Pedro J. Bondaczuk
As pessoas que se julgam extremamente racionais agem como se o animal humano fosse um robô, capaz de ser programado para reagir aos estímulos com atitudes absolutamente lógicas e controladas. Os indivíduos até que são treinados para isso, mediante o processo que se convencionou chamar de “educação”. Acabam, no entanto, traídos por suas emoções.
Daí o conjunto de normas morais e de leis existentes no mundo ter sido impotente para acabar, ou sequer reduzir, a criminalidade, por exemplo. Pelo contrário. Apesar das punições serem cada vez mais severas, culminando com a pena de morte, os delitos crescem, por uma série de causas, entre as quais a impossibilidade de completo controle sobre as paixões.
Temos componente animal que está acima da nossa vontade. Alguns conseguem dissimulá-la, escondê-la, mantê-la sob vigilância. Mas ela sempre estará lá, no fundo da consciência, ou, mais propriamente, da inconsciência. Em determinado momento, essa bomba-relógio pode explodir, à nossa revelia e ou causar estragos irreparáveis, se for uma compulsão para a violência e ódio, ou determinar magníficas criações, obras-primas de causar espanto e inveja, caso seja positiva.
Dia desses um leitor criticou-me duramente porque defendi, numa crônica, que em tudo o que fizermos, devemos colocar paixão, e não somente razão. Argumentou que estas são “sempre” destrutivas e perigosas, conclusão a que chegou não sei por qual caminho e baseado no quê. Sua argumentação foi muito pobre, diria, até mesmo infantil.
O último livro do laureado escritor mexicano Octávio Paz (ganhador de um Prêmio Nobel de Literatura) – escrito praticamente no hospital, pouco antes da sua morte em abril de 1998 – foi exatamente sobre esse tema. Ou seja, trata-se de uma espécie de “radiografia das paixões”.
O título dessa obra, em espanhol, é “Um más allá Erótico: Sade”. Não sei como foi traduzida em sua edição em português (lançada no Brasil no segundo semestre de 1999 pela Editora Siciliano). Li-a no original, o que faço sempre que posso (quando conheço o idioma em que o autor escreveu), pois entendo que isso me possibilita valorizar determinadas nuances que, às vezes, o tradutor não capta e deixa escapar.
Em certo trecho do livro, Octávio Paz escreve: “Não sabemos nada sobre nossas paixões, exceto que elas nasceram conosco. Nossos órgãos as criam, mudam com as mudanças desses mesmos órgãos e morre com eles”. “Ah, mas determinadas paixões são anormais!”, dirão alguns, com ares doutos, como quem descobriu a pólvora. Ao que o escritor mexicano rebateria: “A natureza é singular, é uma fonte inexaurível de fenômenos. A normalidade é uma convenção social, não um fato da natureza. Uma convenção que muda com o passar dos séculos, dos climas, das raças, das civilizações”.
É comum ouvir-se por aí, ou se ler em livros, artigos e crônicas, que as paixões cegam as pessoas e as impedem de conquistar o que mais desejam, por falta de clarividência. Trata-se de mera generalização. Depende de qual tipo de paixão esses pseudo-especialistas se referem. As negativas, como ódio, cobiça e inveja, de fato têm a característica de ofuscar a visão dos que são possuídos por elas. Já no caso do amor (por uma pessoa, ideal ou causa), porém, ocorre o contrário.
As pessoas apaixonadas adquirem mais clarividência e enxergam melhor do que as que não amam. Nenhuma obra se aproxima da perfeição e adquire real valor se, na sua consecução, não houver forte dose de paixão. Claro que essa chama, esse entusiasmo, essa fúria de concretizar o que existe só em nossa mente tem que ser “temperada” com outros ingredientes, como razão, prudência e bom-senso. Ela, em si, em seu estado natural, é selvagem e muitas vezes incontrolável. Tende a alucinar quem não sabe dosar sua intensidade. Mas sem paixão, nenhuma das nossas obras parecerá, aos mais atentos (e, de fato, não o será), com alma, verdade e autenticidade. Mesmo que perfeita, na forma e na concepção, soará falsa, artificial e sem vida.
