Monday, March 10, 2008

Ladrões do tempo


Pedro J. Bondaczuk

O tempo, apesar de se tratar do óbvio – já escrevi milhares de vezes e continuarei a repetir sempre que tiver oportunidade – é o nosso maior capital na estruturação de nossas vidas. Quando crianças, parece não passar, face à nossa incontida ânsia de nos tornarmos adultos logo e fazer aquilo que achamos que podemos e que nossos tutores (pais, tios, avós e mestres) nos impedem, por ser perigoso, ou inconveniente, ou imoral.
Quando menos esperamos, contudo, eis que os dias, os meses e os anos passam. E a velocidade do tempo nos surpreende com suas asas ligeiras como o pensamento. Da adolescência para a maturidade, é só um passo. E dessa para a velhice, é quase que mero piscar de olhos (pelo menos é o que nos parece).
De repente, atônitos, constatamos que o tempo passou e que não percebemos sua passagem. Agimos como a Carolina da canção composta por Chico Buarque. Achamo-la tola, mas fazemos exatamente o que ela fez. “O tempo passou na janela”, esgueirando-se, sorrateiro, mas não o “vimos”. Pior, desperdiçamo-lo, como se fôssemos viver uma eternidade. Claro que não vivemos.
Os colegas da infância são substituídos por mulher e filhos. No lugar dos mestres, temos que nos haver com chefes no trabalho. Mesmo que ocupemos cargos de chefia, temos que prestar contas a superiores hierárquicos. A menos, é verdade, que sejamos nossos próprios patrões. Isso, porém, não refresca nada, porquanto sempre precisamos nos reportar a alguém: a autoridades, por exemplo, e a fiscais de todos os tipos, que nos cobram o cumprimento de múltiplas obrigações tributárias. E vai por aí afora.
Mas o tempo, como cantava Cazuza, “não pára”. Segue a “passar na janela”, sem que o vejamos ou façamos qualquer esforço para o ver. Quando nos damos conta... chega a velhice. É a hora da verdade, da aposentadoria, do ceder lugar a outra geração e do balanço do que fomos, somos, fizemos ou deixamos de fazer. Alguns (poucos) têm bons frutos a colher. Outros (a maioria) percebem que pouco ou nada fizeram. Mas já é tarde...
O padre Antônio Vieira constatou e cobrou, em seu “Sermão da Primeira Dominga do Advento”, pregado na Capela Real de Lisboa em 1650: “Ah, omissões, ah, vagares, ladrões do tempo! Não haverá uma justiça exemplar para estes ladrões? Não haverá quem enforque estes ladrões do tempo, estes salteadores da ocasião, estes destruidores da república?”.
Respondendo ao sábio sacerdote: “Não, não há!”. Não existe nenhuma punição para os ladrões do tempo. Arcamos sozinhos com os ônus da nossa leniência, da nossa preguiça, da nossa prodigalidade ou da mera ingenuidade. Só nos resta lamentar, sem que ninguém nos ouça ou manifeste o menor laivo de compreensão.
É então que nos lembramos das horas e horas que desperdiçamos, por exemplo, em engarrafamentos de trânsito, por meses, anos, décadas até. Poderíamos, nesse ínterim, ter construído obras; composto músicas, poemas ou telas; salvado alguma vida; lido algum bom livro; feito algum curso etc. Em vez disso, acumulamos estresse e irritação que só nos desgastaram e fizeram infelizes. “Não haverá quem enforque estes ladrões do tempo, estes salteadores da ocasião, estes destruidores da república?”. Infelizmente, não!
Lembramos, também, das tantas e tantas conversas inúteis, que nada nos acrescentaram, com pessoas que sequer apreciávamos. Vem-nos à memória o tempo perdido com programas de televisão chatos, sonolentos, banais, que assistimos por acharmos que não tínhamos nada de melhor para fazer. Tínhamos, é claro. Pensamos nas horas e mais horas que ficamos em filas de bancos ou em repartições públicas, à espera que algum burocrata sisudo, chato e mal-humorado nos atendesse. E computamos inúmeras outras situações em que não vivemos, mas nos limitamos a vegetar, por culpa de terceiros.
“Não haverá quem enforque estes ladrões do tempo, estes salteadores da ocasião, estes destruidores da república?”. Infelizmente, não! É certo que o prejuízo não é somente nosso, mas da nossa família, da comunidade que integramos, do nosso país, da humanidade. Isso, porém, não nos serve de consolo. Pelo contrário, agrava o prejuízo. E, ademais, quem está fazendo o balanço somos nós.
E vêm-nos à memória nossas estúpidas omissões; não uma, mas cinco, dez, cem, mil, milhões delas. Foram momentos em que tínhamos a oportunidade de fazer alguma coisa útil, mas, por preguiça, adiamos sine die sua execução. Em vez disso, perdemos um tempão com o umbigo colado no balcão de algum bar, ouvindo e dizendo abobrinhas e imbecilidade, quando não, altercando com alguém, movidos a vapores etílicos.
“Não haverá quem enforque estes ladrões do tempo, estes salteadores da ocasião, estes destruidores da república?”. Infelizmente, não! “Não haverá quem nos enforque?”. Neste caso, sim. E o carrasco será mais de um. Será, por exemplo, a frustração do fracasso ou, pelo menos de um sucesso limitado. Será a dificuldade financeira, numa época em que não temos mais força suficiente para reagir, por não termos nos prevenido quando poderíamos fazer isso. Será a vergonha de termos jogado no lixo nosso talento e sufocado nosso potencial. E muitos e muitos outros carrascos se apresentarão, ávidos por nos enforcarem.
E como evitar tudo isso? Trabalhando de sol a sol, obsessivamente, fazendo do trabalho um vício, sem descanso ou lazer e sem sequer gozar a vida? Sendo avaros e mesquinhos, amealhando e guardando tostão a tostão, sendo empedernidos usurários, nos privando dos prazeres acessíveis e sadios? Não! Decididamente, não! A melhor forma de cautela, de precaução, de salvaguarda que podemos e devemos adotar é a de fugir dos ladrões do tempo. Claro, isso se e quando for possível. Na maior parte dos casos, porém, convenhamos: é!!!

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