Nossas virtudes apenas são válidas, e produzem os efeitos benéficos que delas se esperam, se exercitadas publicamente. De nada vale, por exemplo, concedermos o perdão por alguma ofensa que tenhamos sofrido se o perdoado sequer tomar conhecimento dele. O mesmo vale em relação a alguma promessa que eventualmente fizermos. Já a bondade, só podemos exercitá-la publicamente, ajudando, de alguma forma, a alguém que necessite da nossa ajuda. Parece colocação óbvia, no entanto, muitos não se dão conta dela. A omissão neutraliza qualquer virtude que eventualmente tenhamos. Torna-a inócua e sem conseqüências. Não fomos feitos para a solidão e o isolamento. Somos parcelas de um grande todo e temos papel a exercer no contexto social do qual jamais podemos abrir mão. Hannah Arendt constata, no livro “A condição humana”: “Na solidão e no isolamento, o perdão e a promessa não chegam a ter realidade: são no máximo um papel que a pessoa encena para si mesma”.
Monday, March 31, 2008
Minha riqueza
Pedro J. Bondaczuk
O prazer e o trabalho são as duas únicas formas que o ser humano dispõe para esquecer os estragos que o tempo faz em seu corpo e em sua mente. Claro que os resultados desses dois tipos de ação são muito diferentes. Mas a escolha é livre, ditada exclusivamente pelo livre-arbítrio. As conseqüências, no entanto, é que são inflexíveis.
Os hedonistas entendem que o homem veio ao mundo apenas para gozar as suas delícias. Já os pragmáticos acham que o seu papel é o de produzir obras, que o tempo, afinal, se encarregará de destruir. Quem tem razão? Sei lá! Da minha parte, entendo que a virtude está no meio. Ou seja, que o mais sábio é dosar, e muito bem, os prazeres com o trabalho.
A vida é constituída de escolhas, cuja exatidão vai determinar nosso sucesso ou fracasso, felicidade ou amargura, bem ou mal. Escolhemos profissões, companhias, amizades etc. e até clubes de futebol para torcer. Somos sempre instados a escolher alguém ou alguma coisa, e não nos é permitido errar.
Essas escolhas têm que ser estudadas, ponderadas e, sobretudo, cautelosas. Se escolhermos uma profissão para a qual não tenhamos talento ou habilitação, por exemplo, ficaremos à margem do mercado de trabalho. Se a escolha de uma companhia não for feita por amor, o resultado será de frustração e infelicidade. E isso vale para tudo o mais na vida.
Se nossas escolhas forem corretas e adequadas, o resultado será o sucesso, a alegria e a plena realização. Se equivocadas... esses equívocos vão gerar, com certeza, fracassados, marginalizados e seres amargos e infelizes. Há os que optam por serem apenas amados, com o que se dão para lá de satisfeitos. Incluo-me entre estes.
Há, porém, quem não se importe tanto com afetos e que queira ser admirado, ou pelo que é ou pelo que faz. Há, também, os mais ambiciosos, que querem as duas coisas. Ou seja, serem amados e admirados, simultaneamente. E existem, ainda, inúmeras outras opções, de todos os tipos e naturezas.
Embora muita gente não concorde, somos senhores absolutos do nosso destino. Deus concedeu-nos o livre-arbítrio para que escolhamos nosso caminho e arquemos com as conseqüências dessa escolha. Por piores que sejam os acontecimentos e as circunstâncias que nos cerquem, temos plena capacidade de viver com dignidade, justiça, alegria e bom-humor. Basta que queiramos e manifestemos esse querer por atitudes.
Devemos colocar tudo o que de belo, de sublime e de construtivo sonhamos no plano do real. Os caminhos são pedregosos e cheios de espinho? São! Mas o resultado vale a pena. Como a fábula de La Fontaine, da Cigarra e da Formiga, assim são os homens. Enquanto uns trabalham, construindo templos, cidades, tumbas e monumentos, outros "cantam", gozando as delícias do ócio e do fruto do trabalho alheio.
Enquanto uns criam, outros aproveitam e esbanjam. Qual o valor das obras, além do óbvio, utilitário, de uso imediato? São fontes de perpetuidade da memória, ou não passam de frustradas tentativas para evitar o esquecimento após a morte? Os pioneiros da civilização, os que fizeram descobertas marcantes, práticas, que facilitaram ou até mesmo garantiram a sobrevivência humana, são absolutamente anônimos.
Quem descobriu a roda? Ou a maneira de produzir o fogo? Quem foi o inventor do primeiro alfabeto? Ou da escala musical? Ou dos números? Ou dos princípios básicos da matemática? Estes são alguns dos fundamentos da civilização e foram criados por alguém. Mas por quem?
Gosto das pessoas, mesmo das que ajam mal e mostrem, ostensivamente, que não gostam de mim. Entendo que, para agir dessa forma, têm lá suas razões, que respeito, mesmo que não as compreenda. Claro que gosto delas à distância. Afinal, como diz o povo, “cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém”.
Sou grato a todos os que me beneficiam e tornam minha vida melhor, senão possível. Respeito os milhões, que sequer conheço, trabalhadores em usinas de eletricidade, lixeiros, padeiros, pedreiros, médicos, cientistas, filósofos, professores, jornalistas etc.etc.etc., que fazem o mundo, bem ou mal, funcionar e possibilitam minha sobrevivência.
Os marginalizados, injustos, violentos e néscios não nascem assim. São frutos da falta de educação, do ambiente em que vivem e das circunstâncias. Procuro fazer, da melhor forma possível, minha parte na sociedade, como forma prática de gratidão. Reitero: gosto das pessoas! Apego-me, ferrenhamente, por convicção e formação, a elas, jamais a coisas.
Tenho noção do quanto o conceito de propriedade é nocivo para a convivência harmoniosa dos homens. Nada, efetivamente, me pertence. O que “tenho” só é meu enquanto eu estiver vivo. Ou seja, toda posse é transitória. Claro que não saio distribuindo, tolamente, por aí o que consigo com o fruto do meu trabalho. Mas quando perco, o que quer que seja, não me sinto frustrado ou derrotado.
Esse sentimento, porém, é bem diferente quando ocorre a perda de um parente, um amor ou um amigo. Estes, sim, são meus patrimônios. Quando essa perda acontece, por desavenças, morte ou por outras circunstâncias, sinto morrer um pouco. Fico menor, mais pobre e mais mesquinho. E essa sensação sequer é exclusiva. Emily Dickinson, por exemplo, declara, num magnífico verso: “Todo meu patrimônio são meus amigos”. O meu também! Esta é a riqueza que busco preservar a todo custo. O resto...
O prazer e o trabalho são as duas únicas formas que o ser humano dispõe para esquecer os estragos que o tempo faz em seu corpo e em sua mente. Claro que os resultados desses dois tipos de ação são muito diferentes. Mas a escolha é livre, ditada exclusivamente pelo livre-arbítrio. As conseqüências, no entanto, é que são inflexíveis.
Os hedonistas entendem que o homem veio ao mundo apenas para gozar as suas delícias. Já os pragmáticos acham que o seu papel é o de produzir obras, que o tempo, afinal, se encarregará de destruir. Quem tem razão? Sei lá! Da minha parte, entendo que a virtude está no meio. Ou seja, que o mais sábio é dosar, e muito bem, os prazeres com o trabalho.
A vida é constituída de escolhas, cuja exatidão vai determinar nosso sucesso ou fracasso, felicidade ou amargura, bem ou mal. Escolhemos profissões, companhias, amizades etc. e até clubes de futebol para torcer. Somos sempre instados a escolher alguém ou alguma coisa, e não nos é permitido errar.
Essas escolhas têm que ser estudadas, ponderadas e, sobretudo, cautelosas. Se escolhermos uma profissão para a qual não tenhamos talento ou habilitação, por exemplo, ficaremos à margem do mercado de trabalho. Se a escolha de uma companhia não for feita por amor, o resultado será de frustração e infelicidade. E isso vale para tudo o mais na vida.
Se nossas escolhas forem corretas e adequadas, o resultado será o sucesso, a alegria e a plena realização. Se equivocadas... esses equívocos vão gerar, com certeza, fracassados, marginalizados e seres amargos e infelizes. Há os que optam por serem apenas amados, com o que se dão para lá de satisfeitos. Incluo-me entre estes.
Há, porém, quem não se importe tanto com afetos e que queira ser admirado, ou pelo que é ou pelo que faz. Há, também, os mais ambiciosos, que querem as duas coisas. Ou seja, serem amados e admirados, simultaneamente. E existem, ainda, inúmeras outras opções, de todos os tipos e naturezas.
Embora muita gente não concorde, somos senhores absolutos do nosso destino. Deus concedeu-nos o livre-arbítrio para que escolhamos nosso caminho e arquemos com as conseqüências dessa escolha. Por piores que sejam os acontecimentos e as circunstâncias que nos cerquem, temos plena capacidade de viver com dignidade, justiça, alegria e bom-humor. Basta que queiramos e manifestemos esse querer por atitudes.
Devemos colocar tudo o que de belo, de sublime e de construtivo sonhamos no plano do real. Os caminhos são pedregosos e cheios de espinho? São! Mas o resultado vale a pena. Como a fábula de La Fontaine, da Cigarra e da Formiga, assim são os homens. Enquanto uns trabalham, construindo templos, cidades, tumbas e monumentos, outros "cantam", gozando as delícias do ócio e do fruto do trabalho alheio.
Enquanto uns criam, outros aproveitam e esbanjam. Qual o valor das obras, além do óbvio, utilitário, de uso imediato? São fontes de perpetuidade da memória, ou não passam de frustradas tentativas para evitar o esquecimento após a morte? Os pioneiros da civilização, os que fizeram descobertas marcantes, práticas, que facilitaram ou até mesmo garantiram a sobrevivência humana, são absolutamente anônimos.
Quem descobriu a roda? Ou a maneira de produzir o fogo? Quem foi o inventor do primeiro alfabeto? Ou da escala musical? Ou dos números? Ou dos princípios básicos da matemática? Estes são alguns dos fundamentos da civilização e foram criados por alguém. Mas por quem?
Gosto das pessoas, mesmo das que ajam mal e mostrem, ostensivamente, que não gostam de mim. Entendo que, para agir dessa forma, têm lá suas razões, que respeito, mesmo que não as compreenda. Claro que gosto delas à distância. Afinal, como diz o povo, “cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém”.
Sou grato a todos os que me beneficiam e tornam minha vida melhor, senão possível. Respeito os milhões, que sequer conheço, trabalhadores em usinas de eletricidade, lixeiros, padeiros, pedreiros, médicos, cientistas, filósofos, professores, jornalistas etc.etc.etc., que fazem o mundo, bem ou mal, funcionar e possibilitam minha sobrevivência.
Os marginalizados, injustos, violentos e néscios não nascem assim. São frutos da falta de educação, do ambiente em que vivem e das circunstâncias. Procuro fazer, da melhor forma possível, minha parte na sociedade, como forma prática de gratidão. Reitero: gosto das pessoas! Apego-me, ferrenhamente, por convicção e formação, a elas, jamais a coisas.
Tenho noção do quanto o conceito de propriedade é nocivo para a convivência harmoniosa dos homens. Nada, efetivamente, me pertence. O que “tenho” só é meu enquanto eu estiver vivo. Ou seja, toda posse é transitória. Claro que não saio distribuindo, tolamente, por aí o que consigo com o fruto do meu trabalho. Mas quando perco, o que quer que seja, não me sinto frustrado ou derrotado.
Esse sentimento, porém, é bem diferente quando ocorre a perda de um parente, um amor ou um amigo. Estes, sim, são meus patrimônios. Quando essa perda acontece, por desavenças, morte ou por outras circunstâncias, sinto morrer um pouco. Fico menor, mais pobre e mais mesquinho. E essa sensação sequer é exclusiva. Emily Dickinson, por exemplo, declara, num magnífico verso: “Todo meu patrimônio são meus amigos”. O meu também! Esta é a riqueza que busco preservar a todo custo. O resto...
Sunday, March 30, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Para sermos artistas de grande valor, ou profissionais competentes e produtivos, ou líderes iluminados capazes de mudar para melhor o destino dos povos, não nos bastam, somente, conhecimentos técnicos, cultura e grande acervo de informações. Estas características, claro, são indispensáveis, mas se não tivermos entusiasmo, se não colocarmos coração, corpo e alma no que fizermos, nossas obras serão imperfeitas, incompletas e vazias. Jamais atingirão o grau de qualidade que as tornem permanentes por anos, décadas, séculos e até milênios depois da nossa morte. Os grandes gênios da humanidade foram determinados, persistentes, audazes, mas, sobretudo, entusiastas. Foi essa, aliás, a característica que os distinguiu das demais pessoas. O enciclopedista francês, Denis Diderot, acentua, com pertinência, a propósito: “Nem que seja para fazer alfinetes, o entusiasmo é indispensável para sermos bons no nosso ofício”. E eu aduziria: “e também na nossa vida”.
DIRETO DO ARQUIVO
Falta realismo à oposição
Pedro J. Bondaczuk
A política birmanesa vem se constituindo num sangrento "jogo de xadrez" desde que o homem forte desse país, que ainda continua sendo a "eminência parda" do regime, abandonou, oficialmente, a vida pública, alegando problemas de saúde, embora admitindo responsabilidade pela crise econômica atravessada atualmente pela Birmânia. Desde a renúncia do quase octogenário general Ne Win, em junho passado, essa pobre e violenta República do Sudeste asiático já teve quatro presidentes, contando, evidentemente, o velho líder renunciante e o oficial que assumiu o poder a força, anteontem, general Saw Maung.
O Partido Socialista, agremiação única permitida nessa nação, cometeu erros estratégicos gravíssimos, não há como negar. Dessa forma, teve que começar a fazer concessões e mais concessões à oposição, olimpicamente rejeitadas uma a uma pela liderança oposicionista, que mostrou, por seu turno, nesta oportunidade, uma falta de realismo poucas vezes vista.
O comando das manifestações, que conseguiu colocar milhões de birmaneses nas ruas nos últimos 90 dias e levou o odiado general Sein Lwin à renúncia no mês passado, após um massacre promovido por esse militar, conhecido como o "Açougueiro de Rangum", de cerca de 1.900 pessoas, não soube aproveitar o momento de incerteza do regime. Ao invés de aceitar uma abertura lenta e gradual, que teria condições de acelerar a queda da ditadura e que lhe daria o poder fatalmente a médio prazo, quase sem nenhum derramamento de sangue, preferiu fazer uso de uma posição de força, que na verdade sequer possuía. A oposição subestimou a coesão dos militares birmaneses, empolgada por algumas deserções verificadas entre a baixa oficialidade e alguns generais veteranos, há tempos na reserva, a maioria ligada ao sistema político anterior.
O golpe de anteontem, por causa desse erro estratégico, por conseqüência, pode significar a morte da última esperança pela redemocratização da Birmânia. Os líderes opositores, não sabendo moderar suas exigências, moveram as peças erradas no "tabuleiro de xadrez". Permitiram e até incentivaram que o país caísse na completa anarquia, coisa que mesmo o mais ingênuo dos ingênuos poderia intuir que as Forças Armadas birmanesas, de 186 mil homens, extremamente disciplinadas e bem-remuneradas, não iriam tolerar em circunstância alguma. E não toleraram.
O que espera agora a população dessa pobre nação asiática é uma longa e sangrenta guerra civil, onde as probabilidades de vitória estão todas com quem tem armas e o poder. A oposição, querendo demais, perdeu, portanto, o "bonde da história". Não teve realismo suficiente para saber onde estava pisando. Agora, só tem dois caminhos a escolher: ou promove uma luta suicida, onde suas chances de ganhar são remotíssimas, o que mergulhará a Birmânia num "mar de sangue"; ou parte melancolicamente para o exílio, matando por longo tempo a esperança de democracia para os quase 40 milhões de birmaneses.
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 20 de setembro de 1988)
Pedro J. Bondaczuk
A política birmanesa vem se constituindo num sangrento "jogo de xadrez" desde que o homem forte desse país, que ainda continua sendo a "eminência parda" do regime, abandonou, oficialmente, a vida pública, alegando problemas de saúde, embora admitindo responsabilidade pela crise econômica atravessada atualmente pela Birmânia. Desde a renúncia do quase octogenário general Ne Win, em junho passado, essa pobre e violenta República do Sudeste asiático já teve quatro presidentes, contando, evidentemente, o velho líder renunciante e o oficial que assumiu o poder a força, anteontem, general Saw Maung.
O Partido Socialista, agremiação única permitida nessa nação, cometeu erros estratégicos gravíssimos, não há como negar. Dessa forma, teve que começar a fazer concessões e mais concessões à oposição, olimpicamente rejeitadas uma a uma pela liderança oposicionista, que mostrou, por seu turno, nesta oportunidade, uma falta de realismo poucas vezes vista.
O comando das manifestações, que conseguiu colocar milhões de birmaneses nas ruas nos últimos 90 dias e levou o odiado general Sein Lwin à renúncia no mês passado, após um massacre promovido por esse militar, conhecido como o "Açougueiro de Rangum", de cerca de 1.900 pessoas, não soube aproveitar o momento de incerteza do regime. Ao invés de aceitar uma abertura lenta e gradual, que teria condições de acelerar a queda da ditadura e que lhe daria o poder fatalmente a médio prazo, quase sem nenhum derramamento de sangue, preferiu fazer uso de uma posição de força, que na verdade sequer possuía. A oposição subestimou a coesão dos militares birmaneses, empolgada por algumas deserções verificadas entre a baixa oficialidade e alguns generais veteranos, há tempos na reserva, a maioria ligada ao sistema político anterior.
O golpe de anteontem, por causa desse erro estratégico, por conseqüência, pode significar a morte da última esperança pela redemocratização da Birmânia. Os líderes opositores, não sabendo moderar suas exigências, moveram as peças erradas no "tabuleiro de xadrez". Permitiram e até incentivaram que o país caísse na completa anarquia, coisa que mesmo o mais ingênuo dos ingênuos poderia intuir que as Forças Armadas birmanesas, de 186 mil homens, extremamente disciplinadas e bem-remuneradas, não iriam tolerar em circunstância alguma. E não toleraram.
O que espera agora a população dessa pobre nação asiática é uma longa e sangrenta guerra civil, onde as probabilidades de vitória estão todas com quem tem armas e o poder. A oposição, querendo demais, perdeu, portanto, o "bonde da história". Não teve realismo suficiente para saber onde estava pisando. Agora, só tem dois caminhos a escolher: ou promove uma luta suicida, onde suas chances de ganhar são remotíssimas, o que mergulhará a Birmânia num "mar de sangue"; ou parte melancolicamente para o exílio, matando por longo tempo a esperança de democracia para os quase 40 milhões de birmaneses.