Por isso nunca canso de afirmar, de reiterar e de enfatizar que devemos pôr paixão em tudo o que fizermos, não importa o tamanho e a relevância da tarefa. Temos que ser, sobretudo, apaixonados pela vida e viver cada segundo com máxima intensidade e vigor. Somente assim conseguiremos explorar adequadamente nosso potencial, que é muito maior do que podemos imaginar.
Devemos colocar paixão em todos os nossos afazeres, quer se trate da administração de um lar, de um relacionamento afetivo, do cultivo de um jardim, da partilha de uma amizade ou de um amor, da confecção de algum objeto ou da composição de uma sinfonia ou epopéia. Nada é pequeno para quem tem grandeza de alma, para quem encara a vida como deve ser sempre encarada – com deleite e encantamento – e que põe chispas pelos olhos nos momentos de ação.
É equívoco comum considerar, porém, que se apaixonar é o mesmo que amar. A paixão pode ser (e em geral é) um princípio de amor, mas não é o próprio. É mera fagulha que, se não tiver combustível que a alimente, para que se transforme em chama, não passará de centelha que se consumirá.
O amor requer cuidado e atenção constantes e, ainda assim, dada sua fragilidade, nunca há certeza de que irá prosperar. Mas enquanto dura... Ah!, é o paraíso na terra! Por isso, valem a pena os esforços para que jamais venha a enfraquecer. Ainda assim, como flor perfumada, deixará, por muito tempo, embriagadora fragrância impregnada em nossa vida.
O tema é bastante complexo e, certamente, voltarei a abordá-lo com mais detalhes oportunamente. Por enquanto, deixo apenas ao leitor, como tema de meditação, esta conclusão de Octávio Paz: “Mais poderosas do que nosso caráter, nossos hábitos, ou nossas idéias, elas (as paixões) não são nossas: nós não as possuímos, elas nos possuem. Há alguma coisa mais antiga do que nós e que nos determina gostos, aberrações e caprichos. Têm sua origem comum na natureza”. E nós não passamos de “filhos da natureza” (ou de “Deus”, como queiram).
As pessoas que se julgam extremamente racionais agem como se o animal humano fosse um robô, capaz de ser programado para reagir aos estímulos com atitudes absolutamente lógicas e controladas. Os indivíduos até que são treinados para isso, mediante o processo que se convencionou chamar de “educação”. Acabam, no entanto, traídos por suas emoções.
Daí o conjunto de normas morais e de leis existentes no mundo ter sido impotente para acabar, ou sequer reduzir, a criminalidade, por exemplo. Pelo contrário. Apesar das punições serem cada vez mais severas, culminando com a pena de morte, os delitos crescem, por uma série de causas, entre as quais a impossibilidade de completo controle sobre as paixões.
Temos componente animal que está acima da nossa vontade. Alguns conseguem dissimulá-la, escondê-la, mantê-la sob vigilância. Mas ela sempre estará lá, no fundo da consciência, ou, mais propriamente, da inconsciência. Em determinado momento, essa bomba-relógio pode explodir, à nossa revelia e ou causar estragos irreparáveis, se for uma compulsão para a violência e ódio, ou determinar magníficas criações, obras-primas de causar espanto e inveja, caso seja positiva.
Dia desses um leitor criticou-me duramente porque defendi, numa crônica, que em tudo o que fizermos, devemos colocar paixão, e não somente razão. Argumentou que estas são “sempre” destrutivas e perigosas, conclusão a que chegou não sei por qual caminho e baseado no quê. Sua argumentação foi muito pobre, diria, até mesmo infantil.
O último livro do laureado escritor mexicano Octávio Paz (ganhador de um Prêmio Nobel de Literatura) – escrito praticamente no hospital, pouco antes da sua morte em abril de 1998 – foi exatamente sobre esse tema. Ou seja, trata-se de uma espécie de “radiografia das paixões”.
O título dessa obra, em espanhol, é “Um más allá Erótico: Sade”. Não sei como foi traduzida em sua edição em português (lançada no Brasil no segundo semestre de 1999 pela Editora Siciliano). Li-a no original, o que faço sempre que posso (quando conheço o idioma em que o autor escreveu), pois entendo que isso me possibilita valorizar determinadas nuances que, às vezes, o tradutor não capta e deixa escapar.
