobres, que durante anos lutaram pela sobrevivência "comendo o pão que o diabo amassou". Subitamente, ganharam uma fortuna na loteria. Obra do destino? Muitos entendem que sim. Eu acho que não. Pois bem, quando essas pessoas, com esse súbito "bafejo da sorte", poderiam, finalmente, "viver", acabaram colhidas pela fatalidade e morreram de um enfarte fulminante.
Seria o destino? Mas quem teria traçado? Qual o ente de tanto poder que seria tão cruel a ponto de colocar seres humanos nestes extremos da necessidade, do desejo, da agonia, da alegria e da morte? Deus? Impossível! Se o fizesse, não seria uma divindade dotada da suprema bondade e da máxima justiça que são seus atributos. O Diabo? Sequer se tem certeza de sua existência.
Foi o acaso... Este é cego e não discrimina ninguém, para o bem e para o mal. É o mesmo que às vezes determina a salvação de indivíduos desenganados pelos médicos e que subitamente se curam, sem nenhuma explicação lógica, racional. Milagre? Trata-se de simples palavra utilizada quando se quer explicar o que racionalmente não tem explicação. Mas é também o acaso quem fulmina os que "vendem" saúde, são atletas perfeitos, sem nenhuma doença ou deficiência, que na teoria poderiam ter vida centenária e que morrem subitamente. Destino? Não! Acaso!
Jorge Luís Borges, com a experiência dos que viveram muitos anos e acumularam sabedoria – não a livresca que se recita como papagaio, mas aquela proveniente da vivência e da experiência – constatou, no livro "Elogio da sombra – um ensaio autobiográfico", no capítulo intitulado "Uma oração": "Desconhecemos os desígnios do universo, mas sabemos que raciocinar com lucidez e agir com justiça é ajudar a esses desígnios, que não nos serão revelados".
E não serão mesmo. Aliás, o homem não sabe de coisa alguma com certeza. O que denomina de ciência é um conjunto de hipóteses para explicar fenômenos que se repetem em determinadas condições. Tais explicações podem ou não ser verdadeiras, embora em geral sejam convincentes. Teorias ditas científicas, postas como dogmas num passado não muito remoto, hoje são objetos de mofa.
Uma delas, por exemplo, é a da geração espontânea, na falta de explicação para determinadas doenças. Louis Pasteur, no entanto, derrubou-a. Descobriu a existência de seres microscópicos, vírus e bactérias, e revolucionou a medicina. O que é tido como absoluta verdade hoje, provavelmente num futuro, remoto (ou próximo, não importa), será igualmente risível. Destino? Não! Acaso, simplesmente...
Thursday, November 22, 2007
REFLEXÃO DO DIA
O homem é ser espiritual que vive experiência humana, embora muitos afirmem (erroneamente) o contrário. Compete-lhe, pois, priorizar o que o distingue dos demais animais, a razão, e frear, ao máximo, seus instintos de fera, notadamente os mais baixos e agressivos. As épocas de maior avanço da humanidade, em termos materiais, nas artes e na filosofia, foram as em que as questões de espírito foram enfatizadas. Em contrapartida, os períodos mais horrorosos e grotescos foram os que se caracterizaram pela prevalência dos instintos, dos gozos carnais e de um epicurismo distorcido. O filósofo Albert Schweitzer nos lembra, com pertinência: “Uma verdade permanece firme. Tudo que acontece na história do mundo repousa em algo espiritual. Se o espiritual é forte, cria história. Se é fraco, tolera a história... Conquistaremos novamente ideais que tenham poder sobre a realidade?”. A pergunta (pertinente) fica pairando no ar.
Ciência sem consciência
Pedro J. Bondaczuk
“A ciência sem a consciência é uma calamidade para a alma”. A afirmação, que pode ser facilmente comprovada por fatos que ocorrem conosco, em nosso dia-a-dia, é do escritor satírico francês, François Rabelais (1494-1553). A psicóloga e psicoterapeuta Leyde Christina Righetti Rino Rezende, uma das fundadoras da “Humanitatis – Instituto de Formação Transdisciplinar”, com sede em Campinas, traz à baila uma instigante questão, relacionada a esse tema. Constata: “As pessoas lutam, estudam, competem, se especializam, fazem pós-graduações, MBAs, aprendem idiomas, etc. E, com tudo isso, sentem-se inseguras, frustradas e sem perspectivas”. E indaga: “O que está acontecendo?”.
O escritor checo, Milan Kundera, aliás, aborda a questão em profundidade, no instigante romance “A Imortalidade”, da seguinte forma: “O mundo atingiu uma fronteira; quando ele a ultrapassa, tudo pode virar loucura: as pessoas andarão pelas ruas segurando um miosótis, ou então atirarão uns nos outros na frente de todos. E bastará muito pouca coisa; uma gota d`água fará o copo transbordar: por exemplo, um carro, um homem ou um decibel a mais na rua. Existe uma fronteira quantitativa a ser ultrapassada; mas essa fronteira não é vigiada por ninguém, e talvez até ninguém mesmo saiba de sua existência”.
As pessoas nunca dispuseram de tanta informação, de tanto conhecimento, de tantas oportunidades de formação, como agora, neste início de terceiro milênio da Era Cristã. No entanto, poucas vezes na história se viu tamanha descrença, tanto desamor, uma soma tão imensa de frustrações, individuais e/ou coletivas, sem falar da crescente violência, que nos ameaça e apavora constantemente, inclusive no recesso do nosso lar. Diante desse quadro odioso da realidade, não raro desanimamos de tudo, e não vemos sequer perspectivas mínimas para nossas vidas e, por conseqüência, de futuro para a sociedade..
Kundera diz mais: “Pouco a pouco o mundo perde sua transparência e torna-se opaco, ininteligível, precipita-se no desconhecido, enquanto o homem traído pelo mundo refugia-se em seu foro íntimo, em sua nostalgia, em seus sonhos, em sua revolta, e, aturdido com a voz dolorosa que emerge de dentro dele, não sabe mais ouvir as vozes que o interpelam de fora”.
E por que isso ocorre? Porque a humanidade recebe, hoje, uma overdose de ciência e de tecnologia, mas é “alimentada” com rações mínimas, quando não nulas, de consciência. Tudo é mecânico demais, frio em demasia, muito impessoal e, portanto, calamitoso para a alma. A presidente da “Humanitatis”, psicanalista de orientação Transpessoal e doutora em Filosofia da Educação pela Unicamp, Maria Escolástica Álvares da Silva, tem uma explicação bastante simples para isso. Destaca, em texto que nos foi enviado pela jornalista Marta Fontenele, da “Agenda Entrevistas”: “O conhecimento só transforma quando vem do coração”. Ou seja, quando há o indispensável “casamento” entre a razão e a emoção, entre o raciocínio e o sentimento, entre a inovação e a tradição. Em suma, quando as pessoas exercem sua humanidade por inteiro, e não somente parte dela.
Para ajudar quem queira a encontrar esse tão fundamental equilíbrio, o Instituto de Formação Transdisciplinar (Rua Novo Horizonte, 585, Chácara da Barra, fones 3251-6678 e 3384-3652) promove, a partir de abril, cursos de desenvolvimento humano, para o público em geral. As jornalistas Marta Fontenele e Fabiana Bruno informam que os participantes vão ter ao seu dispor recursos teóricos e práticos, que os ajudarão a resgatar o contato com a sua essência. Ou seja, vão aprender, sobretudo, a detectar na ciência (no caso, os conhecimentos acadêmicos que adquiriram) a indispensável consciência, além da finalidade.
A formação Transpessoal, conforme informam as citadas jornalistas, proporciona uma “nova visão do ser humano. Reconecta os aspectos biopsíquico e espiritual da pessoa. Baseia-se na transdisciplinaridade, ou seja, reúne o saber das tradições com a ciência, a filosofia, as artes e a espiritualidade”. Maiores informações a respeito poderão ser obtidas na Humanitatis ou na Agenda Entrevistas, pelo telefone 3294-5100, com Marta Fontenele ou Fabiana Bruno.
Edgar Morin, num dos seus mais de 50 livros (não me recordo em qual), observou: “O Homo Sapiens é definido por sua racionalidade e o ‘demens’ pela afetividade dos seus mitos e delírios. O homem é um ser complexo que trabalha e brinca, é pragmático e imaginativo, prosaico e poético, econômico e consumista. O homem prosaico é também o da poesia, o do fervor, da participação, do amor, do êxtase. Só o amor é capaz de irrigar de poesia a vida cotidiana”. E, acrescentaríamos: só a consciência confere à ciência a sua grandiosidade e transcendência, tornando a nossa vida mais útil, produtiva, agradável e, sobretudo, equilibrada.
“A ciência sem a consciência é uma calamidade para a alma”. A afirmação, que pode ser facilmente comprovada por fatos que ocorrem conosco, em nosso dia-a-dia, é do escritor satírico francês, François Rabelais (1494-1553). A psicóloga e psicoterapeuta Leyde Christina Righetti Rino Rezende, uma das fundadoras da “Humanitatis – Instituto de Formação Transdisciplinar”, com sede em Campinas, traz à baila uma instigante questão, relacionada a esse tema. Constata: “As pessoas lutam, estudam, competem, se especializam, fazem pós-graduações, MBAs, aprendem idiomas, etc. E, com tudo isso, sentem-se inseguras, frustradas e sem perspectivas”. E indaga: “O que está acontecendo?”.
O escritor checo, Milan Kundera, aliás, aborda a questão em profundidade, no instigante romance “A Imortalidade”, da seguinte forma: “O mundo atingiu uma fronteira; quando ele a ultrapassa, tudo pode virar loucura: as pessoas andarão pelas ruas segurando um miosótis, ou então atirarão uns nos outros na frente de todos. E bastará muito pouca coisa; uma gota d`água fará o copo transbordar: por exemplo, um carro, um homem ou um decibel a mais na rua. Existe uma fronteira quantitativa a ser ultrapassada; mas essa fronteira não é vigiada por ninguém, e talvez até ninguém mesmo saiba de sua existência”.
As pessoas nunca dispuseram de tanta informação, de tanto conhecimento, de tantas oportunidades de formação, como agora, neste início de terceiro milênio da Era Cristã. No entanto, poucas vezes na história se viu tamanha descrença, tanto desamor, uma soma tão imensa de frustrações, individuais e/ou coletivas, sem falar da crescente violência, que nos ameaça e apavora constantemente, inclusive no recesso do nosso lar. Diante desse quadro odioso da realidade, não raro desanimamos de tudo, e não vemos sequer perspectivas mínimas para nossas vidas e, por conseqüência, de futuro para a sociedade..