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 20 de setembro de 1988)
Saturday, March 29, 2008
REFLEXÃO DO DIA
O escritor russo, Fedor Dostoievsky, afirmou, num de seus livros: “A melhor definição que posso dar de um homem é a de um ser que se habitua a tudo”. Há, porém, hábitos e hábitos. Existem os que convém cultivar e transmitir às novas gerações, por serem virtuosos e engrandecedores, como os da gentileza, solidariedade e cooperação. Outros tantos hábitos, todavia, são extremamente nocivos, e recebem a designação de “vícios”. Os mais comuns e perigosos são os do tabagismo, drogadição e alcoolismo, que além de comprometerem a saúde dos viciados, afetam seu comportamento afetivo e social e os marginalizam. Destroem, literalmente, os que os adquirem e que não têm forças para se livrar deles. Por isso, devemos ter imensa cautela antes de cultivarmos algum hábito. Cultivemos, sim, os saudáveis, como o da meditação, da leitura e da prática do bem, entre tantos outros. Contudo, fujamos, prudentes, dos que tendem a nos escravizar e até destruir.
Soneto à doce amada - LVII
Pedro J. Bondaczuk
Doce amada, em seus dourados cabelos,
(perfumados) qual macio dossel,
repousam meus sonhos, desejos, zelos:
sabem-me a néctar, ambrósia e a mel.
Os meus dedos os trançam, os enredam,
Deliciam-se com sua maciez.
Cabelos longos... Suavemente quedam.
Contrastam com sua morena tez.
Minha inesgotável fonte de encantos,
de sonhos, delírios, desejos, zelos
e de embevecimentos e de espantos,
não deixe que um dia venha a perdê-los.
Só quero represar meus tristes prantos,
gozar o amor por entre seus cabelos.
Doce amada, em seus dourados cabelos,
(perfumados) qual macio dossel,
repousam meus sonhos, desejos, zelos:
sabem-me a néctar, ambrósia e a mel.
Os meus dedos os trançam, os enredam,
Deliciam-se com sua maciez.
Cabelos longos... Suavemente quedam.
Contrastam com sua morena tez.
Minha inesgotável fonte de encantos,
de sonhos, delírios, desejos, zelos
e de embevecimentos e de espantos,
não deixe que um dia venha a perdê-los.
Só quero represar meus tristes prantos,
gozar o amor por entre seus cabelos.
Friday, March 28, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Filósofos, teólogos e escritores afirmam, desde os primórdios da civilização, que sua meta e objetivo são a busca da “verdade”. Apontam-nos caminhos que, ao cabo de algum tempo, a realidade comprova serem equivocados e ruins. E o que é a tal “verdade”, tão apregoada, mas jamais definida sem ambigüidades e com precisão? Cada qual julga ser seu possuidor. Todavia, ninguém, de fato, chegou sequer perto dela. Da minha parte, considero que a única verdade, que merece, de fato, essa designação, é a da existência, onipotência, transcendência, imanência e eternidade de Deus. O resto... Bem, o resto não passa de mero conjunto de teorias, passivas de serem desmontadas, e de especulações, quase nunca comprováveis ou que, quando são, se revelam mero conjunto de sofismas e engodos. Ironicamente, são justamente os maiores mentirosos que se arrogam em donos da verdade. Gustave Flaubert assegura, convicto: “Não há verdade, só há percepção”. Concordo com ele.
Recordação do futuro
Pedro J. Bondaczuk
A memória, se bem-cultivada, tende a se transformar em uma fonte quase inesgotável de satisfações. Caso contrário, se não tivermos essa cautela, acaba por se tornar num feroz adversário, num implacável verdugo, num perverso carrasco, a nos esfregar, sem dó e nem piedade, no nariz, nossos momentos de dor, de aflição, de fracassos, de carência e solidão, que conviria esquecer.
Por exemplo, quando visitamos um lugar particularmente belo, em companhia de alguém que amamos, sua beleza parece multiplicar-se por mil e as lembranças que suscita, principalmente se neles vivemos momentos de encantamento e afeto, permanecem vivas enquanto vivermos. Se um dia voltarmos a esses lugares, junto com essa mesma pessoa que nos fascina e cativa, sempre descobriremos novas belezas, como se houvessem mudado para melhor, mesmo que tenham se tornado decadentes.
Melhor ainda será quando se tratar de reencontro com a amada, após eventual separação. Será um delírio, magia, um prazer indescritível! O poeta finlandês, Risto Rasa, escreve, nestes versos do poema minimalista intitulado “Espero que voltes”, como entende que seja essa experiência: “Vamos andar por todos os lugares/que conhecemos tão bem/e eles vão parecer-me quase novos/outra vez”. Só o amor tem essa faculdade de renovação.
É inútil, porém, qualquer tentativa para se regressar ao passado. Ainda não inventaram a máquina do tempo que nos leve para frente ou para trás nos anos, meses ou dias (e sequer em míseros segundos) e nos permita reviver, fisicamente, o que não soubemos valorizar quando aconteceu.
Só podemos fazer esse regresso, assim mesmo de maneira truncada, através da memória (frágil e seletiva). Daí a necessidade de vivermos, sempre, intensamente. E em vez de termos que nos contentar com alegrias do passado, o mais sábio é criar, a cada dia, novas e profundas satisfações. Bebamos do cálice da vida até a derradeira gota. Mas sempre com prazer e felicidade.
Temos a tendência natural de devotar desprezo a tudo o que não compreendemos. O tempo é uma dessas coisas incompreensíveis. A atitude correta, porém, seria a busca incansável da compreensão, que é o caminho da verdadeira sabedoria. Agimos, via de regra, como a raposa em relação às uvas, da famosa fábula de La Fontaine. Ou seja, tentamos, tentamos e tentamos alcançar os frutos e, quando não conseguimos, em vez de continuarmos tentando, até que tenhamos êxito, quase sempre olhamos para trás e dizemos, com desprezo, entredentes: “estão verdes”. Na verdade, não estão.
Temos possibilidade de chegar ao entendimento de qualquer coisa, idéia ou princípio, por mais complexos e nebulosos que sejam, se nos empenharmos de verdade para isso. O que devemos ter é respeito pelo incompreensível. E, claro, o máximo empenho na busca da compreensão.
Jean Cocteau afirmou, certa feita, em entrevista: “O poeta recorda-se do futuro”. Claro que se trata, apenas, de bela metáfora. Afinal – e nem seria necessário ressaltar – é impossível recordar o que ainda sequer aconteceu. Essa “recordação”, na verdade, seria o que os poetas intuem, com base em experiências (pessoais e/ou alheias) do que é provável, ou pelo menos possível, de nos ocorrer, face a determinadas circunstâncias.
E qual a autoridade de Jean Cocteau para tão peremptória afirmação? Para quem não sabe, informo que, além de consagrado diretor de cinema – qual cinéfilo não conhece os vários filmes que ele dirigiu, ou produziu, ou escreveu roteiros, ou participou de alguma forma, como “O testamento de Orfeu”, “A águia de duas cabeças, “A bela e o monstro”, “Orfeu” e “Lês parents terribles”, entre outros? – foi, também, um vitorioso escritor, mais especificamente, poeta. Tanto que foi eleito, em 1955, para a seletíssima Academia Francesa de Letras. Destacou-se, com George Auric, Louis Durey, Arthur Honneger, Darius Milhaud e Francis Poulenc, do famoso “Grupo dos Seis”.
Convenhamos, não são apenas os poetas que se preocupam com o futuro. Não há quem não se ocupe, de uma forma ou outra, dele. Essa preocupação, desde que moderada, é saudável e desejável. Principalmente se formos poetas e se soubermos avaliar seu potencial de desgaste e decadência, sem nos desesperarmos. Nunca duvide: ele nos desgasta e, um dia, até nos mata!
Contudo, é preciso ter em mente que o futuro não passa de abstração, de mero vir-a-ser. Pode se concretizar rapidamente, transformando-se, em infinitésimos de segundo, no presente, como pode nunca acontecer, em decorrência da nossa mortalidade. É, como se vê, uma perspectiva aterradora, posto que real.
Sua matéria-prima, portanto, são os sonhos, as esperanças, as intuições, as projeções da mente e da imaginação. A realidade é o momento presente, tão curtíssimo, mais rápido do que um piscar de olhos, e o passado, caudaloso e extenso. Morris West destaca, no romance “O Navegante”: “Vive-se um minuto depois do outro, vive-se uma hora, vive-se um dia. O futuro é o que se sonha. A realidade é o momento presente apenas, cada batida do coração”. Sonhemos, intensa e profusamente, sem limites ou restrições. Mas nos preparemos para quando, ou se, o futuro se fizer presente, com suas surpresas (boas e/ou más) e possibilidades.
A memória, se bem-cultivada, tende a se transformar em uma fonte quase inesgotável de satisfações. Caso contrário, se não tivermos essa cautela, acaba por se tornar num feroz adversário, num implacável verdugo, num perverso carrasco, a nos esfregar, sem dó e nem piedade, no nariz, nossos momentos de dor, de aflição, de fracassos, de carência e solidão, que conviria esquecer.
Por exemplo, quando visitamos um lugar particularmente belo, em companhia de alguém que amamos, sua beleza parece multiplicar-se por mil e as lembranças que suscita, principalmente se neles vivemos momentos de encantamento e afeto, permanecem vivas enquanto vivermos. Se um dia voltarmos a esses lugares, junto com essa mesma pessoa que nos fascina e cativa, sempre descobriremos novas belezas, como se houvessem mudado para melhor, mesmo que tenham se tornado decadentes.
Melhor ainda será quando se tratar de reencontro com a amada, após eventual separação. Será um delírio, magia, um prazer indescritível! O poeta finlandês, Risto Rasa, escreve, nestes versos do poema minimalista intitulado “Espero que voltes”, como entende que seja essa experiência: “Vamos andar por todos os lugares/que conhecemos tão bem/e eles vão parecer-me quase novos/outra vez”. Só o amor tem essa faculdade de renovação.
É inútil, porém, qualquer tentativa para se regressar ao passado. Ainda não inventaram a máquina do tempo que nos leve para frente ou para trás nos anos, meses ou dias (e sequer em míseros segundos) e nos permita reviver, fisicamente, o que não soubemos valorizar quando aconteceu.
Só podemos fazer esse regresso, assim mesmo de maneira truncada, através da memória (frágil e seletiva). Daí a necessidade de vivermos, sempre, intensamente. E em vez de termos que nos contentar com alegrias do passado, o mais sábio é criar, a cada dia, novas e profundas satisfações. Bebamos do cálice da vida até a derradeira gota. Mas sempre com prazer e felicidade.
Temos a tendência natural de devotar desprezo a tudo o que não compreendemos. O tempo é uma dessas coisas incompreensíveis. A atitude correta, porém, seria a busca incansável da compreensão, que é o caminho da verdadeira sabedoria. Agimos, via de regra, como a raposa em relação às uvas, da famosa fábula de La Fontaine. Ou seja, tentamos, tentamos e tentamos alcançar os frutos e, quando não conseguimos, em vez de continuarmos tentando, até que tenhamos êxito, quase sempre olhamos para trás e dizemos, com desprezo, entredentes: “estão verdes”. Na verdade, não estão.
Temos possibilidade de chegar ao entendimento de qualquer coisa, idéia ou princípio, por mais complexos e nebulosos que sejam, se nos empenharmos de verdade para isso. O que devemos ter é respeito pelo incompreensível. E, claro, o máximo empenho na busca da compreensão.
Jean Cocteau afirmou, certa feita, em entrevista: “O poeta recorda-se do futuro”. Claro que se trata, apenas, de bela metáfora. Afinal – e nem seria necessário ressaltar – é impossível recordar o que ainda sequer aconteceu. Essa “recordação”, na verdade, seria o que os poetas intuem, com base em experiências (pessoais e/ou alheias) do que é provável, ou pelo menos possível, de nos ocorrer, face a determinadas circunstâncias.
E qual a autoridade de Jean Cocteau para tão peremptória afirmação? Para quem não sabe, informo que, além de consagrado diretor de cinema – qual cinéfilo não conhece os vários filmes que ele dirigiu, ou produziu, ou escreveu roteiros, ou participou de alguma forma, como “O testamento de Orfeu”, “A águia de duas cabeças, “A bela e o monstro”, “Orfeu” e “Lês parents terribles”, entre outros? – foi, também, um vitorioso escritor, mais especificamente, poeta. Tanto que foi eleito, em 1955, para a seletíssima Academia Francesa de Letras. Destacou-se, com George Auric, Louis Durey, Arthur Honneger, Darius Milhaud e Francis Poulenc, do famoso “Grupo dos Seis”.
Convenhamos, não são apenas os poetas que se preocupam com o futuro. Não há quem não se ocupe, de uma forma ou outra, dele. Essa preocupação, desde que moderada, é saudável e desejável. Principalmente se formos poetas e se soubermos avaliar seu potencial de desgaste e decadência, sem nos desesperarmos. Nunca duvide: ele nos desgasta e, um dia, até nos mata!
Contudo, é preciso ter em mente que o futuro não passa de abstração, de mero vir-a-ser. Pode se concretizar rapidamente, transformando-se, em infinitésimos de segundo, no presente, como pode nunca acontecer, em decorrência da nossa mortalidade. É, como se vê, uma perspectiva aterradora, posto que real.
Sua matéria-prima, portanto, são os sonhos, as esperanças, as intuições, as projeções da mente e da imaginação. A realidade é o momento presente, tão curtíssimo, mais rápido do que um piscar de olhos, e o passado, caudaloso e extenso. Morris West destaca, no romance “O Navegante”: “Vive-se um minuto depois do outro, vive-se uma hora, vive-se um dia. O futuro é o que se sonha. A realidade é o momento presente apenas, cada batida do coração”. Sonhemos, intensa e profusamente, sem limites ou restrições. Mas nos preparemos para quando, ou se, o futuro se fizer presente, com suas surpresas (boas e/ou más) e possibilidades.
Thursday, March 27, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Ninguém gosta de ser criticado, ainda mais quando a crítica é impertinente e injusta. Mas gostamos de elogios, mesmo que não-merecidos. Não raro, porém, nossos críticos, mesmo que tenham a intenção de nos destruir, nos prestam grande favor. Apontam nossas falhas, vulnerabilidades e contradições. Se seus ataques forem injustos, todos perceberão e se solidarizarão conosco. Se as falhas que apontarem não existirem, servirão de alerta para que não as cometamos. Se forem pertinentes, possibilitarão que façamos correção de rumos e venhamos a nos aperfeiçoar. Já os elogios são perigosos se não estivermos preparados para recebê-los. Não há formas de saber se são sinceros ou não. Se não estivermos preparados para recebê-los, corremos o risco da acomodação. E, pior, de nos conservarmos em erro e descambarmos para o ridículo. Por isso, não há como discordar de Sigmund Freud, que afirmou: “Podemos nos defender de um ataque, mas somos indefesos a um elogio”.
Painel de talentos
Pedro J. Bondaczuk
O espaço Literário do Comunique-se completa, hoje, exatamente dois anos da sua primeira edição. Puxa! Já! Como o tempo passa! Trata-se, acima de tudo, de uma feliz coincidência isso ocorrer exatamente nesta quinta-feira, 27 de março. E por que feliz? Eu poderia apontar várias razões para isso, mas apontarei apenas duas, que considero básicas: primeira, pelo fato de hoje ser o dia da minha coluna semanal nessa seção e, segunda, por eu ter o privilégio e a responsabilidade de ser o seu editor.
Como se vê, juntam-se a fome e a vontade de comer. Permanecendo ainda no terreno dos clichês, mato, com isso, dois coelhos com uma única paulada: preencho a minha coluna semanal e, ao mesmo tempo, tenho a oportunidade de abordar alguns aspectos que o leitor mais distraído não percebeu ainda, referentes a este espaço (o atento, com certeza, já teve há tempos essa percepção).
O Literário é, acima de tudo, um grande painel de talentos. Reúne jornalistas de várias gerações, estilos, tendências e visões de mundo, representando “quase” todas as regiões deste país-continente (a exceção é o Norte, a Amazônia, que teve, sim, o seu representante, o paraense Euclides Farias que, no entanto, por não conseguir conciliar as atividades jornalísticas e literárias, abriu mão desse espaço. Uma pena!).
Literatura é, antes de tudo, vivência. O escritor tem, como principal matéria-prima, além dos conhecimentos que adquire com a leitura e a observação, suas experiências pessoais. Costumes regionais, lendas, histórias contadas pelos pais e avós etc., são todos reunidos num grande “caldeirão”, de onde emergem suas crônicas, contos, poesias, ensaios etc. Daí a importância que dou aos regionalismos.
Como afirmei antes, “quase” todas as regiões do País são representadas no Literário. Do Centro-Oeste, mais especificamente do Distrito Federal, de Brasília, por exemplo, nos vem esta sensível poetisa, que é a Aliene Coutinho. O Nordeste, também, está muito bem-representado, por quatro jornalistas experientes e escritores de muitos recursos. Temos, dessa região, os pernambucanos Urariano Mota e Talis Andrade, a potiguar Evelyne Furtado e o carioca (com alma de sertanejo baiano) Pedro Diedrich, o polêmico (mas querido) Seu Pedro.
Já do Sul do País contamos com três representantes: o mestre Nei Duclós (que embora gaúcho, como eu, representa Santa Catarina); meu também conterrâneo Rodrigo Ramazzini, este sim representando o Rio Grande do Sul e Edmundo Pacheco, que nos traz as coisas do Paraná.
Deixei o Sudeste por último de propósito, por ser a região mais representada no Literário. Essa representação vem dos seus três principais Estados: Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Das Alterosas nos vêm Eduardo Murta, de Belo Horizonte; e Marcos Alves, do Sul de Minas. E temos, aqui, uma “coringa”, a Ruth Barros. Explico: embora mineira de origem, ela representa ora o Rio de Janeiro, ora São Paulo.
A Cidade Maravilhosa conta, ainda, com dois outros representantes ilustres: Daniel Santos e Celamar Maione. São só dois, mas valem por milhões! Finalmente, resta o Estado mais representado no Literário. Claro que me refiro a São Paulo, cuja representação se divide entre a Capital e o Interior. Os paulistanos são três: André Falavigna, da “República Federativa do Cambuci”; Fábio de Lima, que defende a tradicional Vila Mariana (onde já residi) e a querida poetisa Solange Sólon Borges.
O Interior é representado por jornalistas que têm alguma vinculação com a principal metrópole interiorana, Campinas: eu, que embora gaúcho de nascimento, sou campineiro de coração (aqui resido há felizes e profícuos 44 anos e amo de paixão a ex-terra das andorinhas); Marcelo Sguassábia e Laís de Castro, que embora atue na Capital, tem fortes vínculos com esta comunidade generosa e culta.
Somando todos, chegaremos a 19 colunistas fixos. “Por que não 20?”, perguntará o leitor atento e curioso. Porque a vigésima vaga está reservada a um representante do Norte do País, quando este aparecer. Estou certo de que vai. É mera questão de tempo e de oportunidade.
