Democracia perde outro "round"
Pedro J. Bondaczuk
A Argélia, país produtor de petróleo do Norte da África, relativamente populoso, com seus 20,8 milhões de habitantes, está perdendo, em virtude do radicalismo político que marcou os primeiros dias da campanha eleitoral, uma oportunidade preciosa de um avanço democrático.
Por causa de violentos distúrbios verificados em Argel anteontem, que redundaram na morte de cinco pessoas, o presidente Chadli Bendjedid recorreu ao expediente extremo da decretação do estado de sítio, em que todas as garantias individuais ficam suspensas, e adiou as primeiras eleições multipartidárias para o Parlamento desde que o país se tornou independente da França, em 1962.
Não deixa, portanto, de ser um fato lamentável esse adiamento. E tudo isso se deve à Frente de Salvação Islâmica, da oposição, que prega um retrocesso absoluto em termos institucionais.
O partido, o grande vencedor das votações do ano passado, quando obteve o controle de mais de 50% das municipalidades da Argélia, quer instituir uma República Islâmica, como a do Irã, tendo na chamada "Sharia", a lei que se baseia no Alcorão, o livro santo dos muçulmanos, a Constituição nacional.
É verdade que 99% dos argelinos são dessa religião. Mas já está, há muito, ultrapassada a idéia, mesmo entre os povos que não possuem tradição democrática, da união entre a Igreja e o Estado. Em todos os lugares onde existe ainda este sistema, a liberdade individual não é mais do que mera ficção.
O jornalista norte-americano, James Fallows, escreveu: "As sociedades são mais sadias quando o seu raio de confiança é amplo e quando as pessoas sentem que podem influenciar seu próprio destino". No regime que a Frente de Salvação Islâmica quer implantar, porém, isto não é possível.
Prevalece a vontade de uma maioria, mas guiada pelas tradições, pelo condicionamento, quando não pelo simples medo. Os fundamentalistas, inclusive, já têm um presidente e um vice que desejam impor, caso logrem êxito na "Revolução" que pretendem fazer.
Tratam-se de Abassi Madani e Ali Belhadj, respectivamente, que prometem estabelecer a "Sharia" imediatamente, já no primeiro ano, caso seu partido venha a obter maioria no Parlamento. O que a agremiação quer, todavia, não é uma vitória em disputa que possa ser classificada de democrática, mas aplicar um autêntico golpe de Estado, posto que pretende vencer de qualquer maneira. E isto, convenhamos, não é sequer arremedo de democracia.
É lamentável que isso ocorra num país que em 29 anos de vida independente teve somente três presidentes, dois dos quais eleitos: o Coronel Ahmed Ben Bella, que após o golpe militar contra Ben Yussef Ben Kheda, em 1962, pouco após a independência, venceu as eleições de 1963 e o atual Chadli Bendjedid, cuja escolha nas urnas se deu em 1979, alguns meses depois da morte de Houari Boumediene, que havia assumido mediante um expediente golpista em 1965.
O ex-presidente dos Estados Unidos, James Madison, que governou os norte-americanos por dois mandatos consecutivos no início do século passado (de 1809 a 1817), enunciou um preceito para uma sociedade livre: "A receita em favor da liberdade deve ser dirigida contra a mais alta prerrogativa de poder. Mas isto não se encontra nem ramo executivo nem no ramo legislativo do governo e sim no seio do povo, operado pela maioria contra a minoria".
(Artigo publicado na página 17, Internacional, do Correio Popular, em 6 de junho de 1991).
Pedro J. Bondaczuk
A Argélia, país produtor de petróleo do Norte da África, relativamente populoso, com seus 20,8 milhões de habitantes, está perdendo, em virtude do radicalismo político que marcou os primeiros dias da campanha eleitoral, uma oportunidade preciosa de um avanço democrático.
Por causa de violentos distúrbios verificados em Argel anteontem, que redundaram na morte de cinco pessoas, o presidente Chadli Bendjedid recorreu ao expediente extremo da decretação do estado de sítio, em que todas as garantias individuais ficam suspensas, e adiou as primeiras eleições multipartidárias para o Parlamento desde que o país se tornou independente da França, em 1962.
Não deixa, portanto, de ser um fato lamentável esse adiamento. E tudo isso se deve à Frente de Salvação Islâmica, da oposição, que prega um retrocesso absoluto em termos institucionais.
O partido, o grande vencedor das votações do ano passado, quando obteve o controle de mais de 50% das municipalidades da Argélia, quer instituir uma República Islâmica, como a do Irã, tendo na chamada "Sharia", a lei que se baseia no Alcorão, o livro santo dos muçulmanos, a Constituição nacional.
É verdade que 99% dos argelinos são dessa religião. Mas já está, há muito, ultrapassada a idéia, mesmo entre os povos que não possuem tradição democrática, da união entre a Igreja e o Estado. Em todos os lugares onde existe ainda este sistema, a liberdade individual não é mais do que mera ficção.
O jornalista norte-americano, James Fallows, escreveu: "As sociedades são mais sadias quando o seu raio de confiança é amplo e quando as pessoas sentem que podem influenciar seu próprio destino". No regime que a Frente de Salvação Islâmica quer implantar, porém, isto não é possível.
Prevalece a vontade de uma maioria, mas guiada pelas tradições, pelo condicionamento, quando não pelo simples medo. Os fundamentalistas, inclusive, já têm um presidente e um vice que desejam impor, caso logrem êxito na "Revolução" que pretendem fazer.
Tratam-se de Abassi Madani e Ali Belhadj, respectivamente, que prometem estabelecer a "Sharia" imediatamente, já no primeiro ano, caso seu partido venha a obter maioria no Parlamento. O que a agremiação quer, todavia, não é uma vitória em disputa que possa ser classificada de democrática, mas aplicar um autêntico golpe de Estado, posto que pretende vencer de qualquer maneira. E isto, convenhamos, não é sequer arremedo de democracia.
É lamentável que isso ocorra num país que em 29 anos de vida independente teve somente três presidentes, dois dos quais eleitos: o Coronel Ahmed Ben Bella, que após o golpe militar contra Ben Yussef Ben Kheda, em 1962, pouco após a independência, venceu as eleições de 1963 e o atual Chadli Bendjedid, cuja escolha nas urnas se deu em 1979, alguns meses depois da morte de Houari Boumediene, que havia assumido mediante um expediente golpista em 1965.
O ex-presidente dos Estados Unidos, James Madison, que governou os norte-americanos por dois mandatos consecutivos no início do século passado (de 1809 a 1817), enunciou um preceito para uma sociedade livre: "A receita em favor da liberdade deve ser dirigida contra a mais alta prerrogativa de poder. Mas isto não se encontra nem ramo executivo nem no ramo legislativo do governo e sim no seio do povo, operado pela maioria contra a minoria".
(Artigo publicado na página 17, Internacional, do Correio Popular, em 6 de junho de 1991).
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