Falta realismo à oposição
Pedro J. Bondaczuk
A política birmanesa vem se constituindo num sangrento "jogo de xadrez" desde que o homem forte desse país, que ainda continua sendo a "eminência parda" do regime, abandonou, oficialmente, a vida pública, alegando problemas de saúde, embora admitindo responsabilidade pela crise econômica atravessada atualmente pela Birmânia. Desde a renúncia do quase octogenário general Ne Win, em junho passado, essa pobre e violenta República do Sudeste asiático já teve quatro presidentes, contando, evidentemente, o velho líder renunciante e o oficial que assumiu o poder a força, anteontem, general Saw Maung.
O Partido Socialista, agremiação única permitida nessa nação, cometeu erros estratégicos gravíssimos, não há como negar. Dessa forma, teve que começar a fazer concessões e mais concessões à oposição, olimpicamente rejeitadas uma a uma pela liderança oposicionista, que mostrou, por seu turno, nesta oportunidade, uma falta de realismo poucas vezes vista.
O comando das manifestações, que conseguiu colocar milhões de birmaneses nas ruas nos últimos 90 dias e levou o odiado general Sein Lwin à renúncia no mês passado, após um massacre promovido por esse militar, conhecido como o "Açougueiro de Rangum", de cerca de 1.900 pessoas, não soube aproveitar o momento de incerteza do regime. Ao invés de aceitar uma abertura lenta e gradual, que teria condições de acelerar a queda da ditadura e que lhe daria o poder fatalmente a médio prazo, quase sem nenhum derramamento de sangue, preferiu fazer uso de uma posição de força, que na verdade sequer possuía. A oposição subestimou a coesão dos militares birmaneses, empolgada por algumas deserções verificadas entre a baixa oficialidade e alguns generais veteranos, há tempos na reserva, a maioria ligada ao sistema político anterior.
O golpe de anteontem, por causa desse erro estratégico, por conseqüência, pode significar a morte da última esperança pela redemocratização da Birmânia. Os líderes opositores, não sabendo moderar suas exigências, moveram as peças erradas no "tabuleiro de xadrez". Permitiram e até incentivaram que o país caísse na completa anarquia, coisa que mesmo o mais ingênuo dos ingênuos poderia intuir que as Forças Armadas birmanesas, de 186 mil homens, extremamente disciplinadas e bem-remuneradas, não iriam tolerar em circunstância alguma. E não toleraram.
O que espera agora a população dessa pobre nação asiática é uma longa e sangrenta guerra civil, onde as probabilidades de vitória estão todas com quem tem armas e o poder. A oposição, querendo demais, perdeu, portanto, o "bonde da história". Não teve realismo suficiente para saber onde estava pisando. Agora, só tem dois caminhos a escolher: ou promove uma luta suicida, onde suas chances de ganhar são remotíssimas, o que mergulhará a Birmânia num "mar de sangue"; ou parte melancolicamente para o exílio, matando por longo tempo a esperança de democracia para os quase 40 milhões de birmaneses.
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 20 de setembro de 1988)
Pedro J. Bondaczuk
A política birmanesa vem se constituindo num sangrento "jogo de xadrez" desde que o homem forte desse país, que ainda continua sendo a "eminência parda" do regime, abandonou, oficialmente, a vida pública, alegando problemas de saúde, embora admitindo responsabilidade pela crise econômica atravessada atualmente pela Birmânia. Desde a renúncia do quase octogenário general Ne Win, em junho passado, essa pobre e violenta República do Sudeste asiático já teve quatro presidentes, contando, evidentemente, o velho líder renunciante e o oficial que assumiu o poder a força, anteontem, general Saw Maung.
O Partido Socialista, agremiação única permitida nessa nação, cometeu erros estratégicos gravíssimos, não há como negar. Dessa forma, teve que começar a fazer concessões e mais concessões à oposição, olimpicamente rejeitadas uma a uma pela liderança oposicionista, que mostrou, por seu turno, nesta oportunidade, uma falta de realismo poucas vezes vista.
O comando das manifestações, que conseguiu colocar milhões de birmaneses nas ruas nos últimos 90 dias e levou o odiado general Sein Lwin à renúncia no mês passado, após um massacre promovido por esse militar, conhecido como o "Açougueiro de Rangum", de cerca de 1.900 pessoas, não soube aproveitar o momento de incerteza do regime. Ao invés de aceitar uma abertura lenta e gradual, que teria condições de acelerar a queda da ditadura e que lhe daria o poder fatalmente a médio prazo, quase sem nenhum derramamento de sangue, preferiu fazer uso de uma posição de força, que na verdade sequer possuía. A oposição subestimou a coesão dos militares birmaneses, empolgada por algumas deserções verificadas entre a baixa oficialidade e alguns generais veteranos, há tempos na reserva, a maioria ligada ao sistema político anterior.
O golpe de anteontem, por causa desse erro estratégico, por conseqüência, pode significar a morte da última esperança pela redemocratização da Birmânia. Os líderes opositores, não sabendo moderar suas exigências, moveram as peças erradas no "tabuleiro de xadrez". Permitiram e até incentivaram que o país caísse na completa anarquia, coisa que mesmo o mais ingênuo dos ingênuos poderia intuir que as Forças Armadas birmanesas, de 186 mil homens, extremamente disciplinadas e bem-remuneradas, não iriam tolerar em circunstância alguma. E não toleraram.
O que espera agora a população dessa pobre nação asiática é uma longa e sangrenta guerra civil, onde as probabilidades de vitória estão todas com quem tem armas e o poder. A oposição, querendo demais, perdeu, portanto, o "bonde da história". Não teve realismo suficiente para saber onde estava pisando. Agora, só tem dois caminhos a escolher: ou promove uma luta suicida, onde suas chances de ganhar são remotíssimas, o que mergulhará a Birmânia num "mar de sangue"; ou parte melancolicamente para o exílio, matando por longo tempo a esperança de democracia para os quase 40 milhões de birmaneses.
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 20 de setembro de 1988)
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