Kundera diz mais: “Pouco a pouco o mundo perde sua transparência e torna-se opaco, ininteligível, precipita-se no desconhecido, enquanto o homem traído pelo mundo refugia-se em seu foro íntimo, em sua nostalgia, em seus sonhos, em sua revolta, e, aturdido com a voz dolorosa que emerge de dentro dele, não sabe mais ouvir as vozes que o interpelam de fora”.
E por que isso ocorre? Porque a humanidade recebe, hoje, uma overdose de ciência e de tecnologia, mas é “alimentada” com rações mínimas, quando não nulas, de consciência. Tudo é mecânico demais, frio em demasia, muito impessoal e, portanto, calamitoso para a alma. A presidente da “Humanitatis”, psicanalista de orientação Transpessoal e doutora em Filosofia da Educação pela Unicamp, Maria Escolástica Álvares da Silva, tem uma explicação bastante simples para isso. Destaca, em texto que nos foi enviado pela jornalista Marta Fontenele, da “Agenda Entrevistas”: “O conhecimento só transforma quando vem do coração”. Ou seja, quando há o indispensável “casamento” entre a razão e a emoção, entre o raciocínio e o sentimento, entre a inovação e a tradição. Em suma, quando as pessoas exercem sua humanidade por inteiro, e não somente parte dela.
Para ajudar quem queira a encontrar esse tão fundamental equilíbrio, o Instituto de Formação Transdisciplinar (Rua Novo Horizonte, 585, Chácara da Barra, fones 3251-6678 e 3384-3652) promove, a partir de abril, cursos de desenvolvimento humano, para o público em geral. As jornalistas Marta Fontenele e Fabiana Bruno informam que os participantes vão ter ao seu dispor recursos teóricos e práticos, que os ajudarão a resgatar o contato com a sua essência. Ou seja, vão aprender, sobretudo, a detectar na ciência (no caso, os conhecimentos acadêmicos que adquiriram) a indispensável consciência, além da finalidade.
A formação Transpessoal, conforme informam as citadas jornalistas, proporciona uma “nova visão do ser humano. Reconecta os aspectos biopsíquico e espiritual da pessoa. Baseia-se na transdisciplinaridade, ou seja, reúne o saber das tradições com a ciência, a filosofia, as artes e a espiritualidade”. Maiores informações a respeito poderão ser obtidas na Humanitatis ou na Agenda Entrevistas, pelo telefone 3294-5100, com Marta Fontenele ou Fabiana Bruno.
Edgar Morin, num dos seus mais de 50 livros (não me recordo em qual), observou: “O Homo Sapiens é definido por sua racionalidade e o ‘demens’ pela afetividade dos seus mitos e delírios. O homem é um ser complexo que trabalha e brinca, é pragmático e imaginativo, prosaico e poético, econômico e consumista. O homem prosaico é também o da poesia, o do fervor, da participação, do amor, do êxtase. Só o amor é capaz de irrigar de poesia a vida cotidiana”. E, acrescentaríamos: só a consciência confere à ciência a sua grandiosidade e transcendência, tornando a nossa vida mais útil, produtiva, agradável e, sobretudo, equilibrada.
Wednesday, November 21, 2007
REFLEXÃO DO DIA
Nada aterroriza mais uma criança do que a possibilidade de rejeição. É marca que a acompanha vida afora e que não consegue ser apagada. Reflete-se na sua visão de vida e em todos seus relacionamentos. Torna-a vulnerável, insegura e carente. Tenhamos, pois, a sensibilidade de jamais passarmos a qualquer criança sequer a impressão de que a rejeitamos. John Steinbeck, no romance “A Leste do Éden”, faz esta constatação: “O maior terror que uma criança pode ter é a possibilidade de não ser amada. A rejeição é o inferno que teme. Acho que todas as pessoas do mundo, em grau maior ou menor, já experimentaram a rejeição. E com a rejeição vem a ira, com a ira vem alguma espécie de crime em vingança, com o crime vem a culpa... e aí está a história da humanidade. Acho que se a rejeição pudesse ser eliminada, a humanidade não seria o que é. Poderia haver menos loucos. Tenho certeza de que não haveria tantas cadeias”.
Crença na luz
Pedro J. Bondaczuk
As pessoas idealistas, as que crêem na possibilidade de transformar o mundo para melhor mediante ações coletivas – por mais utópico e irrealizável que isso pareça ser – sempre me fascinaram. Procuro, na medida do possível, imitá-las e me inspirar em suas crenças, idéias e atitudes para a realização dos meus próprios ideais de vida, que são beleza, transcendência e grandeza.
São poucos esses gigantes do espírito, modernos Quixotes a combater os moinhos de vento da incompreensão e dos interesses particulares de pessoas e grupos que compõem o que se convencionou chamar de “elites”, que tudo fazem, usando expedientes quase nunca éticos, para manter o status vigente, mesmo sabendo que este exclui 80% ou mais da população do País das benesses do desenvolvimento econômico, social e cultural.
Há já alguns anos venho acompanhando a trajetória política de um desses homens especiais, ao qual sequer conheço pessoalmente. Contudo, é como se o já conhecesse desde sempre, tal minha identidade com seus pensamentos e ações. Afinal, foi aqui, na minha cidade, em Campinas, que ele se tornou mestre em História pela prestigiosa Unicamp. Aqui, também, exerceu com muita competência o cargo de secretário municipal de Cultura. Conheço-o, portanto, por seus atos e idéias expostas em entrevistas e em tantos e lúcidos artigos que assinou e que tive a oportunidade de ler. É o que me basta. Refiro-me a Célio Roberto Turino de Miranda, que desde 2004 comanda a Secretaria de Políticas e Programas Culturais do Ministério da Cultura (criada na oportunidade), a convite do próprio ministro Gilberto Gil e do secretário-executivo da referida pasta, Juca Ferreira.
A despeito da pouca divulgação nos principais meios de comunicação do País, sua atuação vem revolucionando o setor. A prova foi o recente sucesso da “Teia 2007” (Rede de Relacionamentos dos Pontos de Cultura), realizada, de 7 a 11 de novembro, em Belo Horizonte, e que atraiu um público estimado em mais de 100 mil pessoas. Pitoresca foi a forma como o mestre de cerimônias desse encontro anunciou-o para que ele inaugurasse oficialmente o encontro. Disse: “Vender empadinha aos dez anos foi a sua formatura”. Isso diz bem da sua simplicidade. Trata-se de alguém que se fez na vida por seus próprios esforços e que não tem vergonha disso (não há porque ter), mas se orgulha da sua trajetória pessoal.
Os Pontos de Cultura, para quem não sabe, são organizações espontâneas da sociedade que promovem cultura, educação e economia solidária em suas comunidades, beneficiadas pelo governo através do Cultura Viva. Na “Teia 2006”, realizada no Pavilhão da Bienal do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, 400 deles se fizeram representar. Na edição deste ano, em Belo Horizonte, eles já eram mais de 600. E a meta é que cheguem a 3 mil até o final de 2008.
As palavras com que Célio Turino abriu, oficialmente, o evento, no Palácio das Artes de Belo Horizonte, dão a exata medida dos seus participantes, legítimos representantes da cultura nacional e suas “raízes”, de fato e de direito. O secretário saudou-os pedindo “as bênçãos aos mestres e crioulos, curadores, pajés, artesãos, atores, sanfoneiros, repentistas e rendeiros, foliões e capoeristas”. Como se vê, não se dirigiu a “intelectuais” com vastos currículos acadêmicos, a sociólogos, antropólogos, filósofos etc., mas a gente humilde, anônima, do povo, mas dotada de imensa sabedoria natural: a ditada pela experiência. E, certamente, foi mesmo abençoado por todos eles. Prova? O sucesso da “Teia 2007”, cujo lema refletiu, a caráter, seu maior objetivo: “Tudo de todos”.
Impressionaram-me, sobretudo, a clareza e a objetividade de Célio Turino na entrevista que deu, na oportunidade, à Agência Brasil, cujos trechos principais peço licença para reproduzir. O secretário atribuiu, antes de tudo, o sucesso dos Pontos de Cultura (sobre os quais venho escrevendo há já um bom tempo), não à sua atuação (no que discordo), mas à “iniciativa criadora do povo brasileiro (com o que não posso deixar de concordar). Por isso o programa se espalhou tão rapidamente e tem dado certo, apesar das dificuldades e dos percalços do governo”, enfatizou.
“Ele tem avançado por encantamento, pois não envolve somente o processo de razão e reflexão teórica. Ele tem a percepção de sentimentos. Isso tem dado um caldo de cultura magnífico. O Ponto de Cultura vai ter que começar a ser percebido como algo que extrapola o campo da cultura, das artes e da cidadania. Ele representa o ensaio de um outro tipo de democracia que está fervilhando no Brasil e não é percebida”, destacou o secretário.
Quando o repórter indagou se o diferencial dos Pontos de Cultura era o fato dos recursos do governo serem destinados diretamente aos produtores culturais, sem determinar o que eles têm a fazer, Turino respondeu: “Não estou menosprezando o recurso (cada Ponto de Cultura recebe R$ 5 mil por mês, totalizando R$ 60 mil por ano). Mais importante que eles, porém, é aplicar diretamente em uma favela, em um assentamento, em um grupo tradicional, em música experimental, teatro de vanguarda ou dança contemporânea. Isso representa uma revolução. São recursos que não se perdem nos meandros do governo. É uma pirâmide invertida. O vértice fica pra baixo e a parte mais alargada fica em cima, quando deveria ser o contrário: a sociedade contribui com impostos, o Estado é bastante enxuto, o que não significa ter pouco quadro, não é esse discurso neoliberal. Mas é um Estado que cria repasse rápido de recursos para que a sociedade se desenvolva. Essa é a experiência dos Pontos de Cultura”.
Quando o repórter observou que o secretário utilizou o termo “revolução”, este explicou: “Ah, sim, nesse sentido da mudança. Às vezes a gente tem receio porque o termo perdeu um pouco o sentido. A verdadeira revolução é aquela que nasce da vontade do povo, já disse alguém. A emancipação do povo será obra do próprio povo. É isso que a gente vem buscando fomentar nos Pontos de Cultura. E que essas pessoas que sempre quiseram bloquear um processo de protagonismo social não ouçam essa entrevista, porque ainda é um tempo de cultivo até que as coisas se estruturem. Nasceu do Estado, mas não nasceu totalmente, porque o Estado reconheceu a sociedade”, concluiu.