Essa variedade de regiões implica, igualmente, em multiplicidade de estilos, gêneros literários explorados e temas abordados. Aliene, por exemplo, destaca-se por seus poemas intimistas e crônicas de reminiscências. Celamar, todos sabem, tem um talento raro para explorar, com humor e perspicácia, os dramas do cotidiano. É a nossa “Nelson Rodrigues de saia”, posto que com um estilo próprio e característico. Apenas a temática é “rodriguiana”.
Ruth, com humor, nos traz as grandes verdades, que às vezes relutamos em trazer a público. Inicialmente, valeu-se da personagem Anabel Serranegra para compor crônicas em que o ridículo e o sublime se misturam e se confundem e, atualmente, nos relata, com muita picardia, as “memórias” da Mula Manca.
Os textos de Eduardo Murta são repletos de lirismo, ora caracterizados como crônicas, ora descambando para o conto. Esse escreve bem demais, sô! Como todos os demais colunistas, conta com um grande fã clube. Já Daniel Santos é uma espécie de “engenheiro da palavra”. Mostra que não é preciso escrever textos longos e cansativos para expressar as grandes verdades. Sua característica, pois, é a precisão. Escreve pouco (em quantidade de linhas), mas muitíssimo em conteúdo.
O forte de Edmundo Pacheco são as histórias de ficção científica, em que dita cátedra e esbanja criatividade. Fábio de Lima é o mais humano dos nossos cronistas, expondo, com maestria, as fragilidades afetivas (suas e as que todos temos e buscamos esconder). Laís de Castro é poetisa de mão cheia e mesmo quando escreve contos e crônicas, não esconde sua fecunda veia poética.
Seu Pedro é o cronista do Sertão e nos brinda com histórias deliciosas, de profundo valor humanístico, do interiorzão do nosso País. Evelyne Furtado, por seu turno, é toda ternura e suas palavras “adoçam” até os mais empedernidos corações. E o que dizer do André Falavigna, o “Barba”? É um mega-talento! Não tem papas na língua (diria, no texto), e expõe as grandes verdades de forma nua e crua, na lata. Mas é tão exímio no uso da palavra, que até os palavrões que escreve (e escreve muuutos) adquirem caráter literário e soam naturais. Afinal, não é dessa forma que nos expressamos no cotidiano?! Esse é bom demais!
Nei Duclós é o mestre. Jornalista experiente, escritor maduro, é, se não o maior, um dos maiores talentos do Literário (e do País, que anda um tanto carente deles de uns tempos para cá). Suas colunas são verdadeiras lições da arte de bem-escrever. Marcos Alves, por seu turno, é o autêntico cronista do cotidiano. Arguto observador, faz, dos fatos aparentemente triviais, do dia a dia, matérias-primas de crônicas inesquecíveis.
De Marcelo Sguassábia, a exemplo de Falavigna, brota criatividade por todos os poros. É, sem dúvida, um dos cronistas mais criativos da atualidade, em todo o País. Elabora histórias sumamente pitorescas, que expõe com finíssimo humor e uma pontinha inteligentíssima de ironia, mas de forma sutil e perita.
Talis Andrade, para mim, é, sem tirar e nem pôr, o poeta completo. Não há um único poema desse prolífico e vivido pernambucano em que se possa encontrar algum senão, alguma impropriedade, alguma imprecisão, seja qual for. Modesto, relutou em aceitar os insistentes convites que lhe fiz para integrar nosso quadro fixo de colunistas. Como sou muito persuasivo (provavelmente chato), consegui, afinal, convencê-lo, para felicidade, é claro, dos leitores.
O jovem Rodrigo Ramazzini, certamente o “caçula” deste “Butantã”, nos traz histórias deliciosas dos pampas, em que o fator surpresa está sempre presente. Vejo um futuro dos mais brilhantes no caminho dessa “jóia rara” do jornalismo e da literatura. Sobre Ruth, já comentei. É humor puro, posto que às vezes um tanto ácido, o que lhe dá um sabor especial. Afinal, quem foi que disse que as grandes verdades não possam ser ditas rindo?, já sugeria o poeta romano Horácio, há dois mil anos.
Solange balança corações. Quando se faz ausente da sua coluna, falta brilho e calor ao Literário nessa semana. Seus poemas são lidos, avidamente, e copiados por milhares de leitores Brasil afora, como muitos já me confidenciaram por e-mail.
Finalmente, por último, temos o Urariano. Mas, como já dizia Cristo, “os últimos serão os primeiros”. Esse excelente escritor pernambucano nos trouxe, em pouco mais de uma centena de textos que publicou no Literário, páginas líricas e trágicas, factuais e de bem-elaborada ficção, alegres e tristes, todas, porém, num gostoso tom coloquial. É como se estivesse conosco num fim de tarde, em algum bar em que parássemos para relaxar, e nos expusesse suas idéias, de forma natural, livre e espontânea. É um dos colunistas com os quais mais aprendi. Por isso, trato-o, sempre, respeitosamente, de “mestre”, que é como o considero.
Só tenho uma pequena restrição a fazer neste espaço que é nosso, dos profissionais de comunicação: a ainda pequena participação dos leitores. Para um escritor (e aqui, mais do que jornalistas, todos, são escritores), a interatividade é, não somente importante, mas fundamental. Claro, estou me referindo a críticas pertinentes e bem-fundamentadas, feitas com inteligência e tirocínio, pois este é um espaço nobre, de arte e cultura e não um desses tantos chats inúteis e desnecessários, que pululam internet afora.
Por tudo o que expus, portanto, envio meus parabéns a esses generosos talentos, que tenho o orgulho e a responsabilidade de coordenar e que são os responsáveis diretos pelos dois anos de sucesso do Literário. E que este terceiro ano que ora se inicia seja melhor, muitíssimo melhor do que os dois que passaram. Com este “time de feras” estou certo que será!
O espaço Literário do Comunique-se completa, hoje, exatamente dois anos da sua primeira edição. Puxa! Já! Como o tempo passa! Trata-se, acima de tudo, de uma feliz coincidência isso ocorrer exatamente nesta quinta-feira, 27 de março. E por que feliz? Eu poderia apontar várias razões para isso, mas apontarei apenas duas, que considero básicas: primeira, pelo fato de hoje ser o dia da minha coluna semanal nessa seção e, segunda, por eu ter o privilégio e a responsabilidade de ser o seu editor.
Como se vê, juntam-se a fome e a vontade de comer. Permanecendo ainda no terreno dos clichês, mato, com isso, dois coelhos com uma única paulada: preencho a minha coluna semanal e, ao mesmo tempo, tenho a oportunidade de abordar alguns aspectos que o leitor mais distraído não percebeu ainda, referentes a este espaço (o atento, com certeza, já teve há tempos essa percepção).
O Literário é, acima de tudo, um grande painel de talentos. Reúne jornalistas de várias gerações, estilos, tendências e visões de mundo, representando “quase” todas as regiões deste país-continente (a exceção é o Norte, a Amazônia, que teve, sim, o seu representante, o paraense Euclides Farias que, no entanto, por não conseguir conciliar as atividades jornalísticas e literárias, abriu mão desse espaço. Uma pena!).
Literatura é, antes de tudo, vivência. O escritor tem, como principal matéria-prima, além dos conhecimentos que adquire com a leitura e a observação, suas experiências pessoais. Costumes regionais, lendas, histórias contadas pelos pais e avós etc., são todos reunidos num grande “caldeirão”, de onde emergem suas crônicas, contos, poesias, ensaios etc. Daí a importância que dou aos regionalismos.
Como afirmei antes, “quase” todas as regiões do País são representadas no Literário. Do Centro-Oeste, mais especificamente do Distrito Federal, de Brasília, por exemplo, nos vem esta sensível poetisa, que é a Aliene Coutinho. O Nordeste, também, está muito bem-representado, por quatro jornalistas experientes e escritores de muitos recursos. Temos, dessa região, os pernambucanos Urariano Mota e Talis Andrade, a potiguar Evelyne Furtado e o carioca (com alma de sertanejo baiano) Pedro Diedrich, o polêmico (mas querido) Seu Pedro.
Já do Sul do País contamos com três representantes: o mestre Nei Duclós (que embora gaúcho, como eu, representa Santa Catarina); meu também conterrâneo Rodrigo Ramazzini, este sim representando o Rio Grande do Sul e Edmundo Pacheco, que nos traz as coisas do Paraná.
Deixei o Sudeste por último de propósito, por ser a região mais representada no Literário. Essa representação vem dos seus três principais Estados: Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Das Alterosas nos vêm Eduardo Murta, de Belo Horizonte; e Marcos Alves, do Sul de Minas. E temos, aqui, uma “coringa”, a Ruth Barros. Explico: embora mineira de origem, ela representa ora o Rio de Janeiro, ora São Paulo.
A Cidade Maravilhosa conta, ainda, com dois outros representantes ilustres: Daniel Santos e Celamar Maione. São só dois, mas valem por milhões! Finalmente, resta o Estado mais representado no Literário. Claro que me refiro a São Paulo, cuja representação se divide entre a Capital e o Interior. Os paulistanos são três: André Falavigna, da “República Federativa do Cambuci”; Fábio de Lima, que defende a tradicional Vila Mariana (onde já residi) e a querida poetisa Solange Sólon Borges.
O Interior é representado por jornalistas que têm alguma vinculação com a principal metrópole interiorana, Campinas: eu, que embora gaúcho de nascimento, sou campineiro de coração (aqui resido há felizes e profícuos 44 anos e amo de paixão a ex-terra das andorinhas); Marcelo Sguassábia e Laís de Castro, que embora atue na Capital, tem fortes vínculos com esta comunidade generosa e culta.
Somando todos, chegaremos a 19 colunistas fixos. “Por que não 20?”, perguntará o leitor atento e curioso. Porque a vigésima vaga está reservada a um representante do Norte do País, quando este aparecer. Estou certo de que vai. É mera questão de tempo e de oportunidade.
Essa variedade de regiões implica, igualmente, em multiplicidade de estilos, gêneros literários explorados e temas abordados. Aliene, por exemplo, destaca-se por seus poemas intimistas e crônicas de reminiscências. Celamar, todos sabem, tem um talento raro para explorar, com humor e perspicácia, os dramas do cotidiano. É a nossa “Nelson Rodrigues de saia”, posto que com um estilo próprio e característico. Apenas a temática é “rodriguiana”.
Ruth, com humor, nos traz as grandes verdades, que às vezes relutamos em trazer a público. Inicialmente, valeu-se da personagem Anabel Serranegra para compor crônicas em que o ridículo e o sublime se misturam e se confundem e, atualmente, nos relata, com muita picardia, as “memórias” da Mula Manca.
Os textos de Eduardo Murta são repletos de lirismo, ora caracterizados como crônicas, ora descambando para o conto. Esse escreve bem demais, sô! Como todos os demais colunistas, conta com um grande fã clube. Já Daniel Santos é uma espécie de “engenheiro da palavra”. Mostra que não é preciso escrever textos longos e cansativos para expressar as grandes verdades. Sua característica, pois, é a precisão. Escreve pouco (em quantidade de linhas), mas muitíssimo em conteúdo.
O forte de Edmundo Pacheco são as histórias de ficção científica, em que dita cátedra e esbanja criatividade. Fábio de Lima é o mais humano dos nossos cronistas, expondo, com maestria, as fragilidades afetivas (suas e as que todos temos e buscamos esconder). Laís de Castro é poetisa de mão cheia e mesmo quando escreve contos e crônicas, não esconde sua fecunda veia poética.
Seu Pedro é o cronista do Sertão e nos brinda com histórias deliciosas, de profundo valor humanístico, do interiorzão do nosso País. Evelyne Furtado, por seu turno, é toda ternura e suas palavras “adoçam” até os mais empedernidos corações. E o que dizer do André Falavigna, o “Barba”? É um mega-talento! Não tem papas na língua (diria, no texto), e expõe as grandes verdades de forma nua e crua, na lata. Mas é tão exímio no uso da palavra, que até os palavrões que escreve (e escreve muuutos) adquirem caráter literário e soam naturais. Afinal, não é dessa forma que nos expressamos no cotidiano?! Esse é bom demais!
Nei Duclós é o mestre. Jornalista experiente, escritor maduro, é, se não o maior, um dos maiores talentos do Literário (e do País, que anda um tanto carente deles de uns tempos para cá). Suas colunas são verdadeiras lições da arte de bem-escrever. Marcos Alves, por seu turno, é o autêntico cronista do cotidiano. Arguto observador, faz, dos fatos aparentemente triviais, do dia a dia, matérias-primas de crônicas inesquecíveis.
De Marcelo Sguassábia, a exemplo de Falavigna, brota criatividade por todos os poros. É, sem dúvida, um dos cronistas mais criativos da atualidade, em todo o País. Elabora histórias sumamente pitorescas, que expõe com finíssimo humor e uma pontinha inteligentíssima de ironia, mas de forma sutil e perita.
Talis Andrade, para mim, é, sem tirar e nem pôr, o poeta completo. Não há um único poema desse prolífico e vivido pernambucano em que se possa encontrar algum senão, alguma impropriedade, alguma imprecisão, seja qual for. Modesto, relutou em aceitar os insistentes convites que lhe fiz para integrar nosso quadro fixo de colunistas. Como sou muito persuasivo (provavelmente chato), consegui, afinal, convencê-lo, para felicidade, é claro, dos leitores.
O jovem Rodrigo Ramazzini, certamente o “caçula” deste “Butantã”, nos traz histórias deliciosas dos pampas, em que o fator surpresa está sempre presente. Vejo um futuro dos mais brilhantes no caminho dessa “jóia rara” do jornalismo e da literatura. Sobre Ruth, já comentei. É humor puro, posto que às vezes um tanto ácido, o que lhe dá um sabor especial. Afinal, quem foi que disse que as grandes verdades não possam ser ditas rindo?, já sugeria o poeta romano Horácio, há dois mil anos.
Solange balança corações. Quando se faz ausente da sua coluna, falta brilho e calor ao Literário nessa semana. Seus poemas são lidos, avidamente, e copiados por milhares de leitores Brasil afora, como muitos já me confidenciaram por e-mail.
Finalmente, por último, temos o Urariano. Mas, como já dizia Cristo, “os últimos serão os primeiros”. Esse excelente escritor pernambucano nos trouxe, em pouco mais de uma centena de textos que publicou no Literário, páginas líricas e trágicas, factuais e de bem-elaborada ficção, alegres e tristes, todas, porém, num gostoso tom coloquial. É como se estivesse conosco num fim de tarde, em algum bar em que parássemos para relaxar, e nos expusesse suas idéias, de forma natural, livre e espontânea. É um dos colunistas com os quais mais aprendi. Por isso, trato-o, sempre, respeitosamente, de “mestre”, que é como o considero.
Só tenho uma pequena restrição a fazer neste espaço que é nosso, dos profissionais de comunicação: a ainda pequena participação dos leitores. Para um escritor (e aqui, mais do que jornalistas, todos, são escritores), a interatividade é, não somente importante, mas fundamental. Claro, estou me referindo a críticas pertinentes e bem-fundamentadas, feitas com inteligência e tirocínio, pois este é um espaço nobre, de arte e cultura e não um desses tantos chats inúteis e desnecessários, que pululam internet afora.
Por tudo o que expus, portanto, envio meus parabéns a esses generosos talentos, que tenho o orgulho e a responsabilidade de coordenar e que são os responsáveis diretos pelos dois anos de sucesso do Literário. E que este terceiro ano que ora se inicia seja melhor, muitíssimo melhor do que os dois que passaram. Com este “time de feras” estou certo que será!
Wednesday, March 26, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Às vezes, circunstâncias da vida levam-nos à tentação de jogar tudo para o alto, de abrir mão dos ideais que nos empolgaram na juventude e de desistir dos nossos sonhos. Julgamo-nos castigados por Deus, quando, na verdade Este não castiga ninguém, por ser a fonte do genuíno amor. Obstáculos existem, é verdade, e muitos, em nosso caminho, de todos os tamanhos e intensidades. Mas são essas dificuldades – que nos aborrecem tanto quando se manifestam – que valorizam nossas conquistas e as enobrecem, por menores que elas sejam. Há quem chega ao extremo de desacreditar de tudo e de todos e que desiste, até mesmo, das pessoas que ama. Nada pior e mais injusto do que isso. Os obstáculos têm que ser encarados como desafios, até como privilégios que a vida nos proporciona, por se tratarem de oportunidades para mostrarmos nosso valor. É Fernando Pessoa que nos exorta, num texto magistral: “Jamais desista de si mesmo. Jamais desista das pessoas que você ama”.
Verdadeira superioridade
Pedro J. Bondaczuk
O poeta e aventureiro italiano, Gabriele D’Annunzio, escreveu, em certa ocasião, algo que desde que li, não parei mais de meditar a respeito. Ressalto que, nem tudo o que ele fez e/ou escreveu é do meu agrado. Já escrevi, inclusive, a seu respeito, em texto anterior, publicado aqui mesmo, neste nobre espaço, apontando aspectos nada exemplares da sua vida e sua obra.
Porém, este trecho, para mim, é especialmente marcante, e concordo com cada uma das suas palavras, cuja veracidade tive a oportunidade de comprovar. A referida citação é a seguinte: “É preciso fazer a própria vida como se faz uma obra de arte. É preciso que a vida de um homem inteligente seja produzida por ele. A verdadeira superioridade não passa disso”. Não passa mesmo!
Conheci uma pessoa que agiu exatamente dessa forma: fez da vida uma sucessão de exemplos, perfeita e belíssima obra de arte. Não se tratou, aviso de antemão, de nenhum astro de rock, ator de novela ou cinema, jogador de futebol ou algo que o valha. Não foi político, médico, engenheiro, advogado, jornalista, cientista etc. etc. etc., nada disso.
Essa pessoa que conheci, e a que me refiro, foi simples mestre-de-obras. Aliás, meu relacionamento com ela foi mais, muito mais do que o de mero conhecimento. Esse ser humano especial é, antes de tudo, responsável por eu existir. E, muito mais ainda do que isso, me incutiu na mente – não mediante meras palavras, mas por ações, atitudes e exemplos –, a ferro e fogo, os princípios que sempre nortearam (e ainda norteiam, claro) os meus passos há já um par de décadas. É meu ídolo, meu herói, meu paradigma, meu referencial.
Refiro-me ao meu pai, a quem devo, há tempos, este comovido testemunho público (que se danem os que acharem este texto piegas!). E para que fique devidamente consignado, e todos os que lerem estas confidências saibam quem de fato foi, declino, com orgulho, seu nome: Ananii Bondaczuk.
Quem o conheceu pessoalmente (e foram muitos, já que se tratava de pessoa extremamente comunicativa, com um círculo de amigos que não tinha fim), sabe que, se algum exagero houver em minhas palavras, este é para menos. Ou seja, foi um homem muito mais exemplar do que eu conseguiria expressar.
