Pedro J. Bondaczuk
A História, da forma como a conhecemos e estudamos na escola, gera na mente das pessoas que raciocinam – aquelas que a tudo questionam e que exigem explicações lógicas para todos os fatos – muito mais perguntas do que respostas. É parcial, fragmentada, com longos hiatos que abrangem séculos, quando não milênios, e é apresentada na versão exclusivamente européia.
Tudo o que se refere, por exemplo, às Américas, antes da chegada de espanhóis e portugueses ao continente – ou dos que os antecederam – permanece envolto numa cortina indevassável de mistério, na bruma do esquecimento, soterrado por toneladas de terra ou coberto por selvas indevassáveis. E isso gera múltiplas especulações, algumas verossímeis e outras, nem tanto.
O tema foi trazido à baila, dia desses, em nosso “cenáculo” informal, em um aconchegante bar da cidade, onde nos reunimos, amiúde, para “salvar o mundo” e jogar conversa fora. Tudo começou quando nosso especialista na matéria, o Marcelo, estudante de História na PUC de Campinas, fez um comentário a propósito de matéria, publicada em 18 de setembro de 2003, pela revista “Science”, cujo recorte levei para esse encontro e li, com ares de sabe-tudo.
O texto falava dos estudos do arqueólogo norte-americano Michael Heckenberger, da Universidade da Flórida, com base em escavações arqueológicas e imagens de satélite de uma área do Norte da Amazônia, que sempre se pensou inabitada e primitiva. O referido especialista, porém, afirmou, com convicção, que essa região, hoje inóspita e vazia, abrigou, entre os anos de 1200 e 1600 da nossa era, florescente civilização.
Disse ter condições de provar – já que ali existem inúmeras ruínas – que naquele “inferno verde”, de se perder de vista, houve sofisticadas redes de cidades e vilarejos. “Viajou””, exclamou Zito (que é sociólogo, mas que trabalha como gerente de banco), expressando, da sua maneira exageradamente enfática, não apenas o seu, mas o ceticismo de boa parte do grupo. “Pô, cara, o sujeito é cientista e não iria se expor à toa se não tivesse a mínima certeza do que está falando”, retrucou Marcão, que é advogado e adora gerar controvérsias. “Mas por que ninguém soube disso até hoje?”, interveio o psicólogo Nelson. “Ora, amigo, veja o tamanho da Amazônia! Sozinha, ela tem as dimensões da parte continental dos Estados Unidos, excluindo o Alasca! Há muita coisa escondida por trás daquela imensidão de árvores!”, opinou o professor João, que é filósofo, mas leciona Matemática em renomada escola particular da cidade.
Hackenberger garante que a região Norte da Amazônia foi densamente povoada antes da chegada de Cristóvão Colombo e dos colonizadores europeus às Américas. Diz que havia cidades de porte razoável, com amplas praças, fossos profundos para a sua proteção, pontes e estradas que as interligavam. Afirma, ainda, que as evidências apontam para a existência de uma sociedade avançada e complexa, que desenvolveu meios de convivência com a floresta, utilizando-se dos seus imensos recursos naturais, sem, contudo, destruí-la.
O conhecido arqueólogo norte-americano diz, na matéria publicada pela “Science”, que numa área em que hoje existem apenas três miseráveis aldeias de índios, com no máximo 400 pessoas cada uma, havia, a centenas de anos, pelo menos 19 cidades e vilarejos, ligados por estradas completamente retas, como se traçadas a régua, que abrigavam entre 2.500 a 50.000 pessoas. Algumas delas eram verdadeiras metrópoles para a época, com cerca de 50 hectares de extensão. Já as vilas estavam, todas, geometricamente dispostas, em distâncias de 3 a 5 quilômetros uma da outra, e de maneira parecida. Revelou, ainda, que as rodovias eram amplas e matematicamente paralelas.