Está aí porque admiro Célio Turino. É um intelectual coerente, que consegue a complicadíssima mescla de idealismo com senso prático, coisas aparentemente incompatíveis (mas que não o são) que não permite que o ideal seja mera aspiração delirante, mas sem qualquer conseqüência. Em vez disso, faz dele uma realidade.
O poeta e dramaturgo francês do século XIX, Edmond Rostand, criador, entre outras obras, do imortal best-seller “Cyrano de Bergerac”, constatou: “É à noite que é belo acreditar na luz”. Pois é o que o secretário faz na sua atuação pública. Homem culto e bem-informado que é, está consciente dos obstáculos de toda a sorte que tentam impedir o sucesso dos seus projetos. Estes, todavia, em vez de desanimá-lo, conferem-lhe maior energia para tornar concretos o que muitos sempre consideraram (e consideram) delirante utopia. É o caso dos Pontos de Cultura e, principalmente, o programa Cultura Viva, que se impõem e se expandem, à revelia dos céticos e dos elitistas. É a nova forma de democracia que, conforme suas palavras, “está fervilhando no Brasil e não é percebida”.
As pessoas idealistas, as que crêem na possibilidade de transformar o mundo para melhor mediante ações coletivas – por mais utópico e irrealizável que isso pareça ser – sempre me fascinaram. Procuro, na medida do possível, imitá-las e me inspirar em suas crenças, idéias e atitudes para a realização dos meus próprios ideais de vida, que são beleza, transcendência e grandeza.
São poucos esses gigantes do espírito, modernos Quixotes a combater os moinhos de vento da incompreensão e dos interesses particulares de pessoas e grupos que compõem o que se convencionou chamar de “elites”, que tudo fazem, usando expedientes quase nunca éticos, para manter o status vigente, mesmo sabendo que este exclui 80% ou mais da população do País das benesses do desenvolvimento econômico, social e cultural.
Há já alguns anos venho acompanhando a trajetória política de um desses homens especiais, ao qual sequer conheço pessoalmente. Contudo, é como se o já conhecesse desde sempre, tal minha identidade com seus pensamentos e ações. Afinal, foi aqui, na minha cidade, em Campinas, que ele se tornou mestre em História pela prestigiosa Unicamp. Aqui, também, exerceu com muita competência o cargo de secretário municipal de Cultura. Conheço-o, portanto, por seus atos e idéias expostas em entrevistas e em tantos e lúcidos artigos que assinou e que tive a oportunidade de ler. É o que me basta. Refiro-me a Célio Roberto Turino de Miranda, que desde 2004 comanda a Secretaria de Políticas e Programas Culturais do Ministério da Cultura (criada na oportunidade), a convite do próprio ministro Gilberto Gil e do secretário-executivo da referida pasta, Juca Ferreira.
A despeito da pouca divulgação nos principais meios de comunicação do País, sua atuação vem revolucionando o setor. A prova foi o recente sucesso da “Teia 2007” (Rede de Relacionamentos dos Pontos de Cultura), realizada, de 7 a 11 de novembro, em Belo Horizonte, e que atraiu um público estimado em mais de 100 mil pessoas. Pitoresca foi a forma como o mestre de cerimônias desse encontro anunciou-o para que ele inaugurasse oficialmente o encontro. Disse: “Vender empadinha aos dez anos foi a sua formatura”. Isso diz bem da sua simplicidade. Trata-se de alguém que se fez na vida por seus próprios esforços e que não tem vergonha disso (não há porque ter), mas se orgulha da sua trajetória pessoal.
Os Pontos de Cultura, para quem não sabe, são organizações espontâneas da sociedade que promovem cultura, educação e economia solidária em suas comunidades, beneficiadas pelo governo através do Cultura Viva. Na “Teia 2006”, realizada no Pavilhão da Bienal do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, 400 deles se fizeram representar. Na edição deste ano, em Belo Horizonte, eles já eram mais de 600. E a meta é que cheguem a 3 mil até o final de 2008.
As palavras com que Célio Turino abriu, oficialmente, o evento, no Palácio das Artes de Belo Horizonte, dão a exata medida dos seus participantes, legítimos representantes da cultura nacional e suas “raízes”, de fato e de direito. O secretário saudou-os pedindo “as bênçãos aos mestres e crioulos, curadores, pajés, artesãos, atores, sanfoneiros, repentistas e rendeiros, foliões e capoeristas”. Como se vê, não se dirigiu a “intelectuais” com vastos currículos acadêmicos, a sociólogos, antropólogos, filósofos etc., mas a gente humilde, anônima, do povo, mas dotada de imensa sabedoria natural: a ditada pela experiência. E, certamente, foi mesmo abençoado por todos eles. Prova? O sucesso da “Teia 2007”, cujo lema refletiu, a caráter, seu maior objetivo: “Tudo de todos”.
Impressionaram-me, sobretudo, a clareza e a objetividade de Célio Turino na entrevista que deu, na oportunidade, à Agência Brasil, cujos trechos principais peço licença para reproduzir. O secretário atribuiu, antes de tudo, o sucesso dos Pontos de Cultura (sobre os quais venho escrevendo há já um bom tempo), não à sua atuação (no que discordo), mas à “iniciativa criadora do povo brasileiro (com o que não posso deixar de concordar). Por isso o programa se espalhou tão rapidamente e tem dado certo, apesar das dificuldades e dos percalços do governo”, enfatizou.
“Ele tem avançado por encantamento, pois não envolve somente o processo de razão e reflexão teórica. Ele tem a percepção de sentimentos. Isso tem dado um caldo de cultura magnífico. O Ponto de Cultura vai ter que começar a ser percebido como algo que extrapola o campo da cultura, das artes e da cidadania. Ele representa o ensaio de um outro tipo de democracia que está fervilhando no Brasil e não é percebida”, destacou o secretário.
Quando o repórter indagou se o diferencial dos Pontos de Cultura era o fato dos recursos do governo serem destinados diretamente aos produtores culturais, sem determinar o que eles têm a fazer, Turino respondeu: “Não estou menosprezando o recurso (cada Ponto de Cultura recebe R$ 5 mil por mês, totalizando R$ 60 mil por ano). Mais importante que eles, porém, é aplicar diretamente em uma favela, em um assentamento, em um grupo tradicional, em música experimental, teatro de vanguarda ou dança contemporânea. Isso representa uma revolução. São recursos que não se perdem nos meandros do governo. É uma pirâmide invertida. O vértice fica pra baixo e a parte mais alargada fica em cima, quando deveria ser o contrário: a sociedade contribui com impostos, o Estado é bastante enxuto, o que não significa ter pouco quadro, não é esse discurso neoliberal. Mas é um Estado que cria repasse rápido de recursos para que a sociedade se desenvolva. Essa é a experiência dos Pontos de Cultura”.
Quando o repórter observou que o secretário utilizou o termo “revolução”, este explicou: “Ah, sim, nesse sentido da mudança. Às vezes a gente tem receio porque o termo perdeu um pouco o sentido. A verdadeira revolução é aquela que nasce da vontade do povo, já disse alguém. A emancipação do povo será obra do próprio povo. É isso que a gente vem buscando fomentar nos Pontos de Cultura. E que essas pessoas que sempre quiseram bloquear um processo de protagonismo social não ouçam essa entrevista, porque ainda é um tempo de cultivo até que as coisas se estruturem. Nasceu do Estado, mas não nasceu totalmente, porque o Estado reconheceu a sociedade”, concluiu.
Está aí porque admiro Célio Turino. É um intelectual coerente, que consegue a complicadíssima mescla de idealismo com senso prático, coisas aparentemente incompatíveis (mas que não o são) que não permite que o ideal seja mera aspiração delirante, mas sem qualquer conseqüência. Em vez disso, faz dele uma realidade.
O poeta e dramaturgo francês do século XIX, Edmond Rostand, criador, entre outras obras, do imortal best-seller “Cyrano de Bergerac”, constatou: “É à noite que é belo acreditar na luz”. Pois é o que o secretário faz na sua atuação pública. Homem culto e bem-informado que é, está consciente dos obstáculos de toda a sorte que tentam impedir o sucesso dos seus projetos. Estes, todavia, em vez de desanimá-lo, conferem-lhe maior energia para tornar concretos o que muitos sempre consideraram (e consideram) delirante utopia. É o caso dos Pontos de Cultura e, principalmente, o programa Cultura Viva, que se impõem e se expandem, à revelia dos céticos e dos elitistas. É a nova forma de democracia que, conforme suas palavras, “está fervilhando no Brasil e não é percebida”.
Tuesday, November 20, 2007
REFLEXÃO DO DIA
Por mais insensível que alguma pessoa pareça, no fundo, no fundo, o que ela mais almeja na vida é a ventura de amar e ser correspondida (mesmo que negue enfaticamente). Nenhuma realização pessoal é mais importante e valiosa do que o amor. O verdadeiro sucesso, ao cabo de anos de existência, está ligado a quanto (e como) se amou e se foi amado. Tudo o mais é ilusão. Negue quem quiser, é assim que as coisas são. É de John Steibeck, no livro “A Leste do Eden”, esta sábia reflexão: “Na incerteza, estou convencido de que, por baixo de suas camadas superiores de fragilidade, os homens querem ser bons e querem ser amados. Na verdade, a maioria dos vícios é uma tentativa de atalho para o amor. Quando um homem morre, não importa qual tenha sido seu talento, influência e gênio, sua vida foi um fracasso se morreu sem amor. Sua morte é um frio horror”. Conclui-se, pois, que o amor é não somente causa, mas, sobretudo, objeto da existência!
Beleza e bondade
Pedro J. Bondaczuk
As pessoas costumam associar (erroneamente) o belo ao bom e, por conseqüência, o feio ao mau. Neste mundo de aparências, a beleza tem sido supervalorizada, sublimada, perseguida, colocada por muitos como uma espécie de ideal, mesmo sendo transitória. Diríamos até que ela é "virtual", para usar expressão tão em voga, uma espécie de ilusão, de fantasia da mente, de delírio. Afinal, restringe-se a um determinado tempo, curtíssimo por sinal.