Em sua aldeia natal, na Rússia – de onde saiu, aos 16 anos, em 1937, por decisão de seu pai, meu avô, que era muito religioso e lutava por liberdade para exercer sua crença – foi um estudante aplicado e curioso. Não é nenhum exagero dizer que era um aluno brilhante, sempre obtendo a nota máxima em todas as disciplinas. Amava os estudos!
Arrancado de suas raízes, veio parar em um país exótico, onde tudo era diferente do que até então conhecera: língua, costumes, clima etc. Não tardou, porém, em se adaptar. E adotou o Brasil como sua única e definitiva pátria nos 70 anos que aqui viveu. Dava gosto de vê-lo defendendo sua terra de adoção de críticas de outros imigrantes (e de próprios brasileiros), com vigor inusitado e com incontida paixão.
Na mocidade, perambulou pela Argentina, trabalhando na construção de estradas. Sonhava cursar engenharia, mas nunca conseguiu. As circunstâncias não permitiram que realizasse esse sonho. Casou jovem, aos 21 anos e, um ano depois, já era pai. Teve, contudo, a infelicidade de ver seu filho mais velho acometido de paralisia infantil. Não se abateu. Decidiu que, paralítico ou não, faria desse menino um vencedor. E fez.
Mudou-se para São Paulo, apenas com a roupa do corpo, mal sabendo falar português, e com dois filhos nos braços, um dos quais com esse problema de saúde citado. Dotado de férrea força de vontade, aprendeu a ler, sozinho, em uma velha Bíblia, nesse idioma que para um russo era dos mais exóticos, em que até o alfabeto era diferente do seu. De quebra, alfabetizou o filho, que entrou para a escola já sabendo ler e escrever correntemente.
Tinha facilidade para línguas. Aprendeu sete delas sozinho. Sua profissão inicial (não por muito tempo) era a de carpinteiro. Logo, foi guindado à função de mestre de obras e participou da construção de mais de uma centena de prédios em São Paulo, dos mais famosos e luxuosos, que sempre me exibia com orgulho, quando passeávamos pelo centro (velho e novo) da cidade.
Mas um dos feitos de que mais se orgulhava era o de haver participado dessa magnífica “saga” nacional em que se constituiu a construção de Brasília. Trabalhou, com gana, dedicação e amor ao trabalho, até os 65 anos, quando se aposentou por tempo de serviço, já com um patrimônio razoável e arrancado, todo ele, com o suor do próprio rosto, sem a ajuda de ninguém.
Mas não parou para descansar. Era um homem incansável, um guerreiro, no melhor sentido do termo. Pôs na cabeça que era chegado o momento de mexer com o que mais gostava de fazer: o trato da terra. Transformou um enorme terreno abandonado, coberto de mato, pertencente à minha irmã, situado na divisa de Itu com Sorocaba, num dos sítios mais valorizados, bem-cultivados e produtivos da região. E tudo isso sozinho, sem a ajuda de ninguém!
Ali, trabalhou, com o entusiasmo de um menino, até os 85 anos, feliz como um passarinho. Entre outras coisas, criou um apiário moderno e bem-cuidado, “coisa de cinema”. Gostava de abelhas e parecia “conversar” com elas. Não usava sequer proteção contra os enxames e nunca foi picado por um único desses temperamentais insetos, que tratava como “bichinhos de estimação”. E eram.
Não se submeteu às inúmeras circunstâncias adversas com que teve que se haver, mas amoldou-as aos seus propósitos e construiu uma obra de arte de inestimável valor: a própria vida. Conquistou a verdadeira grandeza! E, enquanto eu viver, jamais haverei de permitir que a sua saga pessoal venha a ser esquecida, mesmo sob o risco de ser mal-interpretado. Que me importa?!
Até um dia, querido amigão! Está insuportável esta saudade que você me deixou!!!
O poeta e aventureiro italiano, Gabriele D’Annunzio, escreveu, em certa ocasião, algo que desde que li, não parei mais de meditar a respeito. Ressalto que, nem tudo o que ele fez e/ou escreveu é do meu agrado. Já escrevi, inclusive, a seu respeito, em texto anterior, publicado aqui mesmo, neste nobre espaço, apontando aspectos nada exemplares da sua vida e sua obra.
Porém, este trecho, para mim, é especialmente marcante, e concordo com cada uma das suas palavras, cuja veracidade tive a oportunidade de comprovar. A referida citação é a seguinte: “É preciso fazer a própria vida como se faz uma obra de arte. É preciso que a vida de um homem inteligente seja produzida por ele. A verdadeira superioridade não passa disso”. Não passa mesmo!
Conheci uma pessoa que agiu exatamente dessa forma: fez da vida uma sucessão de exemplos, perfeita e belíssima obra de arte. Não se tratou, aviso de antemão, de nenhum astro de rock, ator de novela ou cinema, jogador de futebol ou algo que o valha. Não foi político, médico, engenheiro, advogado, jornalista, cientista etc. etc. etc., nada disso.
Essa pessoa que conheci, e a que me refiro, foi simples mestre-de-obras. Aliás, meu relacionamento com ela foi mais, muito mais do que o de mero conhecimento. Esse ser humano especial é, antes de tudo, responsável por eu existir. E, muito mais ainda do que isso, me incutiu na mente – não mediante meras palavras, mas por ações, atitudes e exemplos –, a ferro e fogo, os princípios que sempre nortearam (e ainda norteiam, claro) os meus passos há já um par de décadas. É meu ídolo, meu herói, meu paradigma, meu referencial.
Refiro-me ao meu pai, a quem devo, há tempos, este comovido testemunho público (que se danem os que acharem este texto piegas!). E para que fique devidamente consignado, e todos os que lerem estas confidências saibam quem de fato foi, declino, com orgulho, seu nome: Ananii Bondaczuk.
Quem o conheceu pessoalmente (e foram muitos, já que se tratava de pessoa extremamente comunicativa, com um círculo de amigos que não tinha fim), sabe que, se algum exagero houver em minhas palavras, este é para menos. Ou seja, foi um homem muito mais exemplar do que eu conseguiria expressar.
Em sua aldeia natal, na Rússia – de onde saiu, aos 16 anos, em 1937, por decisão de seu pai, meu avô, que era muito religioso e lutava por liberdade para exercer sua crença – foi um estudante aplicado e curioso. Não é nenhum exagero dizer que era um aluno brilhante, sempre obtendo a nota máxima em todas as disciplinas. Amava os estudos!
Arrancado de suas raízes, veio parar em um país exótico, onde tudo era diferente do que até então conhecera: língua, costumes, clima etc. Não tardou, porém, em se adaptar. E adotou o Brasil como sua única e definitiva pátria nos 70 anos que aqui viveu. Dava gosto de vê-lo defendendo sua terra de adoção de críticas de outros imigrantes (e de próprios brasileiros), com vigor inusitado e com incontida paixão.
Na mocidade, perambulou pela Argentina, trabalhando na construção de estradas. Sonhava cursar engenharia, mas nunca conseguiu. As circunstâncias não permitiram que realizasse esse sonho. Casou jovem, aos 21 anos e, um ano depois, já era pai. Teve, contudo, a infelicidade de ver seu filho mais velho acometido de paralisia infantil. Não se abateu. Decidiu que, paralítico ou não, faria desse menino um vencedor. E fez.
Mudou-se para São Paulo, apenas com a roupa do corpo, mal sabendo falar português, e com dois filhos nos braços, um dos quais com esse problema de saúde citado. Dotado de férrea força de vontade, aprendeu a ler, sozinho, em uma velha Bíblia, nesse idioma que para um russo era dos mais exóticos, em que até o alfabeto era diferente do seu. De quebra, alfabetizou o filho, que entrou para a escola já sabendo ler e escrever correntemente.
Tinha facilidade para línguas. Aprendeu sete delas sozinho. Sua profissão inicial (não por muito tempo) era a de carpinteiro. Logo, foi guindado à função de mestre de obras e participou da construção de mais de uma centena de prédios em São Paulo, dos mais famosos e luxuosos, que sempre me exibia com orgulho, quando passeávamos pelo centro (velho e novo) da cidade.
Mas um dos feitos de que mais se orgulhava era o de haver participado dessa magnífica “saga” nacional em que se constituiu a construção de Brasília. Trabalhou, com gana, dedicação e amor ao trabalho, até os 65 anos, quando se aposentou por tempo de serviço, já com um patrimônio razoável e arrancado, todo ele, com o suor do próprio rosto, sem a ajuda de ninguém.
Mas não parou para descansar. Era um homem incansável, um guerreiro, no melhor sentido do termo. Pôs na cabeça que era chegado o momento de mexer com o que mais gostava de fazer: o trato da terra. Transformou um enorme terreno abandonado, coberto de mato, pertencente à minha irmã, situado na divisa de Itu com Sorocaba, num dos sítios mais valorizados, bem-cultivados e produtivos da região. E tudo isso sozinho, sem a ajuda de ninguém!
Ali, trabalhou, com o entusiasmo de um menino, até os 85 anos, feliz como um passarinho. Entre outras coisas, criou um apiário moderno e bem-cuidado, “coisa de cinema”. Gostava de abelhas e parecia “conversar” com elas. Não usava sequer proteção contra os enxames e nunca foi picado por um único desses temperamentais insetos, que tratava como “bichinhos de estimação”. E eram.
Não se submeteu às inúmeras circunstâncias adversas com que teve que se haver, mas amoldou-as aos seus propósitos e construiu uma obra de arte de inestimável valor: a própria vida. Conquistou a verdadeira grandeza! E, enquanto eu viver, jamais haverei de permitir que a sua saga pessoal venha a ser esquecida, mesmo sob o risco de ser mal-interpretado. Que me importa?!
Até um dia, querido amigão! Está insuportável esta saudade que você me deixou!!!
Tuesday, March 25, 2008
REFLEXÃO DO DIA
A vida nos proporciona a oportunidade de gozar de prazeres simples, perfeitamente ao nosso alcance, mas que foram e são furiosamente condenados por masoquistas ascetas e arrogantes pseudo-filósofos, que investem contra toda e qualquer satisfação da carne. Estão errados. É verdade que a comida, a bebida e os prazeres do sexo apenas são bons, desejáveis e recomendados se usufruídos com moderação. Os excessos é que são condenáveis. Há, por exemplo, mais pessoas que morrem em conseqüência de comerem demais, do que de fome, pelo mundo afora. Isto não quer dizer, no entanto, que devamos nos privar de uma comida deliciosa e saudável, ou de uma bebida de bom sabor, desde que consumidas na medida certa. Will Durant afirma a respeito: “A filosofia tem de admitir que não é nela, mas sim na vida, que o homem deve encontrar suas maiores satisfações; não na biblioteca ou na cela monástica, mas na satisfação dos seus instintos mais antigos”.
Riso ou choro?
Pedro J. Bondaczuk
O padre Antonio Vieira afirmou, em um debate (pouco conhecido) que travou, no palácio da ex-rainha Cristina Alexandra, da Suécia, em Roma, no ano de 1674: “Demócrito ria, porque todas as coisas humanas lhe pareciam ignorâncias; Heráclito chorava porque todas lhe pareciam misérias: logo maior razão tinha Heráclito de chorar, que Demócrito de rir; porque neste mundo há muitas misérias que não são ignorâncias, e não há ignorância que não seja miséria”.
A questão posta naquela oportunidade era quem tinha razão: o filósofo que havia rido, com indisfarçável sarcasmo, das coisas do homem ou o que tinha chorado, compadecido das suas fraquezas. Seu companheiro de debate era o colega jesuíta, Jerônimo Catâneo. O salão da ex-rainha era famoso nessa época pelo alto nível das discussões que lá ocorriam. A idéia do desafio havia partido dela, que estipulara, aleatoriamente, os papéis que caberiam aos dois célebres oradores sacros. A um, competiria a tarefa de advogar o choro e a outro, conseqüentemente, a de defender o riso.
Nesse dia, vários ilustres convidados estavam presentes. Eram pessoas não somente do clero, mas também filósofos, advogados, médicos e artistas das mais diversas modalidades de arte. Pode-se dizer que toda a elite pensante da Cidade Eterna marcava presença. O salão estava repleto, bem mais do que de costume. A fama de Antonio Vieira havia ultrapassado fronteiras e se consolidava, mais e mais, à medida que o tempo passava.
Fazia 20 anos que Cristina estava em Roma, após abdicar do trono, ao se converter ao catolicismo. Já o ilustre sacerdote estava na cidade há cinco anos, desde 1669, após ser libertado da prisão, perseguido que fora, em Portugal, pela Inquisição, por defender o direito dos judeus de terem a sua crença respeitada. Fora, até mesmo, convidado para ser o pregador particular da ex-rainha, mas recusara, argumentando que era exclusivo do seu rei, do qual estava, então, distante (em todos os sentidos). Catâneo, por seu turno, não era menos ilustre e competente do que seu companheiro de debates, embora não tão brilhante na argumentação e, muito menos, tão incisivo e carismático.
Faz-se indispensável, aqui, um breve esclarecimento ao leitor, não afeito à filosofia, notadamente a grega, sobre quem foram os dois filósofos citados no desafio. Demócrito de Abdera, que viveu entre cerca de 460 AC e 370 AC, embora considerado pré-socrático, foi contemporâneo de Sócrates. Seu grande feito foi o de popularizar a teoria atômica, ou atomismo. Escreveu cerca de 90 livros e é dele a célebre frase: “Tudo o que existe no universo é fruto do acaso ou da necessidade”.
Heráclito de Éfeso, por seu turno, é bastante anterior a Demócrito. Viveu entre 540 AC e 470 AC. Ele, sim, pode ser chamado, sem susto e sem erro, de pré-socrático. É considerado, no mundo da filosofia, como “pai da dialética”, ou seja, da arte do diálogo. Contudo, a despeito disso, passou para a história com o apelido de “Obscuro”. Paradoxal, não é verdade? Mas essa foi a fama que deixou, notadamente por causa do seu livro mais conhecido, “Sobre a natureza”, escrito num estilo nada claro, ambíguo até, próximo a sentenças oraculares, que permitiam múltiplas interpretações. Entre tantas de suas citações, a mais conhecida e repetida nos últimos 26 séculos é: “Nunca as águas de um rio são as mesmas”. O foco central do seu pensamento é a constatação de que tudo é movimento e que nada pode permanecer estático.
Como se vê, a tese, defendida por Catâneo, tinha tudo para ser a vencedora, dada, inclusive, a maior popularidade de Demócrito junto à elite pensante daquele tempo. Mas Vieira era um gênio. Com a eloqüência que o caracterizava, e que fez dele, sem favor nenhum, se não o maior (para mim é) um dos maiores oradores sacros de todos os tempos, demoliu, um a um, os argumentos do oponente e convenceu a platéia que a tese do choro era a correta.
E, de fato, há muitas misérias (e põe muitas nisso!) que não são ignorâncias. São ditadas pelas circunstâncias e única e exclusivamente por estas. Não são, portanto, risíveis, mas dignas de pranto. Ademais, é uma generalização sem sentido (que por não ser obviamente verdadeira, descamba para a estupidez) afirmar que “todas” as coisas humanas são ignorâncias. Afinal, Demócrito se referia à única criatura racional conhecida no universo. Àquela que, com o poder do raciocínio e a força da imaginação, supera sua pequenez e efemeridade e desvenda, um a um, os potencialmente indevassáveis segredos do cosmo. À que criou desde a linguagem inteligível com que se comunica com os semelhantes, ao alfabeto, à filosofia, às artes, à ciência etc.etc.etc.
Em contrapartida, não há ignorância que não seja miséria. Ela é que é o “inimigo” a ser combatido e vencido, com a “arma” do esclarecimento. Claro que o tema é muito rico e comporta páginas e mais páginas de argumentos e de comentários. Mas fiquemos, hoje, por aqui. Mas, como exercício de raciocínio e reflexão, que cada qual dos leitores tente responder, com argumentação sólida e inteligente (como fizeram Vieira e Catâneo, em 1674, no salão da ex-rainha Cristina Alexandra) à questão: “Quem estava certo? Demócrito, ao rir das coisas humanas ou Heráclito ao chorar as misérias que nos assolam?
O padre Antonio Vieira afirmou, em um debate (pouco conhecido) que travou, no palácio da ex-rainha Cristina Alexandra, da Suécia, em Roma, no ano de 1674: “Demócrito ria, porque todas as coisas humanas lhe pareciam ignorâncias; Heráclito chorava porque todas lhe pareciam misérias: logo maior razão tinha Heráclito de chorar, que Demócrito de rir; porque neste mundo há muitas misérias que não são ignorâncias, e não há ignorância que não seja miséria”.
A questão posta naquela oportunidade era quem tinha razão: o filósofo que havia rido, com indisfarçável sarcasmo, das coisas do homem ou o que tinha chorado, compadecido das suas fraquezas. Seu companheiro de debate era o colega jesuíta, Jerônimo Catâneo. O salão da ex-rainha era famoso nessa época pelo alto nível das discussões que lá ocorriam. A idéia do desafio havia partido dela, que estipulara, aleatoriamente, os papéis que caberiam aos dois célebres oradores sacros. A um, competiria a tarefa de advogar o choro e a outro, conseqüentemente, a de defender o riso.
Nesse dia, vários ilustres convidados estavam presentes. Eram pessoas não somente do clero, mas também filósofos, advogados, médicos e artistas das mais diversas modalidades de arte. Pode-se dizer que toda a elite pensante da Cidade Eterna marcava presença. O salão estava repleto, bem mais do que de costume. A fama de Antonio Vieira havia ultrapassado fronteiras e se consolidava, mais e mais, à medida que o tempo passava.
Fazia 20 anos que Cristina estava em Roma, após abdicar do trono, ao se converter ao catolicismo. Já o ilustre sacerdote estava na cidade há cinco anos, desde 1669, após ser libertado da prisão, perseguido que fora, em Portugal, pela Inquisição, por defender o direito dos judeus de terem a sua crença respeitada. Fora, até mesmo, convidado para ser o pregador particular da ex-rainha, mas recusara, argumentando que era exclusivo do seu rei, do qual estava, então, distante (em todos os sentidos). Catâneo, por seu turno, não era menos ilustre e competente do que seu companheiro de debates, embora não tão brilhante na argumentação e, muito menos, tão incisivo e carismático.
Faz-se indispensável, aqui, um breve esclarecimento ao leitor, não afeito à filosofia, notadamente a grega, sobre quem foram os dois filósofos citados no desafio. Demócrito de Abdera, que viveu entre cerca de 460 AC e 370 AC, embora considerado pré-socrático, foi contemporâneo de Sócrates. Seu grande feito foi o de popularizar a teoria atômica, ou atomismo. Escreveu cerca de 90 livros e é dele a célebre frase: “Tudo o que existe no universo é fruto do acaso ou da necessidade”.