“Era uma sociedade de matemáticos!”, exclamou, entusiasmado, o professor João. “Insisto que o cara viajou na maionese”, gritou Zito, com seu jeitão estabanado, causando muitos risos no grupo. Foi quando Marcelo interveio, dando ares de inteligência à mera conversa de bêbados.
“O que nós sabemos das civilizações pré-colombianas?”, indagou. “Quase nada!”, concluiu..”Só conhecemos um pouco, muito pouco, da sua arrojada arquitetura, dos monumentos maias, incas e aztecas que, milagrosamente, permanecem de pé até hoje. O mais, foi sistematicamente destruído, sem deixar vestígios”, disse. “Dos incas, que não tinham escrita, restaram só lendas, transmitidas de pais para filhos por seus descendentes, nada confiáveis por sinal, diante da fragilidade da memória”, prosseguiu.
“Os maias têm uma história de mais de 3 mil anos. Quando Roma sequer ainda havia sido fundada, seus engenheiros já construíam pirâmides monumentais tão sólidas, ou mais, que as do Egito. Tinham cidades modernas e luxuosas, como Tikal, Uxmal, Palenque, Chicén Itzá, Calakmul, Dos Pilas, Uaxatún, Altun Hu e tantas outras. Enquanto os europeus ainda estavam em cavernas, como bichos, alimentando-se de raízes e folhas e pequenas caças, esse povo destacava-se nas artes, na literatura, na filosofia, na pintura, etc.”, aduziu.
“E o que restou das suas bibliotecas? Afinal, os maias tinham uma escrita que em nada devia à que conhecemos hoje. Era uma combinação de símbolos fonéticos e ideogramas, o único sistema gráfico da América pré-colombiana que podia representar completamente o idioma falado, no mesmo grau de eficiência, que as línguas escritas européias”, acrescentou.
“Onde estão suas múltiplas e abarrotadas bibliotecas? Onde suas crônicas, histórias e manifestações artísticas? Cadê as obras dos seus poetas, dos seus líderes religiosos, dos seus cientistas, dos seus astrônomos? Foi tudo consumido pelo fogo! E por que? Por causa do fanatismo burro e tacanho de padres espanhóis, que consideravam os livros maias como coisas do demônio e ordenaram que fossem todos queimados. Restaram apenas três, de milhões que foram escritos, e as páginas de um quarto. Ainda assim, sua cultura foi tão imensa, que chegou até nós através das chamadas ‘estelas’, que os maias denominavam de ‘tetun’, ou ‘três pedras’. São gigantescos monólitos, como nossos modernos outdoors, que descrevem os governantes da época, sua genealogia, seus feitos de guerra e outros grandes eventos, em caracteres hieroglíficos”, arrematou.
Depois dessa aula gratuita de história, todos emudeceram. O que acrescentar às palavras sensatas, lógicas e bem-fundamentadas do Marcelo? O Zito, para não perder o costume, mudou de assunto e passou a falar do fracasso do novo time do Guarani, para desgosto do Marcão. Nelson preferiu defender o Plano de Aceleração do Crescimento do governo Lula, contestado pelo professor João.
Da minha parte, pedi licença para me retirar e, no caminho de casa, fui meditando na descoberta da extinta civilização da Amazônia e, principalmente, nas observações do Marcelo. Quantas idéias preciosas, quantos relatos fantásticos, quantas descobertas científicas não se perderam, ao longo dos séculos e dos milênios, por causa da ganância de uns, do fanatismo de outros, e da burrice de tantos! E o que irá sobreviver dessa enxurrada de conhecimentos ao nosso dispor neste início do século XXI? Sobreviverá alguma coisa? O mundo sobreviverá? O que pensarão de nós as gerações dos séculos XXII, XXIII, XXV, XXX e assim por diante? Talvez menos do que pensamos das civilizações pré-colombianas das Américas...