Uma pessoa bonita não se livra dos efeitos transformadores dos anos. E estes, salvo na passagem da infância para a adolescência e às vezes desta para a maturidade, nunca são para melhor. Representam desgaste, decadência, envelhecimento. E, por conseqüência, sofrimento. Quanto mais bela é uma pessoa quando jovem, maior será sua frustração quando envelhecer, murchar, fenecer.
Uma pele sedosa em pouco tempo enche-se de rugas, por exemplo. Olhos claros e cristalinos turvam-se com a idade e são emoldurados por olheiras. Dentes brancos e perfeitos ficam muitas vezes cariados, ou amarelados pela nicotina (para quem fuma) ou caem se a pessoa não cuidar. Cabelos negros, ou loiros ou ruivos branqueiam com os anos. Fartas cabeleiras transformam-se em calvície. O inverso, obviamente, nunca ocorre. A beleza humana, pelo menos nos padrões vigentes, é transitória, ilusória e fugaz.
No terreno da arte acontece o mesmo. Textos considerados maravilhosos no início do século são vistos hoje como empolados, vazios, piegas. Os padrões estéticos variam ao sabor dos modismos. Tais variações atingem, indistintamente, literatura, artes plásticas, escultura, música, etc. Talvez os chamados "clássicos" consigam escapar, embora nem todos. Só a natureza, quando deixada quieta, sem que o homem busque interferir no seu curso, consegue se conservar sempre bela.
O escritor argentino José Bianco escreveu, em um de seus romances, na boca de um personagem: "A beleza natural renova o assombro que nos causa e o prazer que suscita em nós... talvez... seja superior a tudo. A diferença entre a natureza e uma música, um poema, um quadro, uma escultura é que ela nunca nos deixa cansados".
Essa noção de que a aparência é enganosa todos temos em nosso íntimo, repousa na memória coletiva, tem sido transmitida de geração para geração, embora teimemos em não atentar para ela. Se o belo fosse automaticamente bom Lucifer não seria o demônio. Afinal, dizem os dogmas cristãos, era o anjo de maior beleza da corte celestial, quando a Terra ainda não existia e, portanto, nem o homem com seus desejos e ilusões, "no princípio dos tempos". No entanto, desse ser revestido de luz, esteticamente perfeito, brotaram as raízes da maldade, da perfídia, da soberba e da traição.
A literatura tem um contraponto para esse caso, na figura do personagem Quasimodo, o "Corcunda de Notre Dame", de Victor Hugo. Tratava-se de um ser disforme, asqueroso, caricato e ridículo na aparência (como o concebeu o escritor francês) e tinha plena consciência disso.
Mas apesar da sua monstruosidade física, foi capaz de cultivar um amor ilimitado, total, absoluto e sem esperança, o "que tudo dá e nada pede", pela cigana Esmeralda. Era tão profundo esse sentimento a ponto dele sacrificar o bem mais precioso que qualquer vivente tem, a vida, pela amada. "Ora, isto é ficção", dirão os cépticos. Será que pessoas assim existem só na mente dos escritores? Se forçarmos a memória, a maioria de nós conseguirá lembrar de algum "Quasimodo" na vizinhança de nossa casa. Alguns de nós, quem sabe, até somos um (tendo ou não consciência).
Neste mundo tão complicado, por outro lado, há quem duvide que exista homem bom. Bondade absoluta, assim como maldade, beleza, feiúra, etc. totais não há mesmo. Existem graduações do ao redor do zero até os limites do infinito. De todos os indivíduos que já tiveram o privilégio de viver, a natureza não fez dois que fossem absolutamente iguais. Parecidos houve milhões. A igualdade, no entanto, jamais chegou a ser atingida em lugar ou tempo algum.
O norte-americano Roger J. Williams explica da seguinte maneira essas diferenças: "Um grupo de pessoas é algo assim como uma coleção de bolas de gude de todos os tamanhos e composições e de todas as cores do arco-íris. Tentem tirar a média dessas bolas, e o resultado será puro disparate. Tentem tirar a média de sua cor montando-as em um disco e fazendo-o girar rapidamente. A cor resultante será um cinza sujo". Exatamente isso, sem tirar e nem pôr.
E Williams prossegue: "Entretanto, não há uma bola cinza sujo em toda a coleção! As pessoas são tão diferentes como as bolas de gude, e, quando tentamos tirar uma média delas, acabamos por obter um homem cinza sujo. A média, quando aplicada a pessoas deste modo descuidado pode ser falha, pois nós somos espécimes ímpares".
Esse raciocínio foi feito quanto à aparência. Vale também, no entanto, quando se trata de bondade. Se representarmos esse conceito por cores e tentarmos tirar a média, o resultado será exatamente o mesmo: cinza sujo!.
E ninguém ousaria classificar um São Francisco de Assis, uma Madre Tereza de Calcutá ou uma Irmã Dulce nessa categoria. Muito menos um Nero, um Calígula, um Hitler e tantos e tantos outros monstros do passado ou do presente, conhecidos ou anônimos, atuantes ou com a maldade apenas latente à espera de oportunidade para se manifestar.
As pessoas costumam associar (erroneamente) o belo ao bom e, por conseqüência, o feio ao mau. Neste mundo de aparências, a beleza tem sido supervalorizada, sublimada, perseguida, colocada por muitos como uma espécie de ideal, mesmo sendo transitória. Diríamos até que ela é "virtual", para usar expressão tão em voga, uma espécie de ilusão, de fantasia da mente, de delírio. Afinal, restringe-se a um determinado tempo, curtíssimo por sinal.
Uma pessoa bonita não se livra dos efeitos transformadores dos anos. E estes, salvo na passagem da infância para a adolescência e às vezes desta para a maturidade, nunca são para melhor. Representam desgaste, decadência, envelhecimento. E, por conseqüência, sofrimento. Quanto mais bela é uma pessoa quando jovem, maior será sua frustração quando envelhecer, murchar, fenecer.
Uma pele sedosa em pouco tempo enche-se de rugas, por exemplo. Olhos claros e cristalinos turvam-se com a idade e são emoldurados por olheiras. Dentes brancos e perfeitos ficam muitas vezes cariados, ou amarelados pela nicotina (para quem fuma) ou caem se a pessoa não cuidar. Cabelos negros, ou loiros ou ruivos branqueiam com os anos. Fartas cabeleiras transformam-se em calvície. O inverso, obviamente, nunca ocorre. A beleza humana, pelo menos nos padrões vigentes, é transitória, ilusória e fugaz.
No terreno da arte acontece o mesmo. Textos considerados maravilhosos no início do século são vistos hoje como empolados, vazios, piegas. Os padrões estéticos variam ao sabor dos modismos. Tais variações atingem, indistintamente, literatura, artes plásticas, escultura, música, etc. Talvez os chamados "clássicos" consigam escapar, embora nem todos. Só a natureza, quando deixada quieta, sem que o homem busque interferir no seu curso, consegue se conservar sempre bela.
O escritor argentino José Bianco escreveu, em um de seus romances, na boca de um personagem: "A beleza natural renova o assombro que nos causa e o prazer que suscita em nós... talvez... seja superior a tudo. A diferença entre a natureza e uma música, um poema, um quadro, uma escultura é que ela nunca nos deixa cansados".
Essa noção de que a aparência é enganosa todos temos em nosso íntimo, repousa na memória coletiva, tem sido transmitida de geração para geração, embora teimemos em não atentar para ela. Se o belo fosse automaticamente bom Lucifer não seria o demônio. Afinal, dizem os dogmas cristãos, era o anjo de maior beleza da corte celestial, quando a Terra ainda não existia e, portanto, nem o homem com seus desejos e ilusões, "no princípio dos tempos". No entanto, desse ser revestido de luz, esteticamente perfeito, brotaram as raízes da maldade, da perfídia, da soberba e da traição.
A literatura tem um contraponto para esse caso, na figura do personagem Quasimodo, o "Corcunda de Notre Dame", de Victor Hugo. Tratava-se de um ser disforme, asqueroso, caricato e ridículo na aparência (como o concebeu o escritor francês) e tinha plena consciência disso.
Mas apesar da sua monstruosidade física, foi capaz de cultivar um amor ilimitado, total, absoluto e sem esperança, o "que tudo dá e nada pede", pela cigana Esmeralda. Era tão profundo esse sentimento a ponto dele sacrificar o bem mais precioso que qualquer vivente tem, a vida, pela amada. "Ora, isto é ficção", dirão os cépticos. Será que pessoas assim existem só na mente dos escritores? Se forçarmos a memória, a maioria de nós conseguirá lembrar de algum "Quasimodo" na vizinhança de nossa casa. Alguns de nós, quem sabe, até somos um (tendo ou não consciência).
Neste mundo tão complicado, por outro lado, há quem duvide que exista homem bom. Bondade absoluta, assim como maldade, beleza, feiúra, etc. totais não há mesmo. Existem graduações do ao redor do zero até os limites do infinito. De todos os indivíduos que já tiveram o privilégio de viver, a natureza não fez dois que fossem absolutamente iguais. Parecidos houve milhões. A igualdade, no entanto, jamais chegou a ser atingida em lugar ou tempo algum.
O norte-americano Roger J. Williams explica da seguinte maneira essas diferenças: "Um grupo de pessoas é algo assim como uma coleção de bolas de gude de todos os tamanhos e composições e de todas as cores do arco-íris. Tentem tirar a média dessas bolas, e o resultado será puro disparate. Tentem tirar a média de sua cor montando-as em um disco e fazendo-o girar rapidamente. A cor resultante será um cinza sujo". Exatamente isso, sem tirar e nem pôr.
E Williams prossegue: "Entretanto, não há uma bola cinza sujo em toda a coleção! As pessoas são tão diferentes como as bolas de gude, e, quando tentamos tirar uma média delas, acabamos por obter um homem cinza sujo. A média, quando aplicada a pessoas deste modo descuidado pode ser falha, pois nós somos espécimes ímpares".
Esse raciocínio foi feito quanto à aparência. Vale também, no entanto, quando se trata de bondade. Se representarmos esse conceito por cores e tentarmos tirar a média, o resultado será exatamente o mesmo: cinza sujo!.
E ninguém ousaria classificar um São Francisco de Assis, uma Madre Tereza de Calcutá ou uma Irmã Dulce nessa categoria. Muito menos um Nero, um Calígula, um Hitler e tantos e tantos outros monstros do passado ou do presente, conhecidos ou anônimos, atuantes ou com a maldade apenas latente à espera de oportunidade para se manifestar.