Heráclito de Éfeso, por seu turno, é bastante anterior a Demócrito. Viveu entre 540 AC e 470 AC. Ele, sim, pode ser chamado, sem susto e sem erro, de pré-socrático. É considerado, no mundo da filosofia, como “pai da dialética”, ou seja, da arte do diálogo. Contudo, a despeito disso, passou para a história com o apelido de “Obscuro”. Paradoxal, não é verdade? Mas essa foi a fama que deixou, notadamente por causa do seu livro mais conhecido, “Sobre a natureza”, escrito num estilo nada claro, ambíguo até, próximo a sentenças oraculares, que permitiam múltiplas interpretações. Entre tantas de suas citações, a mais conhecida e repetida nos últimos 26 séculos é: “Nunca as águas de um rio são as mesmas”. O foco central do seu pensamento é a constatação de que tudo é movimento e que nada pode permanecer estático.
Como se vê, a tese, defendida por Catâneo, tinha tudo para ser a vencedora, dada, inclusive, a maior popularidade de Demócrito junto à elite pensante daquele tempo. Mas Vieira era um gênio. Com a eloqüência que o caracterizava, e que fez dele, sem favor nenhum, se não o maior (para mim é) um dos maiores oradores sacros de todos os tempos, demoliu, um a um, os argumentos do oponente e convenceu a platéia que a tese do choro era a correta.
E, de fato, há muitas misérias (e põe muitas nisso!) que não são ignorâncias. São ditadas pelas circunstâncias e única e exclusivamente por estas. Não são, portanto, risíveis, mas dignas de pranto. Ademais, é uma generalização sem sentido (que por não ser obviamente verdadeira, descamba para a estupidez) afirmar que “todas” as coisas humanas são ignorâncias. Afinal, Demócrito se referia à única criatura racional conhecida no universo. Àquela que, com o poder do raciocínio e a força da imaginação, supera sua pequenez e efemeridade e desvenda, um a um, os potencialmente indevassáveis segredos do cosmo. À que criou desde a linguagem inteligível com que se comunica com os semelhantes, ao alfabeto, à filosofia, às artes, à ciência etc.etc.etc.
Em contrapartida, não há ignorância que não seja miséria. Ela é que é o “inimigo” a ser combatido e vencido, com a “arma” do esclarecimento. Claro que o tema é muito rico e comporta páginas e mais páginas de argumentos e de comentários. Mas fiquemos, hoje, por aqui. Mas, como exercício de raciocínio e reflexão, que cada qual dos leitores tente responder, com argumentação sólida e inteligente (como fizeram Vieira e Catâneo, em 1674, no salão da ex-rainha Cristina Alexandra) à questão: “Quem estava certo? Demócrito, ao rir das coisas humanas ou Heráclito ao chorar as misérias que nos assolam?
Monday, March 24, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Valorizamos em excesso esse simulacro de civilização que aí está e nos encantamos com os valores materiais que são seus fundamentos. Esquecemos que ela privilegia ínfima minoria, em detrimento da maioria, que vegeta na miséria, ignorância e violência, sem perspectivas de mudança para melhor. É fato que criticamos as injustiças, mas pouco, ou nada fazemos para mudar esse estado de coisas. O conforto da vida moderna nos amolece e neutraliza a fibra para lutar por ideais elevados. Essa “civilização” é um fracasso, quando se sabe que dois terços da humanidade vegetam nos limites da indigência para sustentar os desperdícios do um terço restante. Concordo com o poeta Gibran Khalil Gibran quando, em seu magnífico livro “O Profeta”, constata: “A civilização é uma árvore idosa e carcomida, cujas flores são a cobiça e o engano e cujos frutos são a infelicidade e o desassossego”. E será sempre assim, piorando de ano para ano, se não fizermos nada para mudá-la.
Coração partido
Pedro J. Bondaczuk
O que seria do mundo se não houvesse amor, em suas várias formas de manifestação? Se com ele, já há tanta miséria, egoísmo, injustiças e corrupção, sem ele, provavelmente, nossa espécie já teria se auto-destruído, num torvelinho dantesco de violência e de horror.
É o amor que nos dá forças para suportar as intempéries da vida. É ele que nos motiva às grandes realizações. Por ele, desenvolvemos nossas melhores características e sufocamos os mais baixos instintos.
Foi o amor que motivou a construção de cidades, templos e monumentos. Foi ele que inspirou os mais belos poemas, canções, pinturas e esculturas. Ele é que nos faz amar a vida e ter esperanças de um mundo melhor. Até os mais sanguinários bandidos, os mais perversos e cruéis, já experimentaram, um dia, as delícias do amor, o que os impediu de serem ainda piores.
Pouca coisa, porém, é tão dolorosa, tão aflitiva, quanto um amor não-correspondido. As pessoas que já passaram por essa situação (e poucos escaparam dela), sabem o quanto isso dói, que sofrimentos causa, quantas marcas deixa! Os poetas, até, criaram metáfora para esse tipo de frustração: “coração partido”. Hoje, pode-se afirmar, sem nenhum exagero, que essa não-correspondência a tão profundo sentimento pode provocar tantos danos ao centro de dor do cérebro quanto uma ferida física real. E não se trata de poesia.
Tenho em mãos recorte de matéria publicada no jornal Correio Popular de Campinas em 19 de outubro de 2003, a esse propósito. O texto diz que pesquisadores da Califórnia descobriram bases fisiológicas de “dor social”, ao examinarem cérebros de pessoas que pensaram terem sido premeditadamente excluídas de jogos de computador por outros competidores.
“Bobagem!”, dirão alguns. “O que esse tipo de exclusão tem a ver com amor não-correspondido?”, indagarão, certamente, em tom de crítica, senão de deboche, julgando-se judiciosos e sentenciosos. A julgar pelas conclusões da doutora Naomi Eisenberger, cientista da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, autora do estudo, “tem tudo a ver”.
Com base nos dados que coletou, a pesquisadora concluiu que qualquer tipo de exclusão social, sem exceção – como um divórcio, como não ser convidado para uma festa, ou como ser rejeitado em uma conversa ou um encontro – tende a provocar danos à mesma região do cérebro que detecta a dor física. E que um amor não-correspondido “potencializa, em muito, esse efeito”.
Os poetas, portanto, mais uma vez, com base apenas na intuição, se anteciparam à ciência e chegaram antes a essa mesmíssima conclusão, posto que expressa em sua linguagem metafórica e floreada. Em determinadas situações, podemos, de fato, ficar com o “coração partido”. Literalmente... Para quem quiser conferir, na íntegra, o referido estudo, informo que ele foi publicado na edição de outubro de 2003 da revista especializada “Science”.
Um dos maiores desafios que temos, senão o maior, é o de tentar compreender as pessoas. Na maior parte das vezes, sequer nos conhecemos direito, quanto mais os outros. É verdade que todo o ser humano tem um conjunto de emoções e ações básico, como amor, ódio, alegria, tristeza, ganância, violência etc.etc.etc.
Todos nós, em determinadas circunstâncias, amamos, odiamos, nos alegramos, nos entristecemos, somos gananciosos, somos violentos etc.etc.etc. “Onde está, pois, a dificuldade?”, perguntarão os céticos. Está na intensidade desses sentimentos, ações e comportamentos. Está nas nuances, nos detalhes e na constância. Daí a compreensão se tratar do grande desafio que, de fato, é. Claro que quanto mais entendermos os que nos cercam, melhor será nossa convivência com eles.
Nada é mais triste e desolador, mais digno de pena e de lamentações, do que uma vida de solidão, sem a magia do amor. Não ter com quem compartilhar alegrias e tristezas, risos e prantos, sonhos e ideais e os próprios corpos, é a forma mais cruel e desumana de abandono. É uma desgraça! Essa necessidade de partilha, de afeto e de cumplicidade é essencial, não somente para a perpetuação da espécie (no que é imprescindível), mas para uma vida equilibrada, produtiva e feliz.
Podemos nos comparar a uma casa. Se nela houver a chama do amor, ela se mostrará sempre bela, viva, habitável e aquecida, mesmo que envelhecida. Se este fogo não existir, porém, embora se trate de mansão, será como estes castelos-fantasmas que a tradição garante que existem (notadamente na Inglaterra e na Escócia): sombrios e decadentes. O poeta finlandês, Risto Rasa, escreve, nos versos deste poema minimalista, intitulado “Sou como uma velha casa”: “Sou como uma velha casa./Se deixares de me aquecer, eu vou cair no abandono”. Qualquer pessoa normal cairá!
Espero, portanto, nunca ter “partido o coração” de quem quer que seja. O meu, todavia, já sofreu esse tipo de agressão inúmeras vezes (quem manda ser tão romântico e apaixonado! É o preço que se paga por isso) e posso testemunhar que doeu. E muito. Foi uma sensação horrível, não apenas de rejeição, mas se tratou de uma dor literalmente física, posto que difusa e impossível de ser descrita.
O que seria do mundo se não houvesse amor, em suas várias formas de manifestação? Se com ele, já há tanta miséria, egoísmo, injustiças e corrupção, sem ele, provavelmente, nossa espécie já teria se auto-destruído, num torvelinho dantesco de violência e de horror.
É o amor que nos dá forças para suportar as intempéries da vida. É ele que nos motiva às grandes realizações. Por ele, desenvolvemos nossas melhores características e sufocamos os mais baixos instintos.
Foi o amor que motivou a construção de cidades, templos e monumentos. Foi ele que inspirou os mais belos poemas, canções, pinturas e esculturas. Ele é que nos faz amar a vida e ter esperanças de um mundo melhor. Até os mais sanguinários bandidos, os mais perversos e cruéis, já experimentaram, um dia, as delícias do amor, o que os impediu de serem ainda piores.
Pouca coisa, porém, é tão dolorosa, tão aflitiva, quanto um amor não-correspondido. As pessoas que já passaram por essa situação (e poucos escaparam dela), sabem o quanto isso dói, que sofrimentos causa, quantas marcas deixa! Os poetas, até, criaram metáfora para esse tipo de frustração: “coração partido”. Hoje, pode-se afirmar, sem nenhum exagero, que essa não-correspondência a tão profundo sentimento pode provocar tantos danos ao centro de dor do cérebro quanto uma ferida física real. E não se trata de poesia.
Tenho em mãos recorte de matéria publicada no jornal Correio Popular de Campinas em 19 de outubro de 2003, a esse propósito. O texto diz que pesquisadores da Califórnia descobriram bases fisiológicas de “dor social”, ao examinarem cérebros de pessoas que pensaram terem sido premeditadamente excluídas de jogos de computador por outros competidores.
“Bobagem!”, dirão alguns. “O que esse tipo de exclusão tem a ver com amor não-correspondido?”, indagarão, certamente, em tom de crítica, senão de deboche, julgando-se judiciosos e sentenciosos. A julgar pelas conclusões da doutora Naomi Eisenberger, cientista da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, autora do estudo, “tem tudo a ver”.
Com base nos dados que coletou, a pesquisadora concluiu que qualquer tipo de exclusão social, sem exceção – como um divórcio, como não ser convidado para uma festa, ou como ser rejeitado em uma conversa ou um encontro – tende a provocar danos à mesma região do cérebro que detecta a dor física. E que um amor não-correspondido “potencializa, em muito, esse efeito”.
Os poetas, portanto, mais uma vez, com base apenas na intuição, se anteciparam à ciência e chegaram antes a essa mesmíssima conclusão, posto que expressa em sua linguagem metafórica e floreada. Em determinadas situações, podemos, de fato, ficar com o “coração partido”. Literalmente... Para quem quiser conferir, na íntegra, o referido estudo, informo que ele foi publicado na edição de outubro de 2003 da revista especializada “Science”.
Um dos maiores desafios que temos, senão o maior, é o de tentar compreender as pessoas. Na maior parte das vezes, sequer nos conhecemos direito, quanto mais os outros. É verdade que todo o ser humano tem um conjunto de emoções e ações básico, como amor, ódio, alegria, tristeza, ganância, violência etc.etc.etc.
Todos nós, em determinadas circunstâncias, amamos, odiamos, nos alegramos, nos entristecemos, somos gananciosos, somos violentos etc.etc.etc. “Onde está, pois, a dificuldade?”, perguntarão os céticos. Está na intensidade desses sentimentos, ações e comportamentos. Está nas nuances, nos detalhes e na constância. Daí a compreensão se tratar do grande desafio que, de fato, é. Claro que quanto mais entendermos os que nos cercam, melhor será nossa convivência com eles.
Nada é mais triste e desolador, mais digno de pena e de lamentações, do que uma vida de solidão, sem a magia do amor. Não ter com quem compartilhar alegrias e tristezas, risos e prantos, sonhos e ideais e os próprios corpos, é a forma mais cruel e desumana de abandono. É uma desgraça! Essa necessidade de partilha, de afeto e de cumplicidade é essencial, não somente para a perpetuação da espécie (no que é imprescindível), mas para uma vida equilibrada, produtiva e feliz.
Podemos nos comparar a uma casa. Se nela houver a chama do amor, ela se mostrará sempre bela, viva, habitável e aquecida, mesmo que envelhecida. Se este fogo não existir, porém, embora se trate de mansão, será como estes castelos-fantasmas que a tradição garante que existem (notadamente na Inglaterra e na Escócia): sombrios e decadentes. O poeta finlandês, Risto Rasa, escreve, nos versos deste poema minimalista, intitulado “Sou como uma velha casa”: “Sou como uma velha casa./Se deixares de me aquecer, eu vou cair no abandono”. Qualquer pessoa normal cairá!
Espero, portanto, nunca ter “partido o coração” de quem quer que seja. O meu, todavia, já sofreu esse tipo de agressão inúmeras vezes (quem manda ser tão romântico e apaixonado! É o preço que se paga por isso) e posso testemunhar que doeu. E muito. Foi uma sensação horrível, não apenas de rejeição, mas se tratou de uma dor literalmente física, posto que difusa e impossível de ser descrita.
Sunday, March 23, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Há pessoas cuja simples presença ilumina o ambiente, traz alegria ao nosso coração e nos leva a esquecer problemas, mágoas e preocupações. São as que têm o dom de encarar a vida sob um prisma positivo. E, mais do que isso, de nos convencer que nossos sofrimentos não são tão profundos como achamos e que nossas alegrias são maiores do que de fato são. Têm carisma, magia, e o dom da empatia. Partilham, conosco, seus pensamentos e sentimentos nobres. No pólo oposto, há aquelas que vivem, o tempo todo, a se lamentar. Encontram defeitos reais ou imaginários em tudo e em todos. Contagiam-nos com seu pessimismo e fazem com que fujamos da sua companhia, desagradável e negativa. Sejamos, em nossa conduta diária, aqueles que iluminam o caminho e consolam quem de fato necessite de consolo. Façamos como o poeta Paul Claudel expressa num magnífico poema: “Que todos os que se aproximarem de mim tenham vontade de cantar, esquecendo as amarguras da vida”.
DIRETO DO ARQUIVO
Violência institucionalizada
Pedro J. Bondaczuk
O populoso, paupérrimo e violento Bangladesh, desacostumado às práticas democráticas, teve, ontem, eleições gerais para a escolha de vereadores e de prefeitos de cerca de 4.500 municípios, num total de 44 mil cargos em disputa. Todavia, ao invés da consulta às urnas ser uma festa nacional, como seria de se esperar, transformou-se num dia de tragédia, como aliás parece ser a característica principal dos bengalis.
Tudo ali tem aspecto trágico, doloroso, violento. Sua independência foi conseguida graças a uma sangrenta guerra e só foi obtida graças à intervenção indiana. Seu território é devastado, periodicamente, por monumentais enchentes e catastróficos tufões.
A cheia de agosto de 1984, por exemplo, matou um milhão e cento e sessenta pessoas! É como se uma calamidade se abatesse sobre uma povoação do porte de Campinas e extinguisse a vida da totalidade dos seus habitantes!
Em maio do ano seguinte, um furacão (que na Ásia é chamado de “tufão”) fez mais 25 mil vítimas fatais. As duas catástrofes (com espaço inferior a um ano) reunidas deixaram 35,3 milhões de bengalis sem casa. Trágico, não é verdade?!
Não menos dolorosa, contudo, foi a manifestação de violência registrada nas eleições de ontem, a ponto das forças de segurança do país terem sido impotentes para conter as arruaças populares, que deixaram um número estimado de mais de cem mortos e cerca de 1 mil feridos. O país parece Ter caído na mais completa anarquia.
Ademais, a oposição quer a cabeça do atual presidente, Mohammed Ershad, que tomou o poder, através de um golpe de Estado, e foi confirmado no cargo através de um controvertido plebiscito, que os líderes oposicionistas juram que foi fraudulento.
Desde meados do ano passado, Bangladesh, cuja população ascende a 104 milhões de habitantes, mas que possui uma renda per capita anual das mais irrisórias do mundo, de US$ 121, vive um clima de insurreição. Várias marchas foram efetuadas sobre a capital, para depor o governo, contidas a ferro e fogo pelos militares.
Greves sucedem-se, quase que diariamente, com idêntico objetivo. Por isso, era esperado que as eleições de ontem não tivessem clima de festa. Ademais, a campanha já havia redundado em, no mínimo, 200 mortes.
O que pode acontecer, doravante, é imprevisível. Depende muito do grau de apoio de Ershad dentro das Forças Armadas. Se estas estiverem coesas em torno do presidente, provavelmente os partidos políticos serão dissolvidos e será implantada a lei marcial no país. Afinal, isso já é uma rotina em Bangladesh.
Caso seu respaldo não seja dos maiores, porém, dificilmente esse general terá outro destino que não o dos demais presidentes que o antecederam: o exílio ou a saída do palácio presidencial dentro de um caixão de defunto.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 11 de fevereiro de 1988).
Pedro J. Bondaczuk
O populoso, paupérrimo e violento Bangladesh, desacostumado às práticas democráticas, teve, ontem, eleições gerais para a escolha de vereadores e de prefeitos de cerca de 4.500 municípios, num total de 44 mil cargos em disputa. Todavia, ao invés da consulta às urnas ser uma festa nacional, como seria de se esperar, transformou-se num dia de tragédia, como aliás parece ser a característica principal dos bengalis.
Tudo ali tem aspecto trágico, doloroso, violento. Sua independência foi conseguida graças a uma sangrenta guerra e só foi obtida graças à intervenção indiana. Seu território é devastado, periodicamente, por monumentais enchentes e catastróficos tufões.
A cheia de agosto de 1984, por exemplo, matou um milhão e cento e sessenta pessoas! É como se uma calamidade se abatesse sobre uma povoação do porte de Campinas e extinguisse a vida da totalidade dos seus habitantes!
Em maio do ano seguinte, um furacão (que na Ásia é chamado de “tufão”) fez mais 25 mil vítimas fatais. As duas catástrofes (com espaço inferior a um ano) reunidas deixaram 35,3 milhões de bengalis sem casa. Trágico, não é verdade?!