A História, da forma como a conhecemos e estudamos na escola, gera na mente das pessoas que raciocinam – aquelas que a tudo questionam e que exigem explicações lógicas para todos os fatos – muito mais perguntas do que respostas. É parcial, fragmentada, com longos hiatos que abrangem séculos, quando não milênios, e é apresentada na versão exclusivamente européia.
Tudo o que se refere, por exemplo, às Américas, antes da chegada de espanhóis e portugueses ao continente – ou dos que os antecederam – permanece envolto numa cortina indevassável de mistério, na bruma do esquecimento, soterrado por toneladas de terra ou coberto por selvas indevassáveis. E isso gera múltiplas especulações, algumas verossímeis e outras, nem tanto.
O tema foi trazido à baila, dia desses, em nosso “cenáculo” informal, em um aconchegante bar da cidade, onde nos reunimos, amiúde, para “salvar o mundo” e jogar conversa fora. Tudo começou quando nosso especialista na matéria, o Marcelo, estudante de História na PUC de Campinas, fez um comentário a propósito de matéria, publicada em 18 de setembro de 2003, pela revista “Science”, cujo recorte levei para esse encontro e li, com ares de sabe-tudo.
O texto falava dos estudos do arqueólogo norte-americano Michael Heckenberger, da Universidade da Flórida, com base em escavações arqueológicas e imagens de satélite de uma área do Norte da Amazônia, que sempre se pensou inabitada e primitiva. O referido especialista, porém, afirmou, com convicção, que essa região, hoje inóspita e vazia, abrigou, entre os anos de 1200 e 1600 da nossa era, florescente civilização.
Disse ter condições de provar – já que ali existem inúmeras ruínas – que naquele “inferno verde”, de se perder de vista, houve sofisticadas redes de cidades e vilarejos. “Viajou””, exclamou Zito (que é sociólogo, mas que trabalha como gerente de banco), expressando, da sua maneira exageradamente enfática, não apenas o seu, mas o ceticismo de boa parte do grupo. “Pô, cara, o sujeito é cientista e não iria se expor à toa se não tivesse a mínima certeza do que está falando”, retrucou Marcão, que é advogado e adora gerar controvérsias. “Mas por que ninguém soube disso até hoje?”, interveio o psicólogo Nelson. “Ora, amigo, veja o tamanho da Amazônia! Sozinha, ela tem as dimensões da parte continental dos Estados Unidos, excluindo o Alasca! Há muita coisa escondida por trás daquela imensidão de árvores!”, opinou o professor João, que é filósofo, mas leciona Matemática em renomada escola particular da cidade.
Hackenberger garante que a região Norte da Amazônia foi densamente povoada antes da chegada de Cristóvão Colombo e dos colonizadores europeus às Américas. Diz que havia cidades de porte razoável, com amplas praças, fossos profundos para a sua proteção, pontes e estradas que as interligavam. Afirma, ainda, que as evidências apontam para a existência de uma sociedade avançada e complexa, que desenvolveu meios de convivência com a floresta, utilizando-se dos seus imensos recursos naturais, sem, contudo, destruí-la.
O conhecido arqueólogo norte-americano diz, na matéria publicada pela “Science”, que numa área em que hoje existem apenas três miseráveis aldeias de índios, com no máximo 400 pessoas cada uma, havia, a centenas de anos, pelo menos 19 cidades e vilarejos, ligados por estradas completamente retas, como se traçadas a régua, que abrigavam entre 2.500 a 50.000 pessoas. Algumas delas eram verdadeiras metrópoles para a época, com cerca de 50 hectares de extensão. Já as vilas estavam, todas, geometricamente dispostas, em distâncias de 3 a 5 quilômetros uma da outra, e de maneira parecida. Revelou, ainda, que as rodovias eram amplas e matematicamente paralelas.
“Era uma sociedade de matemáticos!”, exclamou, entusiasmado, o professor João. “Insisto que o cara viajou na maionese”, gritou Zito, com seu jeitão estabanado, causando muitos risos no grupo. Foi quando Marcelo interveio, dando ares de inteligência à mera conversa de bêbados.