Monday, November 19, 2007
REFLEXÃO DO DIA
Nossa tendência inata (embora não pareça) é para o bem e a virtude. O mal e a corrupção nos vêm sempre de fora. Alojam-se, um dia, em nossa alma, e fazem com que sejamos causas de sofrimento a alguém. Este, porém, volta para nós como mola ao ser comprimida: com a mesma intensidade que o causamos. Escritores sabem bem disso. Aos poetas, por exemplo, brotam naturais versos que falem de bondade, beleza e transcendência. Todavia, têm que se esforçar muito para reproduzir maus sentimentos. Pior, ainda, é para romancistas, na criação de personagens maldosos. John Steinbeck afirma, no livro “A Leste do Éden”: “Todos os romances e toda a poesia se baseiam na competição incessante entre o bem e o mal em nós mesmos. ...O mal deve ser constantemente ressuscitado, enquanto o bem, a virtude, é imortal. O vício sempre foi um rosto novo e jovem, enquanto a virtude é venerável como nenhuma outra coisa no mundo”. Felizmente, eu acrescentaria.
A mão do acaso
Pedro J. Bondaczuk
O novo século começou da forma como acabou o precedente. Ou seja, com guerras (em especial no Afeganistão, no Oriente Médio e no Iraque), conflitos sociais, ações terroristas (que culminariam com o bárbaro atentado de 11 de setembro de 2001, que causou a destruição das torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York e matou cerca de duas mil pessoas), gerando angústias, multiplicando sofrimentos, cristalizando injustiças e protagonizando tudo o que torna a existência tensa, dolorosa, frustrante e ameaçadora.
A esperança de surgimento de nova era, de paz e de prosperidade para a maioria, manifestada com tanto entusiasmo e euforia na virada de 1999 para 2000 (embora o novo século tenha começado, de fato, em 2001), aos poucos cede lugar à dura realidade. Está dando, portanto, a inflexível lógica.
As mudanças de comportamento e de idéias, necessárias e indispensáveis, com que todos sonhamos, não surgem, é óbvio, do nada, como num passe de mágica. Têm que ser construídas, passo a passo, por todos nós. Não, claro, por um único líder, ou um pequeno grupo deles. Por todos, indistintamente, não importa o teor e o tanto de contribuição individual que venhamos a dar E é aí que reside o problema: na diversidade dos interesses, e na mentalidade egoísta que caracteriza, em maior ou menor medida, o ser humano.
Os anseios e expectativas da atual geração sequer são originais e exclusivos. São, guardadas as diferenças de condições materiais e espirituais, os mesmos que caracterizaram as viradas dos séculos anteriores, desde os primórdios da civilização. Não se pode negar que, em alguns aspectos, a humanidade evoluiu, e muito, especialmente nos últimos 200 anos. Noutros, todavia...
Há quem atribua ao acaso, que muitos preferem chamar de “sorte”, o ritmo dos acontecimentos. Sou daqueles que não crêem em determinismo, naquilo que se convencionou chamar de “destino” e que entendem que o homem, dotado de livre arbítrio, é quem escolhe o seu caminho, para o bem, ou para o mal. Se tem oportunidades de se informar, de se instruir, de exercitar e desenvolver seus talentos, conta com grandes chances de conseguir o que quer. Certeza jamais possui. Caso contrário...suas possibilidades de êxito são sumamente restritas, para não dizer impossíveis.
O escritor norte-americano William Faulkner, no romance “Os desgarrados”, põe a seguinte afirmação na boca de um dos personagens: “Vocês talvez tenham ouvido dizer ...que a sorte é uma dama caprichosa que, ao invés de receber, dá – coisas boas ou más; mais coisas boas do que se possa acreditar (talvez com justiça), e mais do que a gente merece; mais coisas más do que a gente possa suportar”.
Será?!! É possível! O jurista e pensador francês Aléxis de Tocqueville, um dos luminares do pensamento sobretudo político do século XIX, explica melhor essa questão da “casualidade”, mal entendida, infelizmente, por tanta gente. Afirma: “O acaso só produz o que estava preparado anteriormente, pois os fatos precedentes, a natureza das instituições, o feitio dos espíritos, o estado dos costumes são os materiais com os quais ele produz essas viradas que nos surpreendem e atemorizam”.
Há quem creia, piamente, que cada ato nosso (sem qualquer exceção), do nascimento até a morte (inclusive a ocasião e a forma desta), cada pensamento, cada sentimento e cada reação, estão inflexivelmente determinados por um ser superior. O engraçado é que essas pessoas dizem acreditar em Deus.
Que divindade tirana é essa que faz de cada indivíduo marionete, que manipula ao seu bel prazer? Esse tipo de raciocínio chega a ser para lá de insensato, e até sacrílego. Nega a bondade e a justiça de Deus. Isenta o homem de responsabilidade pelos seus erros, desvios e inclinações para o mal, que seriam, na verdade (para quem pensa assim), o seu “destino”.
Na semana passada, uma leitora das crônicas que publico, semanalmente, em um portal internacional da internet, questionou um texto meu em que atribuo ao acaso (ou dêem o nome que quiserem ao fortuito e imprevisível) a dinâmica dos acontecimentos. Escreveu: “Querer resumir a complexidade do universo, as leis de causa e efeito, a apenas a mão do acaso, com todo o respeito, parece triste, vazio, beirando o desespero”. Afirmo o mesmo, todavia, em relação ao determinismo, ao célebre “maktub” (estava escrito), que nos sonega qualquer possibilidade de orientar nossas vidas, nos tornando joguetes de um hipotético, sumamente injusto, e cruel, “destino”.
Escreve mais a querida leitora: “Acreditar que todos acontecimentos da vida sejam por acaso, seria como acreditar que somos marionetes do nada. Que do nada viemos e para o nada tornaremos. Isso soa tão vazio, tão oco, tão desesperançado”. Retruco, no entanto, que negar que o homem seja dotado do livre arbítrio, da capacidade de escolha entre o bem e o mal e da prerrogativa de poder construir, com o próprio esforço, uma vida melhor e mais digna para si e seus filhos (e de contribuir, com importante parcela, para o avanço da civilização); atribuir todo o sofrimento e toda a maldade do mundo a um inflexível determinismo, que nada e ninguém possam mudar, isto sim é abrir mão da esperança. É negar o senso de justiça e a infinita bondade de Deus. É o cúmulo do desespero!
O novo século começou da forma como acabou o precedente. Ou seja, com guerras (em especial no Afeganistão, no Oriente Médio e no Iraque), conflitos sociais, ações terroristas (que culminariam com o bárbaro atentado de 11 de setembro de 2001, que causou a destruição das torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York e matou cerca de duas mil pessoas), gerando angústias, multiplicando sofrimentos, cristalizando injustiças e protagonizando tudo o que torna a existência tensa, dolorosa, frustrante e ameaçadora.
A esperança de surgimento de nova era, de paz e de prosperidade para a maioria, manifestada com tanto entusiasmo e euforia na virada de 1999 para 2000 (embora o novo século tenha começado, de fato, em 2001), aos poucos cede lugar à dura realidade. Está dando, portanto, a inflexível lógica.
As mudanças de comportamento e de idéias, necessárias e indispensáveis, com que todos sonhamos, não surgem, é óbvio, do nada, como num passe de mágica. Têm que ser construídas, passo a passo, por todos nós. Não, claro, por um único líder, ou um pequeno grupo deles. Por todos, indistintamente, não importa o teor e o tanto de contribuição individual que venhamos a dar E é aí que reside o problema: na diversidade dos interesses, e na mentalidade egoísta que caracteriza, em maior ou menor medida, o ser humano.
Os anseios e expectativas da atual geração sequer são originais e exclusivos. São, guardadas as diferenças de condições materiais e espirituais, os mesmos que caracterizaram as viradas dos séculos anteriores, desde os primórdios da civilização. Não se pode negar que, em alguns aspectos, a humanidade evoluiu, e muito, especialmente nos últimos 200 anos. Noutros, todavia...
Há quem atribua ao acaso, que muitos preferem chamar de “sorte”, o ritmo dos acontecimentos. Sou daqueles que não crêem em determinismo, naquilo que se convencionou chamar de “destino” e que entendem que o homem, dotado de livre arbítrio, é quem escolhe o seu caminho, para o bem, ou para o mal. Se tem oportunidades de se informar, de se instruir, de exercitar e desenvolver seus talentos, conta com grandes chances de conseguir o que quer. Certeza jamais possui. Caso contrário...suas possibilidades de êxito são sumamente restritas, para não dizer impossíveis.
O escritor norte-americano William Faulkner, no romance “Os desgarrados”, põe a seguinte afirmação na boca de um dos personagens: “Vocês talvez tenham ouvido dizer ...que a sorte é uma dama caprichosa que, ao invés de receber, dá – coisas boas ou más; mais coisas boas do que se possa acreditar (talvez com justiça), e mais do que a gente merece; mais coisas más do que a gente possa suportar”.
Será?!! É possível! O jurista e pensador francês Aléxis de Tocqueville, um dos luminares do pensamento sobretudo político do século XIX, explica melhor essa questão da “casualidade”, mal entendida, infelizmente, por tanta gente. Afirma: “O acaso só produz o que estava preparado anteriormente, pois os fatos precedentes, a natureza das instituições, o feitio dos espíritos, o estado dos costumes são os materiais com os quais ele produz essas viradas que nos surpreendem e atemorizam”.
Há quem creia, piamente, que cada ato nosso (sem qualquer exceção), do nascimento até a morte (inclusive a ocasião e a forma desta), cada pensamento, cada sentimento e cada reação, estão inflexivelmente determinados por um ser superior. O engraçado é que essas pessoas dizem acreditar em Deus.
Que divindade tirana é essa que faz de cada indivíduo marionete, que manipula ao seu bel prazer? Esse tipo de raciocínio chega a ser para lá de insensato, e até sacrílego. Nega a bondade e a justiça de Deus. Isenta o homem de responsabilidade pelos seus erros, desvios e inclinações para o mal, que seriam, na verdade (para quem pensa assim), o seu “destino”.