Não menos dolorosa, contudo, foi a manifestação de violência registrada nas eleições de ontem, a ponto das forças de segurança do país terem sido impotentes para conter as arruaças populares, que deixaram um número estimado de mais de cem mortos e cerca de 1 mil feridos. O país parece Ter caído na mais completa anarquia.
Ademais, a oposição quer a cabeça do atual presidente, Mohammed Ershad, que tomou o poder, através de um golpe de Estado, e foi confirmado no cargo através de um controvertido plebiscito, que os líderes oposicionistas juram que foi fraudulento.
Desde meados do ano passado, Bangladesh, cuja população ascende a 104 milhões de habitantes, mas que possui uma renda per capita anual das mais irrisórias do mundo, de US$ 121, vive um clima de insurreição. Várias marchas foram efetuadas sobre a capital, para depor o governo, contidas a ferro e fogo pelos militares.
Greves sucedem-se, quase que diariamente, com idêntico objetivo. Por isso, era esperado que as eleições de ontem não tivessem clima de festa. Ademais, a campanha já havia redundado em, no mínimo, 200 mortes.
O que pode acontecer, doravante, é imprevisível. Depende muito do grau de apoio de Ershad dentro das Forças Armadas. Se estas estiverem coesas em torno do presidente, provavelmente os partidos políticos serão dissolvidos e será implantada a lei marcial no país. Afinal, isso já é uma rotina em Bangladesh.
Caso seu respaldo não seja dos maiores, porém, dificilmente esse general terá outro destino que não o dos demais presidentes que o antecederam: o exílio ou a saída do palácio presidencial dentro de um caixão de defunto.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 11 de fevereiro de 1988).
Saturday, March 22, 2008
REFLEXÃO DO DIA
A beleza – mesmo que não sejamos artistas –, nos encanta, embevece, maravilha e dá prazer. Não há ser humano que não a aprecie. Todos temos, em certa medida, alma de poetas, ou seja, sensibilidade para o que é estético. Todavia, como tudo na vida, a beleza também, com o passar do tempo, se corrompe, envelhece, se desgasta e perde seu brilho. Chega, mesmo, a se tornar feiúra, caso não seja renovada. Para que isso não ocorra, só há um caminho: sempre buscar ângulos novos no que compreendemos como belo, sejam pessoa, coisa ou paisagem, não importa. A única beleza que não se corrompe, e não se torna decadente, é a do espírito. É a dos gestos nobres, dos sentimentos elevados e dos comportamentos éticos e solidários. Esta, todavia, requer constância para conservar o seu brilho. D. H. Lawrence, no conto “Coisas”, adverte a propósito: “O fulgor da beleza, como todo outro fulgor, esmorece se não é alimentado”. Alimentemo-lo diariamente, portanto.
Soneto à doce amada - LVIII
Pedro J. Bondaczuk
Doce amada, o formato do seu rosto,
sua testa, olhos, nariz delicados,
são obras de arte, de extremo bom-gosto,
caminhos de virtudes e pecados.
Mistura de Madona e Messalina,
você faz de mim aquilo que quer,
ora tem inocência de menina
e ora mostra a volúpia de mulher.
Você é flor. A flor mais delicada,
mística rosa de um jardim de sonho.
A seus pés infinito amor deponho
ó menina, ó mulher cobiçada,
e contemplo, embevecido, risonho,
a suave forma do seu rosto, amada!
Doce amada, o formato do seu rosto,
sua testa, olhos, nariz delicados,
são obras de arte, de extremo bom-gosto,
caminhos de virtudes e pecados.
Mistura de Madona e Messalina,
você faz de mim aquilo que quer,
ora tem inocência de menina
e ora mostra a volúpia de mulher.
Você é flor. A flor mais delicada,
mística rosa de um jardim de sonho.
A seus pés infinito amor deponho
ó menina, ó mulher cobiçada,
e contemplo, embevecido, risonho,
a suave forma do seu rosto, amada!
Friday, March 21, 2008
REFLEXÃO DO DIA
São muitas, quase infinitas, as dificuldades que temos que enfrentar na vida, das mais variadas intensidades e naturezas. Alguns, rebelam-se contra essa realidade e se tornam amargos, mal-humorados e pessimistas. Passam a encarar tudo e todos sob um prisma de negativismo e desconfiança. Outros, todavia, partem para a luta. Buscam superar cada obstáculo com esperança, fé e coragem, sem nunca desanimar. Caem, é verdade, mas sabem se levantar. Agem de acordo com o estribilho do famoso samba, bastante conhecido e popular: “levantam, sacodem a poeira e dão a volta por cima”. As dificuldades, todavia, embora nos aborreçam e aflijam, são necessárias para o nosso aprendizado da arte de bem-viver. Valorizam nossas vitórias e justificam os eventuais fracassos. O poeta Carlos Drummond de Andrade nos lembra, com pertinência, que “as dificuldades são o aço estrutural que entra na construção do caráter”. Saber enfrentá-las (e superá-las) confere-nos grandeza e força.
Pena de morte em Roma - V
Pedro J. Bondaczuk
(CONTINUAÇÃO)
Signo máximo do cristão
Os cristãos passaram a usar a cruz como um dos seus símbolos mais sagrados vários séculos após o sacrifício de Nosso Senhor. Em princípio, a comunidade de fiéis era identificada, em geral, pela figura estilizada de um peixe.
A primeira referência escrita que se encontrou ao crucifixo data de 560 e foi feita pelo poeta Fortunato. Antes disso, não se tem nenhuma notícia de seu uso no cristianismo com conotações sagradas. Em 590, São Gregório de Tours voltou a mencionar a cruz em seus escritos. Falou de uma pintada em Narbone, o que leva à conclusão que a partir de então ela começou a se popularizar entre os cristãos.
Uma coisa interessante de se notar é o fato da morte de Cristo, nesse instrumento de suplício, ter sido prefigurada por Moisés, no Velho Testamento. Foi através da serpente de bronze que o condutor do povo hebreu erigiu como um mastro, em forma de cruz.
O objetivo era o de curar os israelitas, mordidos por serpentes do Sinai, que fitassem aquele objeto. Jesus chegou a citar esse fato em suas pregações, ao afirmar: “Assim como Moisés levantou a serpente no deserto, assim será elevado o Filho do Homem”.
O sacrifício do Mestre mostra uma cadeia lógica de fatos. Em primeiro lugar, cumpriu, com o máximo rigor, velhas profecias. Depois, houve a coincidência dos romanos utilizarem para suas punições um instrumento que há muito já simbolizava o amor divino pelo ser humano, em outras religiões e do Messias ter redimido a humanidade nele.
Isso facilitou que a mensagem da salvação pudesse chegar a povos bárbaros, em todas as partes do mundo, e ser por eles facilmente assimilada. Os executores de Roma apenas se equivocaram com a inscrição que colocaram sobre a cruz com as iniciais INRI, que significavam “Iesus Nazarenus Rerum Iudeorum”. Deveriam ter posto INRU. Ou seja, “Iesus Nazarenus Rerum Universorum”.
(Matéria publicada na página 61, Especial, do Correio Popular, em 24 de abril de 1988).
(CONTINUAÇÃO)
Signo máximo do cristão
Os cristãos passaram a usar a cruz como um dos seus símbolos mais sagrados vários séculos após o sacrifício de Nosso Senhor. Em princípio, a comunidade de fiéis era identificada, em geral, pela figura estilizada de um peixe.
A primeira referência escrita que se encontrou ao crucifixo data de 560 e foi feita pelo poeta Fortunato. Antes disso, não se tem nenhuma notícia de seu uso no cristianismo com conotações sagradas. Em 590, São Gregório de Tours voltou a mencionar a cruz em seus escritos. Falou de uma pintada em Narbone, o que leva à conclusão que a partir de então ela começou a se popularizar entre os cristãos.
Uma coisa interessante de se notar é o fato da morte de Cristo, nesse instrumento de suplício, ter sido prefigurada por Moisés, no Velho Testamento. Foi através da serpente de bronze que o condutor do povo hebreu erigiu como um mastro, em forma de cruz.
O objetivo era o de curar os israelitas, mordidos por serpentes do Sinai, que fitassem aquele objeto. Jesus chegou a citar esse fato em suas pregações, ao afirmar: “Assim como Moisés levantou a serpente no deserto, assim será elevado o Filho do Homem”.
O sacrifício do Mestre mostra uma cadeia lógica de fatos. Em primeiro lugar, cumpriu, com o máximo rigor, velhas profecias. Depois, houve a coincidência dos romanos utilizarem para suas punições um instrumento que há muito já simbolizava o amor divino pelo ser humano, em outras religiões e do Messias ter redimido a humanidade nele.
Isso facilitou que a mensagem da salvação pudesse chegar a povos bárbaros, em todas as partes do mundo, e ser por eles facilmente assimilada. Os executores de Roma apenas se equivocaram com a inscrição que colocaram sobre a cruz com as iniciais INRI, que significavam “Iesus Nazarenus Rerum Iudeorum”. Deveriam ter posto INRU. Ou seja, “Iesus Nazarenus Rerum Universorum”.
(Matéria publicada na página 61, Especial, do Correio Popular, em 24 de abril de 1988).
Thursday, March 20, 2008
REFLEXÃO DO DIA
As circunstâncias da vida, não raro, nos separam das pessoas que mais gostamos: da amada, dos parentes e dos amigos. Com o passar do tempo, chegamos ao ponto de sermos esquecidos pelos que mais carinho nos dedicavam. E não se trata de falsidade. Isso ocorre por causa da atenção que precisam dedicar a uma nova realidade, que irá lhes exigir o máximo de concentração. Fico pensando, cá com meus botões, quantos dos meus amigos virtuais aqui do Orkut, que tanto apreço e consideração me dedicam, um dia deixarão de manter contato comigo. Muitos, talvez, se lembrem eventualmente de mim. Outros, provavelmente, irão me esquecer de vez e quando meu nome for eventualmente mencionado, farão força, em vão, para se lembrar de quem se trata. Não se lembrarão. Nesse caso, faço minhas as palavras de Mário Quintana, nesse seu lírico apelo: “Se me esqueceres, só uma coisa: esquece-me bem devagarinho”.
Pena de morte em Roma - IV
Pedro J. Bondaczuk
(CONTINUAÇÃO)
Simbologia da cruz
Apesar de para os romanos a cruz ter sido um instrumento de punição de criminosos, e de para os judeus, símbolo de degradação, escavações arqueológicas mostram que muito antes da crucificação de Jesus Cristo, ela já tinha conotações sagradas para muitos povos.
Seus braços abertos representavam um abraço da divindade aos fiéis, num aconchego paternal. Na antiga Tróia, esses objetos já eram comuns. No local onde existiu essa cidade (tida, por muito tempo, como imaginária, fruto da criatividade do poeta Homero), foram descobertos discos de barro, que traziam cruzes estampadas.
Na América pré-colombiana, muito antes de terem entrado em contato com padres espanhóis, os aztecas já a utilizavam em seus amuletos e em inúmeros murais. Também para os indígenas, a cruz tinha conotação mágica, transcendental, sagrada, como tem para nós, cristãos.
Outros povos americanos usavam-na para fins religiosos. Os peles-vermelhas dos Estados Unidos foram um deles. Essa veneração pode ser localizada, virtualmente, em todos os continentes. No Egito antigo, por exemplo, o escaravelho era tido como um ser sagrado porque trazia estampado nas costas o desenho de uma cruz.
Para os budistas, apresentava um outro significado, diferente do nosso. Representava as pegadas de Sidarta Gautama, o Buda, em suas peregrinações. Os monges dessa religião costumavam desenhá-la num papel. Sempre que alguém morria, esse desenho era colocado sobre o peito do morto. Isso, para que a alma do falecido pudesse seguir os passos do seu mestre no Além e encontrar o estado de iluminação.
Objetos, similares aos achados nas ruínas de Tróia, foram descobertos em Herculano, que como Pompéia, foi sepultada pelas lavas do Vesúvio, em sua catastrófica erupção de 79 AD.
(CONTINUA)
(CONTINUAÇÃO)
Simbologia da cruz
Apesar de para os romanos a cruz ter sido um instrumento de punição de criminosos, e de para os judeus, símbolo de degradação, escavações arqueológicas mostram que muito antes da crucificação de Jesus Cristo, ela já tinha conotações sagradas para muitos povos.
Seus braços abertos representavam um abraço da divindade aos fiéis, num aconchego paternal. Na antiga Tróia, esses objetos já eram comuns. No local onde existiu essa cidade (tida, por muito tempo, como imaginária, fruto da criatividade do poeta Homero), foram descobertos discos de barro, que traziam cruzes estampadas.
Na América pré-colombiana, muito antes de terem entrado em contato com padres espanhóis, os aztecas já a utilizavam em seus amuletos e em inúmeros murais. Também para os indígenas, a cruz tinha conotação mágica, transcendental, sagrada, como tem para nós, cristãos.
Outros povos americanos usavam-na para fins religiosos. Os peles-vermelhas dos Estados Unidos foram um deles. Essa veneração pode ser localizada, virtualmente, em todos os continentes. No Egito antigo, por exemplo, o escaravelho era tido como um ser sagrado porque trazia estampado nas costas o desenho de uma cruz.
Para os budistas, apresentava um outro significado, diferente do nosso. Representava as pegadas de Sidarta Gautama, o Buda, em suas peregrinações. Os monges dessa religião costumavam desenhá-la num papel. Sempre que alguém morria, esse desenho era colocado sobre o peito do morto. Isso, para que a alma do falecido pudesse seguir os passos do seu mestre no Além e encontrar o estado de iluminação.
Objetos, similares aos achados nas ruínas de Tróia, foram descobertos em Herculano, que como Pompéia, foi sepultada pelas lavas do Vesúvio, em sua catastrófica erupção de 79 AD.
(CONTINUA)
Wednesday, March 19, 2008
REFLEXÃO DO DIA
São muitas, quase infinitas, as dificuldades que temos que enfrentar na vida, das mais variadas intensidades e naturezas. Alguns, rebelam-se contra essa realidade e se tornam amargos, mal-humorados e pessimistas. Passam a encarar tudo e todos sob um prisma de negativismo e desconfiança. Outros, todavia, partem para a luta. Buscam superar cada obstáculo com esperança, fé e coragem, sem nunca desanimar. Caem, é verdade, mas sabem se levantar. Agem de acordo com o estribilho do famoso samba, bastante conhecido e popular: “levantam, sacodem a poeira e dão a volta por cima”. As dificuldades, todavia, embora nos aborreçam e aflijam, são necessárias para o nosso aprendizado da arte de bem-viver. Valorizam nossas vitórias e justificam os eventuais fracassos. O poeta Carlos Drummond de Andrade nos lembra, com pertinência, que “as dificuldades são o aço estrutural que entra na construção do caráter”. Saber enfrentá-las (e superá-las) confere-nos grandeza e força.
Pena de morte em Roma - III
Pedro J. Bondaczuk
(CONTINUAÇÃO)
Forma de execução
Todos os quadros, retratando a crucificação de Jesus Cristo, baseados apenas em relatos bíblicos, mostram-no com as mãos e os pés pregados por cravos. Pesquisas recentes, no entanto, baseadas no ossário descoberto em Jerusalém em 1968, comprovam que a execução não se dava assim.
Às vezes, e muito raramente, os pés eram de fato perfurados. Mas não com apenas um único cravo. Em geral, o condenado era amarrado com cordas à cruz. Isto, até por um motivo prático: para que esse instrumento de execução e de suplício pudesse servir para novas execuções.
A madeira utilizada era o “tirene”, um tanto frágil e que rachava com facilidade. Os executores tinham que preservar o madeiro ao máximo. Afinal, essa preservação era importante numa região que dispunha de poucas árvores. E as raras que existiam eram destinadas a finalidades mais nobres.
Os ossos encontrados há vinte anos, após serem submetidos a análises, demonstraram pertencer a um homem de 1,60 m de altura, com idade entre 25 e 30 anos quando morreu. Junto à sua ossada, foi encontrado um cravo enferrujado. Ele havia sido pregado no pé direito do crucificado, conforme revelaram as marcas que deixou. O esquerdo, a exemplo dos braços, havia sido amarrado com cordas.
O nome do executado era Yehohanan, ou Jonatan. Os que eram submetidos ao castigo na cruz morriam por sufocação. Os músculos do abdômen não conseguiam se movimentar, por estarem totalmente distendidos, para a respiração do sentenciado.
O desfecho fatal não era, em geral, demorado. Um homem em ótimo estado de saúde poderia, quando muito, sobreviver um dia inteiro. Em geral, os condenados morriam em questão de horas. Os braços não poderiam ser presos por cordas, como mostram as telas dos grandes artistas que retrataram a crucificação de Cristo, por não ser possível que a musculatura das mãos sustentasse dessa forma o peso do corpo de um adulto. Haveria uma ruptura deles e o crucificado, fatalmente, cairia.
(CONTINUA)
(CONTINUAÇÃO)
Forma de execução
Todos os quadros, retratando a crucificação de Jesus Cristo, baseados apenas em relatos bíblicos, mostram-no com as mãos e os pés pregados por cravos. Pesquisas recentes, no entanto, baseadas no ossário descoberto em Jerusalém em 1968, comprovam que a execução não se dava assim.
Às vezes, e muito raramente, os pés eram de fato perfurados. Mas não com apenas um único cravo. Em geral, o condenado era amarrado com cordas à cruz. Isto, até por um motivo prático: para que esse instrumento de execução e de suplício pudesse servir para novas execuções.
A madeira utilizada era o “tirene”, um tanto frágil e que rachava com facilidade. Os executores tinham que preservar o madeiro ao máximo. Afinal, essa preservação era importante numa região que dispunha de poucas árvores. E as raras que existiam eram destinadas a finalidades mais nobres.
Os ossos encontrados há vinte anos, após serem submetidos a análises, demonstraram pertencer a um homem de 1,60 m de altura, com idade entre 25 e 30 anos quando morreu. Junto à sua ossada, foi encontrado um cravo enferrujado. Ele havia sido pregado no pé direito do crucificado, conforme revelaram as marcas que deixou. O esquerdo, a exemplo dos braços, havia sido amarrado com cordas.
O nome do executado era Yehohanan, ou Jonatan. Os que eram submetidos ao castigo na cruz morriam por sufocação. Os músculos do abdômen não conseguiam se movimentar, por estarem totalmente distendidos, para a respiração do sentenciado.
O desfecho fatal não era, em geral, demorado. Um homem em ótimo estado de saúde poderia, quando muito, sobreviver um dia inteiro. Em geral, os condenados morriam em questão de horas. Os braços não poderiam ser presos por cordas, como mostram as telas dos grandes artistas que retrataram a crucificação de Cristo, por não ser possível que a musculatura das mãos sustentasse dessa forma o peso do corpo de um adulto. Haveria uma ruptura deles e o crucificado, fatalmente, cairia.
