Tuesday, March 06, 2007

Todo dia é da mulher


Pedro J. Bondaczuk


O mundo celebra, desde 1910, em 8 de março de cada ano, o Dia Internacional da Mulher. Trata-se de homenagem justíssima, porém irrisória, para quem é tão importante, diria fundamental, na vida de todos nós. Houvesse racionalidade; fossem os direitos e compromissos solenemente assumidos pela maioria dos países da comunidade mundial cumpridos e respeitados; existisse, de fato, a tão propalada “civilização”, essa data, no entanto, seria absolutamente dispensável. Constituir-se-ia em algo inútil e redundante: num anacronismo. Seria um evento supérfluo e desnecessário.
Afinal, “todos os dias” são das mulheres! Ou deveriam ser! Por que não há um Dia Internacional do Homem? A própria necessidade de existência dessa data específica, portanto, já reflete arraigado preconceito de gênero. É certo que as mulheres conquistaram, ao longo do recém findo século XX, legítimos direitos, que nunca lhes deveriam ter sido sonegados. Derrubaram barreiras, venceram tabus, ocuparam espaços e desbravaram o caminho da igualdade, da liberdade e da responsabilidade para as gerações futuras. Toda a humanidade saiu lucrando com essas conquistas.
As mulheres passaram a votar, a disputar colocação no mercado de trabalho, a chefiar lares (fazendo as vezes, não raro, de mães e de “pais” simultaneamente), a ocupar assento nas escolas, a invadir os bancos das universidades, a penetrar nos recantos mais indevassáveis de outrora, a marcar presença, enfim, nas cátedras, tribunas, púlpitos, redações, escritórios, gabinetes, laboratórios, consultórios, quadras, campos, piscinas, fábricas, etc.etc.etc.
Todas essas conquistas, todavia, embora inegáveis e expressivas, não passam ainda de ínfimas gotas d’água num oceano de injustiças, preconceitos, autoritarismo e violência de que continuam sendo, inexplicavelmente, vítimas. A idéia da criação do Dia Internacional da Mulher, frise-se, é das mais justas e meritórias, diante do episódio que a inspirou. Surgiu depois que um grupo de operárias norte-americanas pagou com a vida a “ousadia” de reivindicar direitos mínimos, que nunca lhes deveriam ser sonegados, mas que eram.
Em 8 de março de 1857, funcionárias de uma indústria têxtil de Nova York, inconformadas com a desumana exploração de que vinham sendo vítimas, decidiram sair às ruas, em passeata, para protestar e, assim, chamar a atenção da sociedade para a sua terrível situação. Embora épico, o espetáculo não deixava de ter seu lado patético. Era comovente, e ao mesmo tempo chocante, a visão daquelas mulheres corajosas, destemidas e determinadas, cobertas de andrajos, com vestidos esfarrapados e pés descalços, mas de cabeça erguida, a clamar, a exigir, a cobrar justiça.
Naquela época, sequer se cogitava de qualquer legislação que protegesse a integridade física e mental dos operários, não importava de que sexo, que eram tratados pior do que animais de carga ou do que as máquinas das indústrias. As jornadas de trabalho estendiam-se, não raro, por 16 horas ou mais, sem férias, repouso remunerado ou qualquer outra espécie de proteção.
Havia casos de trabalhadores que eram forçados a dormir nas próprias fábricas, ao lado de tornos ou teares, para cumprir metas de produção estabelecidas pelos patrões, geralmente exageradas e abusivas. Teoricamente “livres”, os operários de fins do século XIX eram tratados pior do que os escravos. E todos achavam esse procedimento “normal”.
Nesse contexto, de abuso e de exploração, as mulheres eram duplamente injustiçadas. Além de cumprirem as mesmas e estafantes jornadas de seus colegas masculinos – o que lhes minava a saúde e roubava anos e anos de vida – ainda recebiam salários irrisórios, ínfimos, ridículos, que correspondiam à metade dos que eram pagos aos companheiros homens que exerciam as mesmas funções.
Quando as corajosas e desesperadas participantes da manifestação de protesto de Nova York, nesse fatídico 8 de março de 1857, voltaram à tecelagem, para avaliar o resultado político do seu ato público, foram criminosamente punidas. Não com suspensão, desconto de salários ou demissão sumária, o que já seria inominável abuso. Sua punição, no entanto, foi muito, muitíssimo pior. As ousadas trabalhadoras pagaram com a vida pelo “atrevimento” de reivindicar direitos.
A fábrica em questão foi, conforme se comprovou posteriormente, intencionalmente incendiada, a mando dos patrões, com as operárias rebeldes no seu interior. As chances de escapar com vida eram mínimas, quase nulas. Poucas tiveram essa felicidade. Tratou-se, logicamente, de episódio de grande repercussão, que Hollywood, inclusive, transformou em filme de grande sucesso de bilheteria.
Resultado dessa sinistra e covarde revanche patronal: 139 trabalhadoras mortas, carbonizadas, sacrificadas somente por não se conformarem com a desumana exploração de que eram vítimas! Foi em homenagem a essas heróicas mártires que a Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, realizada em Copenhague, em 1910, por proposta da ativista Clara Zelkin, instituiu o 8 de março de cada ano como o Dia Internacional da Mulher.
A "guerra santa", em busca da sonhada igualdade de direitos e oportunidades, todavia, está longe de acabar. Pelo contrário, está praticamente no início. Há, ainda, um longo, acidentado e penoso caminho a percorrer. As mulheres seguem às voltas com os mais variados tipos de violência: no lar, no trabalho e na sociedade. São vítimas, na maioria das vezes silenciosas e indefesas, de agressões físicas, sexuais e psicológicas de todos os tipos e intensidades. E de outras tantas formas de violência, bem mais sutis, embora não menos perversas, como a desvalorização no mercado de trabalho (recebendo salários sempre menores do que os homens que exercem as mesmas funções), as dificuldades de ascensão a postos de comando (nas empresas e na política) e a dupla jornada, entre outras tantas.
Como se nota, ainda não é momento para comemorações. Há ainda muito direito a ser resgatado. Há um longo e espinhoso caminho a percorrer, tabus a derrubar, resistências a vencer. Essa luta apenas haverá de acabar quando forem dispensáveis datas especiais, como esta, para reconhecer o valor das mulheres. Quando todos os dias do ano, de todos os anos, forem reconhecidos, como sendo seus dias! E de fato são!
A mulher é a matriz e a guardiã da vida. É mãe, educadora, companheira, amante, amiga, administradora, conselheira, psicóloga, disciplinadora, médica, economista e tudo isso (e muito mais), simultaneamente. Todos sabem que não se trata de nenhum exagero. Mas daí ao reconhecimento vai uma distância imensa. Façamos, pois, em nome do amor que nutrimos por nossas mães, nossas filhas, nossas avós, nossas namoradas, nossas esposas e nossas amigas, de todos os dias do ano, um Dia Internacional e interminável da mulher!!!

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