Na semana passada, uma leitora das crônicas que publico, semanalmente, em um portal internacional da internet, questionou um texto meu em que atribuo ao acaso (ou dêem o nome que quiserem ao fortuito e imprevisível) a dinâmica dos acontecimentos. Escreveu: “Querer resumir a complexidade do universo, as leis de causa e efeito, a apenas a mão do acaso, com todo o respeito, parece triste, vazio, beirando o desespero”. Afirmo o mesmo, todavia, em relação ao determinismo, ao célebre “maktub” (estava escrito), que nos sonega qualquer possibilidade de orientar nossas vidas, nos tornando joguetes de um hipotético, sumamente injusto, e cruel, “destino”.
Escreve mais a querida leitora: “Acreditar que todos acontecimentos da vida sejam por acaso, seria como acreditar que somos marionetes do nada. Que do nada viemos e para o nada tornaremos. Isso soa tão vazio, tão oco, tão desesperançado”. Retruco, no entanto, que negar que o homem seja dotado do livre arbítrio, da capacidade de escolha entre o bem e o mal e da prerrogativa de poder construir, com o próprio esforço, uma vida melhor e mais digna para si e seus filhos (e de contribuir, com importante parcela, para o avanço da civilização); atribuir todo o sofrimento e toda a maldade do mundo a um inflexível determinismo, que nada e ninguém possam mudar, isto sim é abrir mão da esperança. É negar o senso de justiça e a infinita bondade de Deus. É o cúmulo do desespero!
Sunday, November 18, 2007
REFLEXÃO DO DIA
Você já notou que os grandes homens, os verdadeiramente sábios, competentes e criativos, são simples em comportamentos, posturas e relacionamentos? Arrogantes e prepotentes são os que não têm talentos a mostrar e buscam, a todo o custo, iludir os outros e, pior, a si mesmos. Embora não pareça, e seja, mesmo, paradoxal, a simplicidade é muito rara e difícil de se exercer. Encerra, no entanto, princípios de verdadeira sabedoria e de nobreza. Reveste-se de profundo respeito pela vida e pelo próximo, sem se importar com seu status econômico ou social. Todas as pessoas com as quais cruzamos, por mais humildes que aparentem ser (ou de fato sejam) têm algo a nos ensinar. Merecem, pois, ser tratadas com respeito e consideração. Não por acaso, o poeta Henry Wadsworth Longfellow nos lembra: “No caráter, na conduta, no estilo, em todas as coisas, a simplicidade é a suprema virtude”. E é o distintivo dos grandes homens, eu acrescentaria.
Guerra dos sexos - Parte IV
Pedro J. Bondaczuk
(CONTINUAÇÃO)
9
Assédio sexual
O assédio sexual no trabalho ainda é muito mais comum do que se pensa, a despeito das muitas ações empreendidas pelos vários movimentos de defesa dos direitos das mulheres pelo mundo afora, na tentativa de acabar com esse intolerável abuso.
Trata-se de crime, mas que até há pouco tempo sequer era levado a sério por nenhuma autoridade, de nenhum país. Os assediadores, via de regra, quando (ou se) acusados, simplesmente negavam a coação, e isso bastava.
Alegavam que o seu comportamento era o normal de qualquer pessoa sadia, no jogo de conquista e sedução de parceiros do sexo oposto. E "convenciam". Aliás, casos dessa natureza raramente chegavam sequer às delegacias de polícia, quanto mais aos tribunais. E quando chegavam, eram tratados em tom até de galhofa. Raramente seguiam seu curso.
Muitas mulheres vêm, há tempos, passando por esse intolerável tipo de constrangimento, na maioria das vezes sem que tenham a coragem de reagir. Trabalhadoras honestas e aplicadas têm sido freqüentemente "forçadas" a ceder aos apelos eróticos de chefes, de gerentes e de patrões, para conservar os empregos ou, simplesmente, para aspirar a promoções futuras a que façam jus por sua responsabilidade, produtividade, e assiduidade. O sexo, nesses casos, tem sido usado como objeto de barganha e, pior, de coação, quando o critério único que deveria ser adotado, para progredir dentro de uma empresa, é o da competência.
Algumas vítimas de assédio "entregam os pontos". Simplesmente cedem às exigências dos superiores, por ignorância da lei e por não vislumbrarem nenhuma outra alternativa. Seus casos terminam por aí e caem logo no esquecimento. A maioria desses episódios sequer chega ao conhecimento público e não aparece em nenhuma estatística. É prontamente abafada e esquecida.
Há mulheres que resistem, que tentam lutar com seus próprios recursos, mas sem procurar as autoridades para formalizar denúncias. Agem dessa maneira por constrangimento, por temor de escândalo, por desconhecimento da lei ou somente por vergonha. E acabam perdendo.
Aceitam, passivamente, as injustas demissões com as quais são "punidas", por não terem cedido às pressões e às investidas de seus superiores hierárquicos. Ou, na melhor das hipóteses, contentam-se com um rebaixamento de cargo, desde que transferidas das seções, ou das repartições, ou dos locais em que os assediadores trabalham, para se verem livres do assédio.
Aumenta, todavia, o número daquelas que decidem lutar até o fim por seus direitos e sua dignidade e que recorrem à Justiça, exigindo exemplar punição dos infratores, quando não milionárias indenizações. E vêm tendo sucesso em seu intento. Recorrem à imprensa, quando necessário, arrolam testemunhas, apelam a todas as instâncias possíveis e conquistam o imprescindível apoio da opinião pública.
Insistentes campanhas nos veículos de comunicação e o aumento das denúncias de assédio sexual têm levado as autoridades judiciárias, em vários países, a agirem com maior rigor, pondo fim, ou pelo menos reduzindo a quantidade de casos desse comportamento covarde e traiçoeiro. E, obviamente, criminoso.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o assunto ganhou relevância e visibilidade a partir de 1991, com as corajosas acusações públicas feitas pela secretária Anita Hill, contra o juiz da Suprema Corte norte-americana Clarence Thomas. A atenção despertada por esse conflito levou mais e mais mulheres a criarem coragem e relatar casos passados e presentes, de que têm sido vítimas passivas. Demonstraram não somente maior resolução para falar, como também conquistaram um meio mais favorável para relatar suas denúncias.
Houve, nesse país, até um certo exagero nessa questão. "Cantadas" normais, que não envolviam qualquer espécie de coação, ou de ameaça, ou de chantagem, nem mesmo velada, que poderiam ser respondidas com um simples "não", passaram a ser encaradas como "crime". Foram caracterizadas, indevidamente, como assédio sexual, principalmente por aquelas que se sentiam ofendidas e injuriadas, e nunca envaidecidas, pela mera corte inocente de colegas de trabalho apaixonados (ou pelo menos interessados nelas).
Chegou-se ao cúmulo de, em 1998, um garotinho de seis anos ser expulso de uma escola primária, somente porque beijou uma coleguinha da mesma idade, que não gostou do beijo. Os pais reclamaram e o menininho foi punido exemplarmente, como "assediador sexual!"
Esse tipo de coação, muito antigo e bastante disseminado por todo o mundo, ocorre ainda com constrangedora freqüência em todos os lugares em que pessoas de sexo oposto compartilham do trabalho, sejam fábricas, escritórios, repartições públicas ou residências (no caso das domésticas), etc.
Estudo da Organização Internacional do Trabalho, envolvendo 23 países industrializados, revela, por exemplo, que de 15% a 30% das mulheres pesquisadas já foram assediadas sexualmente.
Uma, em cada doze delas, teve de abandonar seu emprego para fugir desse assédio. A pesquisa não mostra, no entanto, quantos dos infratores foram punidos e com quais punições. Pouquíssimos, provavelmente.
Cerca de 1.400 domésticas filipinas fugiram de seus patrões kuwaitianos, em 1991, e procuraram refúgio na embaixada do seu país, alegando terem sido abusadas. Não se tomou, no entanto, nenhuma providência a respeito, e o episódio acabou sendo "convenientemente" abafado, a bem da diplomacia. As moças foram recambiadas para o seu país de origem e não se falou mais nisso. Caso parecido foi relatado na Jordânia, com o mesmo tipo de providência. Ou seja, nenhuma.
Assédio sexual, envolvendo pessoas humildes, sem recursos para a contratação de bons advogados que movam processo contra os que se valem desse tipo de coação, ocorrem por toda a parte, embora não haja estatísticas confiáveis a respeito. Raras vítimas trazem seus casos à baila, na maioria das vezes para evitar escândalos ou para preservar o emprego.
Um estudo sobre domésticas estrangeiras, que trabalhavam na Grã-Bretanha, por exemplo, relata sobre trabalhadoras que deixaram as residências em que trabalhavam, por falta de pagamento. O relatório ressalta que elas não receberam os salários somente "por haverem repelido tentativas de assédio sexual dos patrões".
Mais de 65% delas tiveram os respectivos passaportes confiscados, ficando impedidas, dessa forma, de retornar aos seus países de origem. E mais de 30% denunciaram que, mesmo repelindo as propostas dos assediadores, acabaram sofrendo abusos sexuais, como estupros e carícias íntimas não consentidas. Não se sabe, todavia, de nenhum desses infratores que tivesse sido punido.
Casos como este, em geral envolvendo mulheres procedentes do Leste europeu e de países do Terceiro Mundo (inclusive do Brasil), são extremamente comuns em toda a Europa Ocidental, Estados Unidos e Japão. Sequer aparecem nas estatísticas, já que nem mesmo chegam ao conhecimento das autoridades. Muitas dessas domésticas estão em situação irregular, são clandestinas, o que as deixa muito mais expostas ainda a todo o tipo de chantagem. Inclusive a sexual.
No Brasil, o Projeto de Lei 61/99, aprovado pelo Congresso Nacional, capitula o assédio sexual como crime. Seu teor é o seguinte:
"Dispõe sobre o crime de assédio sexual e dá outras providências.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º - O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte art. 216A:
"ASSÉDIO SEXUAL":
Art. 216A - Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pena: detenção, de um ano a dois anos.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem cometer o crime:
I - prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de
hospitalidade;
II - com abuso ou violação de dever inerente a ofício ou ministério".
Art. 2º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
(CONTINUA)
(Texto do meu livro, inédito, "Guerra dos Sexos).
(CONTINUAÇÃO)
9
Assédio sexual
O assédio sexual no trabalho ainda é muito mais comum do que se pensa, a despeito das muitas ações empreendidas pelos vários movimentos de defesa dos direitos das mulheres pelo mundo afora, na tentativa de acabar com esse intolerável abuso.