(CONTINUA)
Tuesday, March 18, 2008
REFLEXÃO DO DIA
As circunstâncias da vida, não raro, nos separam das pessoas que mais gostamos: da amada, dos parentes e dos amigos. Com o passar do tempo, chegamos ao ponto de sermos esquecidos pelos que mais carinho nos dedicavam. E não se trata de falsidade. Isso ocorre por causa da atenção que precisam dedicar a uma nova realidade, que irá lhes exigir o máximo de concentração. Fico pensando, cá com meus botões, quantos dos meus amigos virtuais aqui do Orkut, que tanto apreço e consideração me dedicam, um dia deixarão de manter contato comigo. Muitos, talvez, se lembrem eventualmente de mim. Outros, provavelmente, irão me esquecer de vez e quando meu nome for eventualmente mencionado, farão força, em vão, para se lembrar de quem se trata. Não se lembrarão. Nesse caso, faço minhas as palavras de Mário Quintana, nesse seu lírico apelo: “Se me esqueceres, só uma coisa: esquece-me bem devagarinho”.
Pena de morte em Roma - II
Pedro J. Bondaczuk
(CONTINUAÇÃO)
Aplicação só em casos extremos
A sociedade romana era toda erigida num sistema escravagista. A mão-de-obra escrava era absolutamente indispensável para o império. Por esta razão, os juízes, sempre que podiam, evitavam de punir alguém com a morte. Preferiam suprimir sua liberdade.
Em geral, os condenados eram enviados para as galés, ou seja, para os navios (mercantes ou militares), onde serviam de forças-motrizes para as embarcações, como remadores, enquanto tivessem energia para isso e o escorbuto, a subnutrição e os maus-tratos não os matassem.
Os menos afortunados eram mandados para os autênticos infernos das minas de enxofre, onde suas vidas não valiam um vintém. Os delinqüentes ligados à nobreza eram, por sua vez, degredados, ou seja, expulsos dos limites de Roma, por um determinado período ou para sempre, dependendo da gravidade do delito que haviam cometido.
A cruz era destinada, portanto, a casos muito especiais. Como para os bandoleiros, por exemplo, que ousavam assaltar as caravanas militares que transportavam valores recolhidos nas províncias para a metrópole. Ou para os agitadores políticos, que congregavam, em torno de suas idéias, em geral separatistas, verdadeiras multidões.
Jesus Cristo foi enquadrado (a contragosto) neste último caso por Pôncio Pilatos, embora tivesse sido condenado à crucificação mais para agradar à liderança religiosa judia daquele tempo. Foi uma condenação ostensivamente política. As autoridades romanas sentiam que fermentava na Judéia um forte movimento pela independência. Por essa razão, buscavam contar, sempre que podiam, com alianças influentes locais, às quais procuravam não desagradar, pois se elas se unissem aos rebeldes, a força militar precisaria ser utilizada.
Essa forma de execução, aliás, era muito usada na Judéia. Tanto é que existiu em Jerusalém até mesmo um lugar apropriado para isso. Era uma colina, de formação rochosa, bastante escarpada e triste. Era ali que os ladrões, assassinos e sediciosos eram executados, em presença de muita gente, para que a punição desestimulasse a prática de novos delitos.
Os judeus denominaram esse sítio de Gólgota. Para os romanos, ele chamava-se Calvário. As duas expressões, todavia, tinham o mesmo significado, só que em línguas diferentes. Queriam dizer “lugar sem vegetação”. Ou, por analogia, “cabeça pelada”, ou “crânio calvo” ou então, como chamaríamos em nossa gíria atual, “careca”.
(CONTINUA)
(CONTINUAÇÃO)
Aplicação só em casos extremos
A sociedade romana era toda erigida num sistema escravagista. A mão-de-obra escrava era absolutamente indispensável para o império. Por esta razão, os juízes, sempre que podiam, evitavam de punir alguém com a morte. Preferiam suprimir sua liberdade.
Em geral, os condenados eram enviados para as galés, ou seja, para os navios (mercantes ou militares), onde serviam de forças-motrizes para as embarcações, como remadores, enquanto tivessem energia para isso e o escorbuto, a subnutrição e os maus-tratos não os matassem.
Os menos afortunados eram mandados para os autênticos infernos das minas de enxofre, onde suas vidas não valiam um vintém. Os delinqüentes ligados à nobreza eram, por sua vez, degredados, ou seja, expulsos dos limites de Roma, por um determinado período ou para sempre, dependendo da gravidade do delito que haviam cometido.
A cruz era destinada, portanto, a casos muito especiais. Como para os bandoleiros, por exemplo, que ousavam assaltar as caravanas militares que transportavam valores recolhidos nas províncias para a metrópole. Ou para os agitadores políticos, que congregavam, em torno de suas idéias, em geral separatistas, verdadeiras multidões.
Jesus Cristo foi enquadrado (a contragosto) neste último caso por Pôncio Pilatos, embora tivesse sido condenado à crucificação mais para agradar à liderança religiosa judia daquele tempo. Foi uma condenação ostensivamente política. As autoridades romanas sentiam que fermentava na Judéia um forte movimento pela independência. Por essa razão, buscavam contar, sempre que podiam, com alianças influentes locais, às quais procuravam não desagradar, pois se elas se unissem aos rebeldes, a força militar precisaria ser utilizada.
Essa forma de execução, aliás, era muito usada na Judéia. Tanto é que existiu em Jerusalém até mesmo um lugar apropriado para isso. Era uma colina, de formação rochosa, bastante escarpada e triste. Era ali que os ladrões, assassinos e sediciosos eram executados, em presença de muita gente, para que a punição desestimulasse a prática de novos delitos.
Os judeus denominaram esse sítio de Gólgota. Para os romanos, ele chamava-se Calvário. As duas expressões, todavia, tinham o mesmo significado, só que em línguas diferentes. Queriam dizer “lugar sem vegetação”. Ou, por analogia, “cabeça pelada”, ou “crânio calvo” ou então, como chamaríamos em nossa gíria atual, “careca”.
(CONTINUA)
Monday, March 17, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Há várias formas de amar, mas nenhuma tem maior grandeza e transcendência do que a que envolve coração, corpo e alma. Trata-se do maior presente de Deus à humanidade. O amor platônico é bom, mas produz, apenas, êxtase psíquico, sem nenhum efeito duradouro. O carnal é delicioso, mas satisfaz só o físico e, via de regra, se extingue após a satisfação do instinto animal. Mas o amor total, sem reservas ou restrições, ah! esse é um delírio! É impossível de ser descrito. Só é possível de ser entendido por quem tem a ventura de senti-lo, com a indispensável correspondência. É o êxtase dos êxtases, mesmo que de curta duração. Ainda quando acaba, permanece vivo e intenso na lembrança e é inesquecível, por se tratar do momento mais marcante de um homem e de uma mulher. Edgar Morin nos lembra um fato óbvio, mas que nem sempre nos damos conta: “O amor (certamente o que envolve coração, corpo e alma) dá-nos o êxtase psíquico, e dá-nos o êxtase físico”. É, portanto, completo.
Pena de morte em Roma - I
Pedro J. Bondaczuk
A crucificação, penalidade usada pelos romanos para matar Jesus Cristo, era aplicada em delitos que Roma pretendia conter através do exemplo, como os casos de assassinatos com agravantes, assaltos e, principalmente, subversão de caráter político
As formas de execução da pena de morte variaram muito através dos tempos, de acordo com a época e o lugar. Todavia, em geral, sempre existiu resistência, por parte daqueles que eram encarregados da sua aplicação, salvo uma ou outra exceção. Claro que existiram carrascos que apreciavam a sua tarefa, mesmo não se constituindo na maioria.
Uma das maneiras mais conhecidas de aplicação do castigo máximo contra sentenciados, utilizada na Antigüidade, foi a crucificação romana, principalmente por ter sido esse o meio pelo qual Jesus Cristo foi executado. Dezenas de milhares de pessoas sofreram este tipo de penalidade, que era aplicado, em geral, para punir delitos muito graves, ou quando as autoridades pretendiam que o castigo viesse a servir de exemplo para a população, para inibir os que estivessem tentados a agir de uma determinada forma delituosa, ou subversiva, a desistir da idéia.
Apesar de tanta gente ter sido crucificada, até há 20 anos, nenhum resto mortal, de alguém que tivesse sido morto dessa maneira, havia sido encontrado. Tudo o que se conhecia a respeito eram relatos incompletos, de diversas fontes, sem o devido rigor pretendido pelos historiadores.
Em 1968, no entanto, o acaso fez com que isso viesse a ser corrigido. Na parte de Jerusalém antes dominada pelos jordanianos, e que havia passado ao controle de Israel, após a Guerra dos Seis Dias, de 1967, arqueólogos encontraram um ossário antiqüíssimo, com os corpos de três indivíduos que haviam sido crucificados. Dessa maneira, foi possível fazer-se uma reconstituição pelo menos melhor, com maior exatidão científica, sobre a forma com que se dava essa espécie de execução.
As razões da pena
Várias hipóteses foram levantadas para tentar explicar o por quê dos romanos executarem os sentenciados à morte dessa forma, e não de outras, como vários outros povos faziam, como a forca, o estrangulamento ou a decapitação (embora esta última, em certas circunstâncias, também fosse razoavelmente utilizada).
O império de Roma era muito vasto e abrangia imensa variedade de povos, línguas, costumes e tradições. Muitas dessas populações submetidas ao seu jugo nutria arraigados e profundos sentimentos nacionalistas. Para manter intacta toda aquela imensidão territorial sob razoável controle, a metrópole utilizava, em caráter permanente, um contingente de 300 mil soldados, altamente disciplinados e treinados para essa função.
Em geral, mesmo nas províncias mais remotas, os delitos eram julgados pelo sofisticado aparato judiciário romano. Ao contrário de tantos outros tribunais, o réu tinha assegurado seu direito de ampla defesa. Portanto, quando condenado à pena capital, raramente restava qualquer dúvida sobre a sua culpa. Os juízes (salvo exceções, já que nada é perfeito), tomavam suas decisões com base, rigorosamente, nas provas.
No entanto, em alguns poucos lugares, eram impossíveis os julgamentos como em Roma e na maior parte das suas distantes províncias. Eles tinham que ser sumários, principalmente quando ocorriam sedições. Um desses casos, por exemplo, foi o que ficou conhecido como a Guerra dos Gladiadores.
No ano 73 a C., Spartacus sublevou os escravos da metrópole. Sua coragem e seu instintivo senso guerreiro, em pouco tempo, chegaram a colocar em risco a estabilidade política de todo o império. Sob a sua liderança, pessoas maltrapilhas, subnutridas e mal-armadas, conseguiram vencer batalhas importantes contra a mais sofisticada e melhor aparelhada “máquina de guerra” do Planeta de então.
Quando Spartacus foi, finalmente, vencido por Crasso, um ano depois de ter iniciado o seu levante, teria que ser punido de uma forma que todos vissem e que, acima de tudo, desestimulasse novas rebeliões. Por isso ele, e seus seguidores mais chegados, foram crucificados.
A crucificação foi aplicada em vários crimes semelhantes. A princípio, não era utilizada para punir delitos comuns, como roubos e assassinatos. Não, pelo menos, na metrópole. Mas nas províncias ela se tornou necessária, com o passar do tempo, em vista do crescimento da criminalidade e, principalmente, das diversas ocorrências de levantes, de povos que aspiravam à conquista da independência.
Outro ponto que os historiadores têm ressaltado, a esse respeito, se refere à repugnância dos soldados romanos de matar pessoas desarmadas e indefesas, mesmo que fossem bandidos de grande periculosidade. Na cruz, pelo menos, o condenado não morria nas mãos de nenhum carrasco, embora fosse uma pena cruel e dolorosa, pela agonia a que o executado era submetido. Para tornar o castigo “menos bárbaro”, em geral o crucificado era dopado, com vinho contendo ópio. Morria anestesiado, por sufocação.
(CONTINUA)
A crucificação, penalidade usada pelos romanos para matar Jesus Cristo, era aplicada em delitos que Roma pretendia conter através do exemplo, como os casos de assassinatos com agravantes, assaltos e, principalmente, subversão de caráter político
As formas de execução da pena de morte variaram muito através dos tempos, de acordo com a época e o lugar. Todavia, em geral, sempre existiu resistência, por parte daqueles que eram encarregados da sua aplicação, salvo uma ou outra exceção. Claro que existiram carrascos que apreciavam a sua tarefa, mesmo não se constituindo na maioria.
Uma das maneiras mais conhecidas de aplicação do castigo máximo contra sentenciados, utilizada na Antigüidade, foi a crucificação romana, principalmente por ter sido esse o meio pelo qual Jesus Cristo foi executado. Dezenas de milhares de pessoas sofreram este tipo de penalidade, que era aplicado, em geral, para punir delitos muito graves, ou quando as autoridades pretendiam que o castigo viesse a servir de exemplo para a população, para inibir os que estivessem tentados a agir de uma determinada forma delituosa, ou subversiva, a desistir da idéia.
Apesar de tanta gente ter sido crucificada, até há 20 anos, nenhum resto mortal, de alguém que tivesse sido morto dessa maneira, havia sido encontrado. Tudo o que se conhecia a respeito eram relatos incompletos, de diversas fontes, sem o devido rigor pretendido pelos historiadores.
Em 1968, no entanto, o acaso fez com que isso viesse a ser corrigido. Na parte de Jerusalém antes dominada pelos jordanianos, e que havia passado ao controle de Israel, após a Guerra dos Seis Dias, de 1967, arqueólogos encontraram um ossário antiqüíssimo, com os corpos de três indivíduos que haviam sido crucificados. Dessa maneira, foi possível fazer-se uma reconstituição pelo menos melhor, com maior exatidão científica, sobre a forma com que se dava essa espécie de execução.
As razões da pena
Várias hipóteses foram levantadas para tentar explicar o por quê dos romanos executarem os sentenciados à morte dessa forma, e não de outras, como vários outros povos faziam, como a forca, o estrangulamento ou a decapitação (embora esta última, em certas circunstâncias, também fosse razoavelmente utilizada).
O império de Roma era muito vasto e abrangia imensa variedade de povos, línguas, costumes e tradições. Muitas dessas populações submetidas ao seu jugo nutria arraigados e profundos sentimentos nacionalistas. Para manter intacta toda aquela imensidão territorial sob razoável controle, a metrópole utilizava, em caráter permanente, um contingente de 300 mil soldados, altamente disciplinados e treinados para essa função.
Em geral, mesmo nas províncias mais remotas, os delitos eram julgados pelo sofisticado aparato judiciário romano. Ao contrário de tantos outros tribunais, o réu tinha assegurado seu direito de ampla defesa. Portanto, quando condenado à pena capital, raramente restava qualquer dúvida sobre a sua culpa. Os juízes (salvo exceções, já que nada é perfeito), tomavam suas decisões com base, rigorosamente, nas provas.
No entanto, em alguns poucos lugares, eram impossíveis os julgamentos como em Roma e na maior parte das suas distantes províncias. Eles tinham que ser sumários, principalmente quando ocorriam sedições. Um desses casos, por exemplo, foi o que ficou conhecido como a Guerra dos Gladiadores.
No ano 73 a C., Spartacus sublevou os escravos da metrópole. Sua coragem e seu instintivo senso guerreiro, em pouco tempo, chegaram a colocar em risco a estabilidade política de todo o império. Sob a sua liderança, pessoas maltrapilhas, subnutridas e mal-armadas, conseguiram vencer batalhas importantes contra a mais sofisticada e melhor aparelhada “máquina de guerra” do Planeta de então.
Quando Spartacus foi, finalmente, vencido por Crasso, um ano depois de ter iniciado o seu levante, teria que ser punido de uma forma que todos vissem e que, acima de tudo, desestimulasse novas rebeliões. Por isso ele, e seus seguidores mais chegados, foram crucificados.
A crucificação foi aplicada em vários crimes semelhantes. A princípio, não era utilizada para punir delitos comuns, como roubos e assassinatos. Não, pelo menos, na metrópole. Mas nas províncias ela se tornou necessária, com o passar do tempo, em vista do crescimento da criminalidade e, principalmente, das diversas ocorrências de levantes, de povos que aspiravam à conquista da independência.
Outro ponto que os historiadores têm ressaltado, a esse respeito, se refere à repugnância dos soldados romanos de matar pessoas desarmadas e indefesas, mesmo que fossem bandidos de grande periculosidade. Na cruz, pelo menos, o condenado não morria nas mãos de nenhum carrasco, embora fosse uma pena cruel e dolorosa, pela agonia a que o executado era submetido. Para tornar o castigo “menos bárbaro”, em geral o crucificado era dopado, com vinho contendo ópio. Morria anestesiado, por sufocação.
(CONTINUA)
Sunday, March 16, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Cultivar idéias não é prerrogativa, apenas, dos sábios, filósofos e escritores. Trata-se de necessidade humana, prerrogativa do único animal inteligente da natureza. O mais humilde e iletrado dos homens pode e deve fazê-lo, pois esse é o único recurso que tem para a ascensão mental, espiritual e até social. Conheço analfabetos que sequer sabem distinguir as letras, mas que têm visão privilegiada da vida e que, embora raramente nos demos conta, têm muito a nos ensinar. Tudo o que fazemos, desde o ato aparentemente mais mecânico, à concepção de grandes obras materiais, artísticas e intelectuais, depende delas. O que não podemos é deixar de reciclar nossas idéias, para que não se cristalizem e não se transformem em dogmas. Podemos (e devemos) dar grandeza e transcendência ao nobre ato de pensar. Porquanto o filósofo espanhol, José Ortega y Gasset, adverte: “Sem idéias, não podemos viver a um nível humano. Aquilo que fazemos depende delas”.
DIRETO DO ARQUIVO
O estigma da suspeita
Pedro J. Bondaczuk
A questão do passado do ex-secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Kurt Waldheim, que é candidato favorito nas eleições presidenciais austríacas, vem despertando uma enorme polêmica, não somente na Áustria, mas praticamente em todo o mundo. Isso vem ocorrendo desde quando o Congresso Mundial Judaico divulgou, em março passado, documentos altamente comprometedores contra esse líder.
Em alguns círculos, as afirmações mais comuns são as de que não se pode comprometer a reputação de uma pessoa, principalmente de projeção tão grande quanto esse homem público, com meras suspeitas. Em outros, se argumenta que mesmo que seja comprovada a sua participação em organizações nazistas, o que conta é o presente e esse passado infeliz precisa ser esquecido. Há, finalmente, um outro grupo, esse mais numeroso, que defende que se faça justiça em relação a Waldheim, se as acusações forem comprovadas. E se não, que lhe seja assegurado o direito de uma ampla defesa.
