Violência institucionalizada
Pedro J. Bondaczuk
O populoso, paupérrimo e violento Bangladesh, desacostumado às práticas democráticas, teve, ontem, eleições gerais para a escolha de vereadores e de prefeitos de cerca de 4.500 municípios, num total de 44 mil cargos em disputa. Todavia, ao invés da consulta às urnas ser uma festa nacional, como seria de se esperar, transformou-se num dia de tragédia, como aliás parece ser a característica principal dos bengalis.
Tudo ali tem aspecto trágico, doloroso, violento. Sua independência foi conseguida graças a uma sangrenta guerra e só foi obtida graças à intervenção indiana. Seu território é devastado, periodicamente, por monumentais enchentes e catastróficos tufões.
A cheia de agosto de 1984, por exemplo, matou um milhão e cento e sessenta pessoas! É como se uma calamidade se abatesse sobre uma povoação do porte de Campinas e extinguisse a vida da totalidade dos seus habitantes!
Em maio do ano seguinte, um furacão (que na Ásia é chamado de “tufão”) fez mais 25 mil vítimas fatais. As duas catástrofes (com espaço inferior a um ano) reunidas deixaram 35,3 milhões de bengalis sem casa. Trágico, não é verdade?!
Não menos dolorosa, contudo, foi a manifestação de violência registrada nas eleições de ontem, a ponto das forças de segurança do país terem sido impotentes para conter as arruaças populares, que deixaram um número estimado de mais de cem mortos e cerca de 1 mil feridos. O país parece Ter caído na mais completa anarquia.
Ademais, a oposição quer a cabeça do atual presidente, Mohammed Ershad, que tomou o poder, através de um golpe de Estado, e foi confirmado no cargo através de um controvertido plebiscito, que os líderes oposicionistas juram que foi fraudulento.
Desde meados do ano passado, Bangladesh, cuja população ascende a 104 milhões de habitantes, mas que possui uma renda per capita anual das mais irrisórias do mundo, de US$ 121, vive um clima de insurreição. Várias marchas foram efetuadas sobre a capital, para depor o governo, contidas a ferro e fogo pelos militares.
Greves sucedem-se, quase que diariamente, com idêntico objetivo. Por isso, era esperado que as eleições de ontem não tivessem clima de festa. Ademais, a campanha já havia redundado em, no mínimo, 200 mortes.
O que pode acontecer, doravante, é imprevisível. Depende muito do grau de apoio de Ershad dentro das Forças Armadas. Se estas estiverem coesas em torno do presidente, provavelmente os partidos políticos serão dissolvidos e será implantada a lei marcial no país. Afinal, isso já é uma rotina em Bangladesh.
Caso seu respaldo não seja dos maiores, porém, dificilmente esse general terá outro destino que não o dos demais presidentes que o antecederam: o exílio ou a saída do palácio presidencial dentro de um caixão de defunto.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 11 de fevereiro de 1988).
Pedro J. Bondaczuk
O populoso, paupérrimo e violento Bangladesh, desacostumado às práticas democráticas, teve, ontem, eleições gerais para a escolha de vereadores e de prefeitos de cerca de 4.500 municípios, num total de 44 mil cargos em disputa. Todavia, ao invés da consulta às urnas ser uma festa nacional, como seria de se esperar, transformou-se num dia de tragédia, como aliás parece ser a característica principal dos bengalis.
Tudo ali tem aspecto trágico, doloroso, violento. Sua independência foi conseguida graças a uma sangrenta guerra e só foi obtida graças à intervenção indiana. Seu território é devastado, periodicamente, por monumentais enchentes e catastróficos tufões.
A cheia de agosto de 1984, por exemplo, matou um milhão e cento e sessenta pessoas! É como se uma calamidade se abatesse sobre uma povoação do porte de Campinas e extinguisse a vida da totalidade dos seus habitantes!
Em maio do ano seguinte, um furacão (que na Ásia é chamado de “tufão”) fez mais 25 mil vítimas fatais. As duas catástrofes (com espaço inferior a um ano) reunidas deixaram 35,3 milhões de bengalis sem casa. Trágico, não é verdade?!
Não menos dolorosa, contudo, foi a manifestação de violência registrada nas eleições de ontem, a ponto das forças de segurança do país terem sido impotentes para conter as arruaças populares, que deixaram um número estimado de mais de cem mortos e cerca de 1 mil feridos. O país parece Ter caído na mais completa anarquia.
Ademais, a oposição quer a cabeça do atual presidente, Mohammed Ershad, que tomou o poder, através de um golpe de Estado, e foi confirmado no cargo através de um controvertido plebiscito, que os líderes oposicionistas juram que foi fraudulento.
Desde meados do ano passado, Bangladesh, cuja população ascende a 104 milhões de habitantes, mas que possui uma renda per capita anual das mais irrisórias do mundo, de US$ 121, vive um clima de insurreição. Várias marchas foram efetuadas sobre a capital, para depor o governo, contidas a ferro e fogo pelos militares.
Greves sucedem-se, quase que diariamente, com idêntico objetivo. Por isso, era esperado que as eleições de ontem não tivessem clima de festa. Ademais, a campanha já havia redundado em, no mínimo, 200 mortes.
O que pode acontecer, doravante, é imprevisível. Depende muito do grau de apoio de Ershad dentro das Forças Armadas. Se estas estiverem coesas em torno do presidente, provavelmente os partidos políticos serão dissolvidos e será implantada a lei marcial no país. Afinal, isso já é uma rotina em Bangladesh.
Caso seu respaldo não seja dos maiores, porém, dificilmente esse general terá outro destino que não o dos demais presidentes que o antecederam: o exílio ou a saída do palácio presidencial dentro de um caixão de defunto.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 11 de fevereiro de 1988).
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