Trata-se de crime, mas que até há pouco tempo sequer era levado a sério por nenhuma autoridade, de nenhum país. Os assediadores, via de regra, quando (ou se) acusados, simplesmente negavam a coação, e isso bastava.
Alegavam que o seu comportamento era o normal de qualquer pessoa sadia, no jogo de conquista e sedução de parceiros do sexo oposto. E "convenciam". Aliás, casos dessa natureza raramente chegavam sequer às delegacias de polícia, quanto mais aos tribunais. E quando chegavam, eram tratados em tom até de galhofa. Raramente seguiam seu curso.
Muitas mulheres vêm, há tempos, passando por esse intolerável tipo de constrangimento, na maioria das vezes sem que tenham a coragem de reagir. Trabalhadoras honestas e aplicadas têm sido freqüentemente "forçadas" a ceder aos apelos eróticos de chefes, de gerentes e de patrões, para conservar os empregos ou, simplesmente, para aspirar a promoções futuras a que façam jus por sua responsabilidade, produtividade, e assiduidade. O sexo, nesses casos, tem sido usado como objeto de barganha e, pior, de coação, quando o critério único que deveria ser adotado, para progredir dentro de uma empresa, é o da competência.
Algumas vítimas de assédio "entregam os pontos". Simplesmente cedem às exigências dos superiores, por ignorância da lei e por não vislumbrarem nenhuma outra alternativa. Seus casos terminam por aí e caem logo no esquecimento. A maioria desses episódios sequer chega ao conhecimento público e não aparece em nenhuma estatística. É prontamente abafada e esquecida.
Há mulheres que resistem, que tentam lutar com seus próprios recursos, mas sem procurar as autoridades para formalizar denúncias. Agem dessa maneira por constrangimento, por temor de escândalo, por desconhecimento da lei ou somente por vergonha. E acabam perdendo.
Aceitam, passivamente, as injustas demissões com as quais são "punidas", por não terem cedido às pressões e às investidas de seus superiores hierárquicos. Ou, na melhor das hipóteses, contentam-se com um rebaixamento de cargo, desde que transferidas das seções, ou das repartições, ou dos locais em que os assediadores trabalham, para se verem livres do assédio.
Aumenta, todavia, o número daquelas que decidem lutar até o fim por seus direitos e sua dignidade e que recorrem à Justiça, exigindo exemplar punição dos infratores, quando não milionárias indenizações. E vêm tendo sucesso em seu intento. Recorrem à imprensa, quando necessário, arrolam testemunhas, apelam a todas as instâncias possíveis e conquistam o imprescindível apoio da opinião pública.
Insistentes campanhas nos veículos de comunicação e o aumento das denúncias de assédio sexual têm levado as autoridades judiciárias, em vários países, a agirem com maior rigor, pondo fim, ou pelo menos reduzindo a quantidade de casos desse comportamento covarde e traiçoeiro. E, obviamente, criminoso.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o assunto ganhou relevância e visibilidade a partir de 1991, com as corajosas acusações públicas feitas pela secretária Anita Hill, contra o juiz da Suprema Corte norte-americana Clarence Thomas. A atenção despertada por esse conflito levou mais e mais mulheres a criarem coragem e relatar casos passados e presentes, de que têm sido vítimas passivas. Demonstraram não somente maior resolução para falar, como também conquistaram um meio mais favorável para relatar suas denúncias.
Houve, nesse país, até um certo exagero nessa questão. "Cantadas" normais, que não envolviam qualquer espécie de coação, ou de ameaça, ou de chantagem, nem mesmo velada, que poderiam ser respondidas com um simples "não", passaram a ser encaradas como "crime". Foram caracterizadas, indevidamente, como assédio sexual, principalmente por aquelas que se sentiam ofendidas e injuriadas, e nunca envaidecidas, pela mera corte inocente de colegas de trabalho apaixonados (ou pelo menos interessados nelas).
Chegou-se ao cúmulo de, em 1998, um garotinho de seis anos ser expulso de uma escola primária, somente porque beijou uma coleguinha da mesma idade, que não gostou do beijo. Os pais reclamaram e o menininho foi punido exemplarmente, como "assediador sexual!"
Esse tipo de coação, muito antigo e bastante disseminado por todo o mundo, ocorre ainda com constrangedora freqüência em todos os lugares em que pessoas de sexo oposto compartilham do trabalho, sejam fábricas, escritórios, repartições públicas ou residências (no caso das domésticas), etc.
Estudo da Organização Internacional do Trabalho, envolvendo 23 países industrializados, revela, por exemplo, que de 15% a 30% das mulheres pesquisadas já foram assediadas sexualmente.
Uma, em cada doze delas, teve de abandonar seu emprego para fugir desse assédio. A pesquisa não mostra, no entanto, quantos dos infratores foram punidos e com quais punições. Pouquíssimos, provavelmente.
Cerca de 1.400 domésticas filipinas fugiram de seus patrões kuwaitianos, em 1991, e procuraram refúgio na embaixada do seu país, alegando terem sido abusadas. Não se tomou, no entanto, nenhuma providência a respeito, e o episódio acabou sendo "convenientemente" abafado, a bem da diplomacia. As moças foram recambiadas para o seu país de origem e não se falou mais nisso. Caso parecido foi relatado na Jordânia, com o mesmo tipo de providência. Ou seja, nenhuma.
Assédio sexual, envolvendo pessoas humildes, sem recursos para a contratação de bons advogados que movam processo contra os que se valem desse tipo de coação, ocorrem por toda a parte, embora não haja estatísticas confiáveis a respeito. Raras vítimas trazem seus casos à baila, na maioria das vezes para evitar escândalos ou para preservar o emprego.
Um estudo sobre domésticas estrangeiras, que trabalhavam na Grã-Bretanha, por exemplo, relata sobre trabalhadoras que deixaram as residências em que trabalhavam, por falta de pagamento. O relatório ressalta que elas não receberam os salários somente "por haverem repelido tentativas de assédio sexual dos patrões".
Mais de 65% delas tiveram os respectivos passaportes confiscados, ficando impedidas, dessa forma, de retornar aos seus países de origem. E mais de 30% denunciaram que, mesmo repelindo as propostas dos assediadores, acabaram sofrendo abusos sexuais, como estupros e carícias íntimas não consentidas. Não se sabe, todavia, de nenhum desses infratores que tivesse sido punido.
Casos como este, em geral envolvendo mulheres procedentes do Leste europeu e de países do Terceiro Mundo (inclusive do Brasil), são extremamente comuns em toda a Europa Ocidental, Estados Unidos e Japão. Sequer aparecem nas estatísticas, já que nem mesmo chegam ao conhecimento das autoridades. Muitas dessas domésticas estão em situação irregular, são clandestinas, o que as deixa muito mais expostas ainda a todo o tipo de chantagem. Inclusive a sexual.
No Brasil, o Projeto de Lei 61/99, aprovado pelo Congresso Nacional, capitula o assédio sexual como crime. Seu teor é o seguinte:
"Dispõe sobre o crime de assédio sexual e dá outras providências.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º - O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte art. 216A:
"ASSÉDIO SEXUAL":
Art. 216A - Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pena: detenção, de um ano a dois anos.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem cometer o crime:
I - prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de
hospitalidade;
II - com abuso ou violação de dever inerente a ofício ou ministério".
Art. 2º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
(CONTINUA)
(Texto do meu livro, inédito, "Guerra dos Sexos).
Saturday, November 17, 2007
REFLEXÃO DO DIA
Encaramos o futuro de formas diferentes, conforme nossa personalidade, formação ou circunstâncias. Para uns, ele é nebuloso e assustador. Outros, encaram-no com indiferença, por saberem que é desconhecido. Há, no entanto, os que o aguardam com confiança e gratidão, mesmo sem ter a mínima noção do que o porvir lhes reserva. Vêem, no futuro, sem-número de oportunidades e se preparam para aproveitar cada uma delas. Claro que essa postura não é garantia para o sucesso. Ninguém tem certeza de como será seu amanhã, se feliz ou tormentoso. O que importa é a postura. Uma atitude de confiança valoriza e multiplica as eventuais alegrias que o porvir nos reserva e previne e atenua as tristezas e sofrimentos. Victor Hugo constata, com grande pertinência: “O futuro tem muitos nomes: para os fracos, ele é inatingível; para os temerosos, ele é desconhecido; para os corajosos, ele é chance”. Encaremo-lo como magnífica oportunidade que a vida nos dá.
Nas garras da ilusão
Pedro J. Bondaczuk
Misterioso pó das estrelas,
fortuita combinação de aminoácidos,
solitário cigano do cosmos,
junco de contradições e circunstâncias.
Cobaia fértil, que se multiplica
mais e mais, com estonteante velocidade,
encerrada em minúscula esfera azul
da qual busca, em vão, se evadir.
Este é o homem, atado, na caverna de Platão,
que vislumbra sombras (entende-as reais).
Ilusão! Tudo, tudo no mundo é ilusão,
fantasias, desejos, sonhos e nada mais.
Sonha ser eterno e indestrutível,
julga-se todo-poderoso e forte,
oscila do sublime ao terrível,
mas é impotente e frágil face à morte.
Num simulacro de comunicação,
cria metáforas, símbolos, alegoria,
mas o resultado é a imensa solidão
e esta realidade atroz, banal e fria.
Grandeza! Busco, com afã, grandeza!
Caminhos, verdades, racional explicação.
Crio, com palavras, arremedos de beleza.
Tentativa vã! Mentiras! É mera ilusão!
(Poema composto em São Caetano do Sul, em 17 de fevereiro de 1964).
Misterioso pó das estrelas,
fortuita combinação de aminoácidos,
solitário cigano do cosmos,
junco de contradições e circunstâncias.
Cobaia fértil, que se multiplica
mais e mais, com estonteante velocidade,
encerrada em minúscula esfera azul
da qual busca, em vão, se evadir.
Este é o homem, atado, na caverna de Platão,
que vislumbra sombras (entende-as reais).
Ilusão! Tudo, tudo no mundo é ilusão,
fantasias, desejos, sonhos e nada mais.
Sonha ser eterno e indestrutível,
julga-se todo-poderoso e forte,
oscila do sublime ao terrível,
mas é impotente e frágil face à morte.
Num simulacro de comunicação,
cria metáforas, símbolos, alegoria,
mas o resultado é a imensa solidão
e esta realidade atroz, banal e fria.
Grandeza! Busco, com afã, grandeza!
Caminhos, verdades, racional explicação.
Crio, com palavras, arremedos de beleza.