O que é mais comprometedor para o ex-secretário da ONU é o fato dele ter dito meias-verdades quando o assunto veio a público pela primeira vez. Em princípio ele chegou a negar que sequer tivesse servido no Exército alemão. Quando foi divulgada uma foto, mostrando-o todo orgulhoso, ostentando um uniforme de suboficial nazista, retratou-se. Desconversou e disse que a coisa não era bem assim. Afirmou que realmente serviu nas tropas germânicas durante a Segunda Guerra, mas que não cometeu nem participou de nenhuma das atrocidades que lhe são agora atribuídas e a todo o seu grupo.
Mas essa versão também não coincide com a dos iugoslavos e a dos judeus gregos, que tiveram perto de 50 mil vítimas naquele período de ódio e insânia que a humanidade deixou para trás há apenas 41 anos. A imprensa da Iugoslávia, inclusive, publicou uma série de documentos que, no mínimo, despertam dúvidas nas pessoas sobre a inocência de Waldheim. Essas acusações, por outro lado, são reforçadas por documentos existentes sobre o seu passado nos arquivos da ONU, a mesma entidade que esse político dirigiu por tanto tempo. Nesta altura, fica uma dúvida enorme na mente do observador.
E é impossível se furtar a uma pergunta imediata. Será que era do conhecimento dos países que integram a entidade mundial o passado do seu então secretário-geral? Presume-se que sim. Afinal, os iugoslavos, búlgaros, gregos e soviéticos contribuíram com provas para formar esse "dossiê".
Nesta altura, uma nova suspeita assalta a mente de todos. Não poderia ter havido alguma espécie de "chantagem" para inibir a sua atuação à frente dessa organização internacional, facilitando as coisas para governos e pessoas que ameaçassem divulgar tais dados? Ninguém, é óbvio, pode afirmar que sim. Todavia, ninguém também tem condições de dizer, sem despertar novas dúvidas e indagações, que isso não aconteceu.
A reputação, bem dizia outro dia um político, é como a virgindade de uma moça. Uma vez perdida, é impossível de ser restaurada. É verdade que no regime austríaco, o papel do presidente é meramente protocolar. Quem conduz os negócios de Estado, e principalmente a política externa, é o primeiro-ministro. Mesmo assim, sempre haverá um certo mal-estar se um homem, com um passado tão duramente questionado, vencer as eleições e assumir a presidência.
Várias pessoas, por suspeitas bem menores do que esta, foram levadas a diversos tribunais, para responder por seus atos durante a Segunda Guerra. Não se trata de uma questão de vingança como alguns poderiam pensar, mas de justiça. Cada homem público deve assumir a responsabilidade sobre os seus atos e sempre responder por eles, pois se não o fizer, não terá a mínima condição de dirigir nem o próprio destino, quanto mais o de uma nação. E muito menos de gerir um organismo internacional do porte da ONU, que congrega 159 países...
(Artigo publicado na página 20, Internacional, do Correio Popular, em 4 de maio de 1986)
Pedro J. Bondaczuk
A questão do passado do ex-secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Kurt Waldheim, que é candidato favorito nas eleições presidenciais austríacas, vem despertando uma enorme polêmica, não somente na Áustria, mas praticamente em todo o mundo. Isso vem ocorrendo desde quando o Congresso Mundial Judaico divulgou, em março passado, documentos altamente comprometedores contra esse líder.
Em alguns círculos, as afirmações mais comuns são as de que não se pode comprometer a reputação de uma pessoa, principalmente de projeção tão grande quanto esse homem público, com meras suspeitas. Em outros, se argumenta que mesmo que seja comprovada a sua participação em organizações nazistas, o que conta é o presente e esse passado infeliz precisa ser esquecido. Há, finalmente, um outro grupo, esse mais numeroso, que defende que se faça justiça em relação a Waldheim, se as acusações forem comprovadas. E se não, que lhe seja assegurado o direito de uma ampla defesa.
O que é mais comprometedor para o ex-secretário da ONU é o fato dele ter dito meias-verdades quando o assunto veio a público pela primeira vez. Em princípio ele chegou a negar que sequer tivesse servido no Exército alemão. Quando foi divulgada uma foto, mostrando-o todo orgulhoso, ostentando um uniforme de suboficial nazista, retratou-se. Desconversou e disse que a coisa não era bem assim. Afirmou que realmente serviu nas tropas germânicas durante a Segunda Guerra, mas que não cometeu nem participou de nenhuma das atrocidades que lhe são agora atribuídas e a todo o seu grupo.
Mas essa versão também não coincide com a dos iugoslavos e a dos judeus gregos, que tiveram perto de 50 mil vítimas naquele período de ódio e insânia que a humanidade deixou para trás há apenas 41 anos. A imprensa da Iugoslávia, inclusive, publicou uma série de documentos que, no mínimo, despertam dúvidas nas pessoas sobre a inocência de Waldheim. Essas acusações, por outro lado, são reforçadas por documentos existentes sobre o seu passado nos arquivos da ONU, a mesma entidade que esse político dirigiu por tanto tempo. Nesta altura, fica uma dúvida enorme na mente do observador.
E é impossível se furtar a uma pergunta imediata. Será que era do conhecimento dos países que integram a entidade mundial o passado do seu então secretário-geral? Presume-se que sim. Afinal, os iugoslavos, búlgaros, gregos e soviéticos contribuíram com provas para formar esse "dossiê".
Nesta altura, uma nova suspeita assalta a mente de todos. Não poderia ter havido alguma espécie de "chantagem" para inibir a sua atuação à frente dessa organização internacional, facilitando as coisas para governos e pessoas que ameaçassem divulgar tais dados? Ninguém, é óbvio, pode afirmar que sim. Todavia, ninguém também tem condições de dizer, sem despertar novas dúvidas e indagações, que isso não aconteceu.
A reputação, bem dizia outro dia um político, é como a virgindade de uma moça. Uma vez perdida, é impossível de ser restaurada. É verdade que no regime austríaco, o papel do presidente é meramente protocolar. Quem conduz os negócios de Estado, e principalmente a política externa, é o primeiro-ministro. Mesmo assim, sempre haverá um certo mal-estar se um homem, com um passado tão duramente questionado, vencer as eleições e assumir a presidência.
Várias pessoas, por suspeitas bem menores do que esta, foram levadas a diversos tribunais, para responder por seus atos durante a Segunda Guerra. Não se trata de uma questão de vingança como alguns poderiam pensar, mas de justiça. Cada homem público deve assumir a responsabilidade sobre os seus atos e sempre responder por eles, pois se não o fizer, não terá a mínima condição de dirigir nem o próprio destino, quanto mais o de uma nação. E muito menos de gerir um organismo internacional do porte da ONU, que congrega 159 países...
(Artigo publicado na página 20, Internacional, do Correio Popular, em 4 de maio de 1986)
Saturday, March 15, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Há quem ache que as paixões são incompatíveis com os grandes pensadores, que dedicam a vida em busca das grandes verdades que iluminam e engrandecem a humanidade. Quem pensa dessa maneira, todavia, está equivocado. Paixão e reflexão não são incompatíveis. Temos que ser serenos, sim, ao refletir, mas apaixonados ao agir. Claro que a paixão a que me refiro é a positiva, caracterizada por uma imensa vontade, absoluta crença e total convicção no que se faz. Não se trata, pois, do ciúme, do ódio, da cobiça e do egoísmo, nefastos gigantes da alma, aos quais devemos extirpar. Sem amor, amizades e piedade, jamais conseguiremos entender o próximo e chegar às grandes verdades. Alexis Carrel, no livro “O homem esse desconhecido”, constata: “O homem que quiser contemplar a verdade deve manter a calma dentro de si mesmo. O seu espírito deve ser como a água serena de um lago. As atividades afetivas, contudo, são indispensáveis ao progresso da inteligência”. E como são!
Soneto à doce amada - XXXV
Pedro J. Bondaczuk
Vês, amada, estão renascendo as flores
na orla do caminho que trilhamos...
Faz-se concreto o fado que sonhamos
todos os dias...em tantos albores...
Vês, amada, como cantam em festa
as aves que constróem os seus ninhos?
Como são felizes os passarinhos!
Que magno exemplo a vida nos empresta!
Eia, cantemos, minha doce amada,
enquanto nós trilhamos esta estrada
sorrindo, com esperança, a sonhar...
Não paremos na orla do caminho...
Sigamos, ternamente, de mansinho,
e unidos, construamos nosso lar!!
Vês, amada, estão renascendo as flores
na orla do caminho que trilhamos...
Faz-se concreto o fado que sonhamos
todos os dias...em tantos albores...
Vês, amada, como cantam em festa
as aves que constróem os seus ninhos?
Como são felizes os passarinhos!
Que magno exemplo a vida nos empresta!
Eia, cantemos, minha doce amada,
enquanto nós trilhamos esta estrada
sorrindo, com esperança, a sonhar...
Não paremos na orla do caminho...
Sigamos, ternamente, de mansinho,
e unidos, construamos nosso lar!!
Friday, March 14, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Podemos, e devemos, estar permanentemente predispostos ao bom-humor, à beleza e à alegria de viver. Com esta postura, podemos, é verdade, não resolver todos os problemas que eventualmente surjam no nosso caminho, mas, pelo menos, não os agravaremos, o que não deixa de ser um considerável ganho. Bem diz o povo que tristeza não paga dívidas. Temos que resistir à tentação de estarmos sempre com um pé atrás em relação ao próximo, tratando, quem não conhecemos, como inimigo em potencial. Cautela e desconfiança são duas coisas muito distintas. Concordo com o arquiteto francês, Le Corbusier, que afirmou: “A poesia está no coração dos homens; por isso, é preciso se abrir para as alegrias da natureza”. E essa abertura jamais se dará mediante o mau-humor, a ira, o rancor e a tristeza crônica que, quando aguda, tende a se transformar no tormento da depressão.
Sentido da vida
Pedro J. Bondaczuk
O ser humano, no relativamente curto tempo que a espécie existe, ainda não aprendeu a valorizar a vida, nem mesmo a sua, quanto mais a das demais criaturas. Ela, no entanto, é um mistério, é um privilégio, é um milagre. Ao longo da história, as pessoas entregaram-se (e ainda se entregam) à perversa cultura da morte.
Hoje em dia, filmes, romances, novelas e peças teatrais apresentam cenas em que determinados personagens matam outros com a maior naturalidade, como se fosse ato banal e corriqueiro. O pior é que as crianças crescem sob essa estúpida cultura da morte, que lhes é incutida a pretexto de se tratar de “arte”. Mas a vida é sagrada e relativamente rara no universo.. Isto é o que deveria ser enfatizado, sempre, cotidiana e incansavelmente, às crianças, e não essa estúpida e absurda cultura da morte que lhes é impingida subliminarmente.
Somos, do ponto de vista físico, seres bastante frágeis e, nesse aspecto, muito inferiores a tantos outros animais. Contamos, todavia, com um instrumento poderoso, que nos permite sermos senhores do Planeta: a inteligência. Temos capacidade de entender o que somos, onde estamos e para onde queremos ir.
Fomos dotados do poder de controlar nossos instintos e direcionar nossos sentimentos. “E por que, então, somos tão miseráveis e vivemos tantos conflitos, acalentamos a maldade, a violência, a cobiça e tantos outros comportamentos, se temos consciência que são errados e nocivos?”, perguntarão alguns.
Porque esquecemos de procurar o sentido da vida. Porque não questionamos, com a devida ênfase, a razão de estarmos vivos e de termos a capacidade de raciocínio e o poder de escolha. Temos, ainda, muito que evoluir para merecermos a designação de “humanos”. A poetisa Florbela Espanca garante a respeito: “Se penetrássemos o sentido da vida seríamos menos miseráveis”.
Através do miraculoso e inexplicável expediente da imaginação, saímos de nós mesmos no momento em que quisermos e nos dispersamos pelo infinito, viajando para mundos distantes e fisicamente interditos. Em suas asas, em infinitésimas frações de segundo, vencemos distâncias impossíveis de se dimensionar, desvendamos galáxias de monstruosos tamanhos e formas, nos confins do universo, penetramos em buracos negros de força descomunal, que não deixam escapar, sequer, a luz (mas nós escapamos) e retornamos, incólumes, para o nosso interior.
Somos tudo, por nossa imaginação, e nada somos, se levarmos em conta a fragilidade física. Que mistério que somos nessa vastidão universal! Uma pergunta, no entanto, se impõe: teria sido a natureza criada em função exclusiva do homem, como tantos apregoam? Estaria a nossa espécie capacitada a agredi-la impunemente ou a alterá-la ao seu bel-prazer sem nenhuma conseqüência? A resposta óbvia é: “não” (embora muitos insensatos não se dêem conta).
Um dos exercícios mais nobres, e mais úteis, ao nosso alcance, é o da meditação. Requer, sobretudo, férrea autodisciplina e imensa força de vontade. Contudo, é uma prática sumamente compensadora. Permite que a pessoa extraia do fundo da consciência idéias, pensamentos e conceitos adormecidos, muitas vezes de forma apenas embrionária.
Os néscios e vazios consideram a meditação um exercício inútil, mera perda de tempo. Por pensarem assim, todavia, é que são o que são: dependentes, tolos e manipuláveis. O criador de idéias, mesmo que não se dê conta, é o maior beneficiado com esse ato de criação. Não teme o futuro e nem se assusta com nenhum obstáculo que a vida lhe impõe. Está consciente e seguro de que, no fundo do seu cérebro, encontrará a saída, mesmo para os maiores impasses que enfrentar.
Sem sequer nos darmos conta, participamos, de uma forma ou de outra, da construção da história, quer pessoal, quer da nossa comunidade, quer de toda a humanidade. Uns, ajudam a escrever magníficos capítulos de constância, altruísmo e participação, embora permaneçam anônimos ou, no máximo, nos corações dos que beneficiaram. Outros, bafejados pelas circunstâncias, tendem a marcar para sempre seus nomes no mundo, por obras, idéias ou exemplos. Outros tantos, seria preferível que caíssem no absoluto esquecimento, pelos males que semeiam.
A maioria, infelizmente, será esquecida para sempre, passada apenas uma geração, como se nunca tivesse existido. Isso, mesmo que essas pessoas sejam honestas, virtuosas e aplicadas. É a lei da vida. Mas, como ressaltou o enciclopedista francês, Denis Diderot, “sem desconfiarmos, caminhamos todos para a eternidade”. Uns, da lembrança. A maioria, do esquecimento. Isso, encontrando ou não o sentido da vida.
O ser humano, no relativamente curto tempo que a espécie existe, ainda não aprendeu a valorizar a vida, nem mesmo a sua, quanto mais a das demais criaturas. Ela, no entanto, é um mistério, é um privilégio, é um milagre. Ao longo da história, as pessoas entregaram-se (e ainda se entregam) à perversa cultura da morte.
Hoje em dia, filmes, romances, novelas e peças teatrais apresentam cenas em que determinados personagens matam outros com a maior naturalidade, como se fosse ato banal e corriqueiro. O pior é que as crianças crescem sob essa estúpida cultura da morte, que lhes é incutida a pretexto de se tratar de “arte”. Mas a vida é sagrada e relativamente rara no universo.. Isto é o que deveria ser enfatizado, sempre, cotidiana e incansavelmente, às crianças, e não essa estúpida e absurda cultura da morte que lhes é impingida subliminarmente.
Somos, do ponto de vista físico, seres bastante frágeis e, nesse aspecto, muito inferiores a tantos outros animais. Contamos, todavia, com um instrumento poderoso, que nos permite sermos senhores do Planeta: a inteligência. Temos capacidade de entender o que somos, onde estamos e para onde queremos ir.
Fomos dotados do poder de controlar nossos instintos e direcionar nossos sentimentos. “E por que, então, somos tão miseráveis e vivemos tantos conflitos, acalentamos a maldade, a violência, a cobiça e tantos outros comportamentos, se temos consciência que são errados e nocivos?”, perguntarão alguns.
Porque esquecemos de procurar o sentido da vida. Porque não questionamos, com a devida ênfase, a razão de estarmos vivos e de termos a capacidade de raciocínio e o poder de escolha. Temos, ainda, muito que evoluir para merecermos a designação de “humanos”. A poetisa Florbela Espanca garante a respeito: “Se penetrássemos o sentido da vida seríamos menos miseráveis”.
Através do miraculoso e inexplicável expediente da imaginação, saímos de nós mesmos no momento em que quisermos e nos dispersamos pelo infinito, viajando para mundos distantes e fisicamente interditos. Em suas asas, em infinitésimas frações de segundo, vencemos distâncias impossíveis de se dimensionar, desvendamos galáxias de monstruosos tamanhos e formas, nos confins do universo, penetramos em buracos negros de força descomunal, que não deixam escapar, sequer, a luz (mas nós escapamos) e retornamos, incólumes, para o nosso interior.
Somos tudo, por nossa imaginação, e nada somos, se levarmos em conta a fragilidade física. Que mistério que somos nessa vastidão universal! Uma pergunta, no entanto, se impõe: teria sido a natureza criada em função exclusiva do homem, como tantos apregoam? Estaria a nossa espécie capacitada a agredi-la impunemente ou a alterá-la ao seu bel-prazer sem nenhuma conseqüência? A resposta óbvia é: “não” (embora muitos insensatos não se dêem conta).
Um dos exercícios mais nobres, e mais úteis, ao nosso alcance, é o da meditação. Requer, sobretudo, férrea autodisciplina e imensa força de vontade. Contudo, é uma prática sumamente compensadora. Permite que a pessoa extraia do fundo da consciência idéias, pensamentos e conceitos adormecidos, muitas vezes de forma apenas embrionária.
Os néscios e vazios consideram a meditação um exercício inútil, mera perda de tempo. Por pensarem assim, todavia, é que são o que são: dependentes, tolos e manipuláveis. O criador de idéias, mesmo que não se dê conta, é o maior beneficiado com esse ato de criação. Não teme o futuro e nem se assusta com nenhum obstáculo que a vida lhe impõe. Está consciente e seguro de que, no fundo do seu cérebro, encontrará a saída, mesmo para os maiores impasses que enfrentar.
Sem sequer nos darmos conta, participamos, de uma forma ou de outra, da construção da história, quer pessoal, quer da nossa comunidade, quer de toda a humanidade. Uns, ajudam a escrever magníficos capítulos de constância, altruísmo e participação, embora permaneçam anônimos ou, no máximo, nos corações dos que beneficiaram. Outros, bafejados pelas circunstâncias, tendem a marcar para sempre seus nomes no mundo, por obras, idéias ou exemplos. Outros tantos, seria preferível que caíssem no absoluto esquecimento, pelos males que semeiam.
A maioria, infelizmente, será esquecida para sempre, passada apenas uma geração, como se nunca tivesse existido. Isso, mesmo que essas pessoas sejam honestas, virtuosas e aplicadas. É a lei da vida. Mas, como ressaltou o enciclopedista francês, Denis Diderot, “sem desconfiarmos, caminhamos todos para a eternidade”. Uns, da lembrança. A maioria, do esquecimento. Isso, encontrando ou não o sentido da vida.
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