Friday, March 02, 2007
Consciência primária
Pedro J. Bondaczuk
Os animais ditos irracionais, notadamente os domésticos (como cães e gatos) são uma fonte inesgotável de afetos para milhões, diria bilhões de pessoas solitárias e carentes, mundo afora. Essa estreita relação de amizade entre espécies diferentes é milenar e remonta aos tempos das cavernas. E cresce, de ano a ano, quer em termos quantitativos, quer em qualidade.
Que o diga a cada vez mais próspera indústria voltada ao atendimento das necessidades (e luxos) dos bichinhos de estimação, como as fábricas de ração, os laboratórios veterinários, os petshops etc. Bilhões de dólares são movimentados, anualmente, nesse tipo de atividade, gerando empregos, conferindo oportunidades a pessoas talentosas e fazendo girar as rodas da economia mundial. “Bobagem”, dirão alguns. “Frescura”, afirmarão os habituados a criticar a tudo e a todos, que se colocam no chatíssimo papel de palmatórias do mundo. Discordo deles. E vou tentar explicar porque.
Alguns hospitais – principalmente os pediátricos e geriátricos, nos Estados Unidos, Canadá e algumas partes da Europa – já permitem a presença de animais de estimação de pacientes em suas dependências. E os resultados terapêuticos dessa atitude racional e humanitária são surpreendentes, diria, excepcionais. Ocorrem curas julgadas até impossíveis, que muitos chamariam de “milagrosas” e, quando não, o estado dos doentes melhora a olhos vistos, facilitando, destarte, seu tratamento.
Há pessoas, até, (e não são poucas) que se apegam muito mais aos seus bichinhos do que a parentes (quando os têm) e a amigos (eventuais). Não as critico. Elas têm lá as suas razões, convenhamos. Da minha parte, não costumo misturar as coisas. Tenho espaço, nas minhas afeições – que tento tornar ilimitadas e, se possível, infinitas – para todas as espécies: quer para animais ditos irracionais, quer para o suposto “homo sapiens” que, não raro, está muito mais é para o “homo demens”.
Não sou especialista na matéria que trata do comportamento animal, chamada de Etologia (aliás, como todo jornalista que se preze, sou especializado, apenas, em “generalidades”, ou seja, sei um pouquinho de tudo, mas não sei tudo de nada), porém não consigo concordar com a pecha de irracionalidade atribuída, por exemplo, a cães e gatos. Creio que o apego e o afeto que eles nos dedicam não sejam, apenas, instintivos, portanto inconscientes. E nem frutos de condicionamento, igualmente atribuído aos instintos, mas de um certo nível de consciência, posto que primário.
Gosto desses bichos e sempre os tive. Há ocasiões em minha vida em que chego a exagerar na quantidade, arranjando, quase sempre, confusão com os vizinhos. Nada sério, esclareço. Nunca chegou a ser algum desentendimento que uma boa conversa, amável e diplomática, não resolvesse. Sou avesso a qualquer tipo de desinteligência. Fujo de bate-bocas e de brigas. Todavia, não admito que ninguém dite meus gostos e comportamentos. Mas sempre existe um ponto de entendimento, que permite uma convivência pacífica e com um mínimo de atritos, não é mesmo? É a este que recorro.
Tenho, atualmente, nove gatos (dois de raça considerada “nobre”, cinco mestiços e dois lídimos e simpáticos “vira-latas”, boêmios e brigões) e um cão “poodle-toy”, que faz jus, plenamente, a esse nome, por parecer, de fato, mero brinquedo, dado seu tamanho e sua aparente delicadeza. Nenhum desses animais, porém, tem comportamento igual, o que desmente essa questão do “mero instinto”. Cada qual tem sua personalidade, seus gostos e suas idiossincrasias. Uns são mais agressivos, outros, mais arredios, terceiros, são mais carinhosos, e assim por diante. Todos eles tiveram idêntica criação. São alimentados e tratados da mesmíssima forma. Porém, cada qual tem seus gostos, seu comportamento, suas reações, seu modo de proceder e sua própria característica.
O Nick, meu cãozinho, por exemplo, só falta falar. Tem um nível de entendimento que muita gente que conheço não possui. Quando estou em meu gabinete de trabalho, cuja porta mantenho sempre aberta, e ele percebe (pelo menos parece que percebe) que estou concentrado em algum texto mais complexo, entra sorrateiramente sem chamar a atenção, deita aos meus pés e permanece quietinho, quietinho, até que eu me disponha a lhe fazer algum carinho. Quando o faço, ele me retribui de forma que nenhum humano jamais me retribuiu ou me retribuiria à maior das manifestações de afeto que lhe poderia dedicar.
Já tive a oportunidade de narrar, em uma crônica, sua principal peripécia, que lhe granjeou especial prestígio na família. Esta chegou até mesmo a nomeá-lo, desde então, de nosso exclusivo e perpétuo guardião (apesar da sua ínfima estatura). Foi quando três ladrões entraram, em 28 de dezembro de 2000, em minha casa e me fizeram – além da esposa, da sogra, de dois filhos e do meu neto – de refém. Todos, prudentes, nos acautelamos e fizemos, rigorosamente, o que os marginais ordenavam, para preservar nossa integridade física. O patrimônio que se danasse! Todos... menos o Nick.
Enquanto durou o drama, o valente cachorrinho não parou de hostilizar os invasores um único segundo. Latia, mordia-lhes as pernas (mesmo recebendo inúmeros pontapés) e chegou, mesmo, a rasgar a barra da calça de um dos facínoras (que apontou, por três vezes, a arma para a cabeça do nosso herói, mas que não conseguiu disparar, por razões que me fogem à compreensão), abreviando, com sua algazarra, o assalto.
Hostilizou-os tanto, que os ladrões não levaram quase nada de casa, além de algumas bugigangas, reles bijuterias que eles acharam que fossem jóias. Pouparam nossos computadores, televisores, aparelhos de som e outros equipamentos caríssimos e valiosos. Mesmo depois que se foram, o Nick continuou latindo, por cerca de uma hora, como que a lhes dar um recado: “não venham, que não tem!”. Imaginem se meu frágil cão fosse um pitbull! Teria estraçalhado os marginais, em nome da nossa segurança.
Mas o Nick não tem, apenas, complexo de policial. Ele se acha, também, grande intelectual. Por favor, amável leitor, não ria! Claro que a culpa é minha, que o acostumei mal. Tenho um vizinho que tem o hábito de ler poemas de Horácio para o seu cão, um belíssimo Fox escocês, negro e de pelos luzidios (escrevi a esse respeito em uma das minhas crônicas).
Resolvi imitá-lo com o meu Toy, para ver no que daria. Li composições minhas que, a princípio, provocaram-lhe reações que me pareceram de pura surpresa. O Nick me olhava, me olhava, me olhava, intrigado, fixamente, alerta, tentando entender o que se passava. Todavia, viciou.
Hoje, basta que ele veja eu pegar o caderno onde registro meus poemas acabados (os somente rascunhados, carentes de revisão, rabiscados em maços de cigarro, papéis de embrulho, guardanapos etc. ficam espalhados em inúmeras gavetas, até que eu os revise, copie e jogue os rascunhos fora) para ficar aos meus pés, alerta, orelhas em pé, à espera da declamação. Instinto?! Uma ova! Meus animais de estimação têm muito mais inteligência do que boa parte das pessoas que conheço! Ora se têm!!!
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