Tentativa vã! Mentiras! É mera ilusão!
(Poema composto em São Caetano do Sul, em 17 de fevereiro de 1964).
Friday, November 16, 2007
REFLEXÃO DO DIA
Uma das nossas deficiências mais comuns é a de não termos, em cada momento da vida, o indispensável senso de proporção e de moderação. Somos uns exagerados! Exageramos na comida, na bebida, nas paixões, nos relacionamentos e vai por aí afora. O mais grave é que esses exageros, quase sempre, são dos tais que nos prejudicam e trazem inúmeros (e desnecessários) sofrimentos. Já que é para exagerar, por que não exagerarmos, por exemplo, no amor, na bondade, na cordialidade, nas amizades e em todas as demais virtudes? Por que não usufruir um exagero de felicidade? Ou por influência do meio, ou por deficiência de educação, ou por causa da nossa personalidade, exageramos no que nunca deveríamos exagerar. É de Anatole France esta constatação: “Se exagerássemos nossas alegrias, como fazemos com nossos sofrimentos, nossos problemas perderiam importância”. Por que não agir assim? É muito mais fácil do que pensamos e infinitamente mais compensador.
A vez é dos bentevis
Pedro J. Bondaczuk
As andorinhas deixaram Campinas, há cerca de meio século – conforme tratei em recente crônica – para nunca mais voltar, mas ficaram os pardais, sabiás e bentevis. Dos primeiros nem quero tratar, pois existem em praticamente todas as cidades do mundo e não apresentam nenhum atrativo especial, a não ser a sua quantidade. São tantos, que emprestam seu nome à gíria da moeda de menor valor entre nós, as cédulas de R$ 1. Aliás, nos tempos do velho e quase inútil cruzeiro, principalmente naquele período de hiperinflação galopante no País (de triste memória, por sinal) essa designação caía até melhor.
Quanto aos sabiás... Bem, talvez trate deles numa outra ocasião. Hoje, proponho-me a abordar uma ave que há, em Campinas, em relativa profusão e desde antes do primeiro homem haver posto os pés por aqui, quando estas paragens eram conhecidas como Mato Grosso de Jundiaí, por suas características de mata fechada, com grande quantidade de árvores gigantescas, em especial o jequitibá. Hoje, desse espécime nativo resta um único e solitário “herói da resistência”, em frente ao Paço Municipal. Havia, não faz muito, dois, mas um deles não resistiu à inclemência do tempo e foi posto a pique por um vendaval, num desses temporais que vira e mexe se abatem, subitamente, sobre a cidade. A ave a que me refiro (e o leitor inteligente já percebeu) é o bentevi (conhecido como kiskadi em Portugal).
Nas árvores, em frente à minha casa, no bairro Jardim Chapadão (exata divisa com o Castelo), há vários ninhos desses pássaros que me acordam todas as manhãs com seus cantos estridentes, como que saudando a alvorada. Acostumei-me com eles e sinto uma falta incrível dos mesmos quando viajo e não os ouço nos hotéis em que me hospedo nas cidades pelo Brasil afora. Já fazem parte da minha rotina diária. Incorporaram-se, definitivamente, na minha vida.
Gosto dos bentevis e por uma série de motivos. Um deles, por exemplo, é o seu aspecto, o seu jeito, a sua plumagem. São bonitos na sua coloração amarela viva (no ventre, com uma listra branca no alto da cabeça). Aliás, parte do seu nome científico (Pitangus Sulphuratus) deve-se exatamente a essa cor. Sulphuratus, em latim, quer dizer enxofre. E este, qualquer criança sabe, é amarelo. Os índios chamavam esse pássaro de “Pitangaguassu” (pitanga grande). Realmente, ele guarda alguma remota semelhança com essa fruta, tão deliciosa, e que me desperta tantas lembranças da infância.
Na Argentina, o nome pelo qual é conhecido não condiz nada, nada, com seu porte. Ali é chamado de “Bichofeo”. Que injustiça! Acho, como já declarei, o bentevi belíssimo! Mas é uma questão de gosto que, afinal, não se discute. Os bolivianos chamam-no de “Frio”, apesar do calor que parece emanar, quer no porte, na plumagem, quer no seu canto, apressado e nervoso. Mas o nome é o que menos importa.
Outra característica do bentevi que me fascina é a sua fidelidade. Os ornitólogos dizem (e quem sou eu para contestar os especialistas?) que se trata de uma ave monogâmica. O casal, depois de se conhecer, fica junto por toda a vida. Macho e fêmea compartilham as responsabilidades e constroem, juntos, o ninho, com capim e pequenas ramas de vegetais, em galhos de árvores geralmente bem-cerradas. É muito comum, todavia, vê-los em cavidades de postes. Afinal, há tempos que já se adaptaram às cidades, em convivência pacífica com os homens (alguns) e se tornaram pássaros urbanos.
Uma terceira característica que me agrada nos bentevis é a sua coragem. Após a fêmea postar os ovos, o casal defende, com vigor, o território ao redor do ninho, podendo ser agressivo com outras aves, ou até mesmo com animais (como os gatos) caso se sintam ameaçados. Por essa razão, os ornitólogos classificam-nos na família dos tiranídeos (de tirano).
Com apenas 24 centímetros de comprimento, é comum ver-se os valentes e ousados bentevis dando rasantes em aves de rapina muito maiores do que eles, principalmente em gaviões, caso ousem invadir o seu território. E quase sempre, põem os invasores para correr, a poder de certeiras bicadas. Êta avezinha corajosa!
Andorinhas?! Para quê os campineiros as quereriam?! Afinal, não foram elas que se mostraram infiéis e nos abandonaram, provavelmente para sempre?! Que fiquem onde escolheram viver! Salve, isso sim, os fidelíssimos bentevis, que nos acordam cedo, cedíssimo, para esta aventura, não raro inglória, da sobrevivência!!!
As andorinhas deixaram Campinas, há cerca de meio século – conforme tratei em recente crônica – para nunca mais voltar, mas ficaram os pardais, sabiás e bentevis. Dos primeiros nem quero tratar, pois existem em praticamente todas as cidades do mundo e não apresentam nenhum atrativo especial, a não ser a sua quantidade. São tantos, que emprestam seu nome à gíria da moeda de menor valor entre nós, as cédulas de R$ 1. Aliás, nos tempos do velho e quase inútil cruzeiro, principalmente naquele período de hiperinflação galopante no País (de triste memória, por sinal) essa designação caía até melhor.
Quanto aos sabiás... Bem, talvez trate deles numa outra ocasião. Hoje, proponho-me a abordar uma ave que há, em Campinas, em relativa profusão e desde antes do primeiro homem haver posto os pés por aqui, quando estas paragens eram conhecidas como Mato Grosso de Jundiaí, por suas características de mata fechada, com grande quantidade de árvores gigantescas, em especial o jequitibá. Hoje, desse espécime nativo resta um único e solitário “herói da resistência”, em frente ao Paço Municipal. Havia, não faz muito, dois, mas um deles não resistiu à inclemência do tempo e foi posto a pique por um vendaval, num desses temporais que vira e mexe se abatem, subitamente, sobre a cidade. A ave a que me refiro (e o leitor inteligente já percebeu) é o bentevi (conhecido como kiskadi em Portugal).
Nas árvores, em frente à minha casa, no bairro Jardim Chapadão (exata divisa com o Castelo), há vários ninhos desses pássaros que me acordam todas as manhãs com seus cantos estridentes, como que saudando a alvorada. Acostumei-me com eles e sinto uma falta incrível dos mesmos quando viajo e não os ouço nos hotéis em que me hospedo nas cidades pelo Brasil afora. Já fazem parte da minha rotina diária. Incorporaram-se, definitivamente, na minha vida.
Gosto dos bentevis e por uma série de motivos. Um deles, por exemplo, é o seu aspecto, o seu jeito, a sua plumagem. São bonitos na sua coloração amarela viva (no ventre, com uma listra branca no alto da cabeça). Aliás, parte do seu nome científico (Pitangus Sulphuratus) deve-se exatamente a essa cor. Sulphuratus, em latim, quer dizer enxofre. E este, qualquer criança sabe, é amarelo. Os índios chamavam esse pássaro de “Pitangaguassu” (pitanga grande). Realmente, ele guarda alguma remota semelhança com essa fruta, tão deliciosa, e que me desperta tantas lembranças da infância.
Na Argentina, o nome pelo qual é conhecido não condiz nada, nada, com seu porte. Ali é chamado de “Bichofeo”. Que injustiça! Acho, como já declarei, o bentevi belíssimo! Mas é uma questão de gosto que, afinal, não se discute. Os bolivianos chamam-no de “Frio”, apesar do calor que parece emanar, quer no porte, na plumagem, quer no seu canto, apressado e nervoso. Mas o nome é o que menos importa.
Outra característica do bentevi que me fascina é a sua fidelidade. Os ornitólogos dizem (e quem sou eu para contestar os especialistas?) que se trata de uma ave monogâmica. O casal, depois de se conhecer, fica junto por toda a vida. Macho e fêmea compartilham as responsabilidades e constroem, juntos, o ninho, com capim e pequenas ramas de vegetais, em galhos de árvores geralmente bem-cerradas. É muito comum, todavia, vê-los em cavidades de postes. Afinal, há tempos que já se adaptaram às cidades, em convivência pacífica com os homens (alguns) e se tornaram pássaros urbanos.
Uma terceira característica que me agrada nos bentevis é a sua coragem. Após a fêmea postar os ovos, o casal defende, com vigor, o território ao redor do ninho, podendo ser agressivo com outras aves, ou até mesmo com animais (como os gatos) caso se sintam ameaçados. Por essa razão, os ornitólogos classificam-nos na família dos tiranídeos (de tirano).
Com apenas 24 centímetros de comprimento, é comum ver-se os valentes e ousados bentevis dando rasantes em aves de rapina muito maiores do que eles, principalmente em gaviões, caso ousem invadir o seu território. E quase sempre, põem os invasores para correr, a poder de certeiras bicadas. Êta avezinha corajosa!
Andorinhas?! Para quê os campineiros as quereriam?! Afinal, não foram elas que se mostraram infiéis e nos abandonaram, provavelmente para sempre?! Que fiquem onde escolheram viver! Salve, isso sim, os fidelíssimos bentevis, que nos acordam cedo, cedíssimo, para esta aventura, não raro inglória, da sobrevivência!!!
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