“O que nós sabemos das civilizações pré-colombianas?”, indagou. “Quase nada!”, concluiu..”Só conhecemos um pouco, muito pouco, da sua arrojada arquitetura, dos monumentos maias, incas e aztecas que, milagrosamente, permanecem de pé até hoje. O mais, foi sistematicamente destruído, sem deixar vestígios”, disse. “Dos incas, que não tinham escrita, restaram só lendas, transmitidas de pais para filhos por seus descendentes, nada confiáveis por sinal, diante da fragilidade da memória”, prosseguiu.
“Os maias têm uma história de mais de 3 mil anos. Quando Roma sequer ainda havia sido fundada, seus engenheiros já construíam pirâmides monumentais tão sólidas, ou mais, que as do Egito. Tinham cidades modernas e luxuosas, como Tikal, Uxmal, Palenque, Chicén Itzá, Calakmul, Dos Pilas, Uaxatún, Altun Hu e tantas outras. Enquanto os europeus ainda estavam em cavernas, como bichos, alimentando-se de raízes e folhas e pequenas caças, esse povo destacava-se nas artes, na literatura, na filosofia, na pintura, etc.”, aduziu.
“E o que restou das suas bibliotecas? Afinal, os maias tinham uma escrita que em nada devia à que conhecemos hoje. Era uma combinação de símbolos fonéticos e ideogramas, o único sistema gráfico da América pré-colombiana que podia representar completamente o idioma falado, no mesmo grau de eficiência, que as línguas escritas européias”, acrescentou.
“Onde estão suas múltiplas e abarrotadas bibliotecas? Onde suas crônicas, histórias e manifestações artísticas? Cadê as obras dos seus poetas, dos seus líderes religiosos, dos seus cientistas, dos seus astrônomos? Foi tudo consumido pelo fogo! E por que? Por causa do fanatismo burro e tacanho de padres espanhóis, que consideravam os livros maias como coisas do demônio e ordenaram que fossem todos queimados. Restaram apenas três, de milhões que foram escritos, e as páginas de um quarto. Ainda assim, sua cultura foi tão imensa, que chegou até nós através das chamadas ‘estelas’, que os maias denominavam de ‘tetun’, ou ‘três pedras’. São gigantescos monólitos, como nossos modernos outdoors, que descrevem os governantes da época, sua genealogia, seus feitos de guerra e outros grandes eventos, em caracteres hieroglíficos”, arrematou.
Depois dessa aula gratuita de história, todos emudeceram. O que acrescentar às palavras sensatas, lógicas e bem-fundamentadas do Marcelo? O Zito, para não perder o costume, mudou de assunto e passou a falar do fracasso do novo time do Guarani, para desgosto do Marcão. Nelson preferiu defender o Plano de Aceleração do Crescimento do governo Lula, contestado pelo professor João.
Da minha parte, pedi licença para me retirar e, no caminho de casa, fui meditando na descoberta da extinta civilização da Amazônia e, principalmente, nas observações do Marcelo. Quantas idéias preciosas, quantos relatos fantásticos, quantas descobertas científicas não se perderam, ao longo dos séculos e dos milênios, por causa da ganância de uns, do fanatismo de outros, e da burrice de tantos! E o que irá sobreviver dessa enxurrada de conhecimentos ao nosso dispor neste início do século XXI? Sobreviverá alguma coisa? O mundo sobreviverá? O que pensarão de nós as gerações dos séculos XXII, XXIII, XXV, XXX e assim por diante? Talvez menos do que pensamos das civilizações pré-colombianas das Américas...
1 comment:
Nossa! Quanta informação....É por isso que vou fazer História no segundo semestre. E na escola ensinam tantas coisas inúteis...Fiquei imaginando a "reunião" de vocês. Que espetáculo deve ser...Amei seu blog! E seus textos...bem, sem palavras. Ganhou uma fã incondicional. Agora aguenta! rsrrs
Post a Comment