Em certo trecho do livro, Octávio Paz escreve: “Não sabemos nada sobre nossas paixões, exceto que elas nasceram conosco. Nossos órgãos as criam, mudam com as mudanças desses mesmos órgãos e morre com eles”. “Ah, mas determinadas paixões são anormais!”, dirão alguns, com ares doutos, como quem descobriu a pólvora. Ao que o escritor mexicano rebateria: “A natureza é singular, é uma fonte inexaurível de fenômenos. A normalidade é uma convenção social, não um fato da natureza. Uma convenção que muda com o passar dos séculos, dos climas, das raças, das civilizações”.
É comum ouvir-se por aí, ou se ler em livros, artigos e crônicas, que as paixões cegam as pessoas e as impedem de conquistar o que mais desejam, por falta de clarividência. Trata-se de mera generalização. Depende de qual tipo de paixão esses pseudo-especialistas se referem. As negativas, como ódio, cobiça e inveja, de fato têm a característica de ofuscar a visão dos que são possuídos por elas. Já no caso do amor (por uma pessoa, ideal ou causa), porém, ocorre o contrário.
As pessoas apaixonadas adquirem mais clarividência e enxergam melhor do que as que não amam. Nenhuma obra se aproxima da perfeição e adquire real valor se, na sua consecução, não houver forte dose de paixão. Claro que essa chama, esse entusiasmo, essa fúria de concretizar o que existe só em nossa mente tem que ser “temperada” com outros ingredientes, como razão, prudência e bom-senso. Ela, em si, em seu estado natural, é selvagem e muitas vezes incontrolável. Tende a alucinar quem não sabe dosar sua intensidade. Mas sem paixão, nenhuma das nossas obras parecerá, aos mais atentos (e, de fato, não o será), com alma, verdade e autenticidade. Mesmo que perfeita, na forma e na concepção, soará falsa, artificial e sem vida.
Por isso nunca canso de afirmar, de reiterar e de enfatizar que devemos pôr paixão em tudo o que fizermos, não importa o tamanho e a relevância da tarefa. Temos que ser, sobretudo, apaixonados pela vida e viver cada segundo com máxima intensidade e vigor. Somente assim conseguiremos explorar adequadamente nosso potencial, que é muito maior do que podemos imaginar.
Devemos colocar paixão em todos os nossos afazeres, quer se trate da administração de um lar, de um relacionamento afetivo, do cultivo de um jardim, da partilha de uma amizade ou de um amor, da confecção de algum objeto ou da composição de uma sinfonia ou epopéia. Nada é pequeno para quem tem grandeza de alma, para quem encara a vida como deve ser sempre encarada – com deleite e encantamento – e que põe chispas pelos olhos nos momentos de ação.
É equívoco comum considerar, porém, que se apaixonar é o mesmo que amar. A paixão pode ser (e em geral é) um princípio de amor, mas não é o próprio. É mera fagulha que, se não tiver combustível que a alimente, para que se transforme em chama, não passará de centelha que se consumirá.
O amor requer cuidado e atenção constantes e, ainda assim, dada sua fragilidade, nunca há certeza de que irá prosperar. Mas enquanto dura... Ah!, é o paraíso na terra! Por isso, valem a pena os esforços para que jamais venha a enfraquecer. Ainda assim, como flor perfumada, deixará, por muito tempo, embriagadora fragrância impregnada em nossa vida.
O tema é bastante complexo e, certamente, voltarei a abordá-lo com mais detalhes oportunamente. Por enquanto, deixo apenas ao leitor, como tema de meditação, esta conclusão de Octávio Paz: “Mais poderosas do que nosso caráter, nossos hábitos, ou nossas idéias, elas (as paixões) não são nossas: nós não as possuímos, elas nos possuem. Há alguma coisa mais antiga do que nós e que nos determina gostos, aberrações e caprichos. Têm sua origem comum na natureza”. E nós não passamos de “filhos da natureza” (ou de “Deus”, como queiram).
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