Sunday, March 18, 2007

A Caixa de Pandora


Pedro J. Bondaczuk

O desastre verificado na usina nuclear soviética de Chernobyll, cujas conseqüências reais ainda são desconhecidas, conduzem o crítico a uma série de reflexões, baseado, não somente, neste caso específico, mas em vários outros. Como o verificado, por exemplo, em março de 1979, em Three Mile Island, nos Estados Unidos. Ou como os seguidos vazamentos de radioatividade verificados na unidade de Tsuruga, no Japão, que levaram as autoridades nipônicas a fecharem esse complexo, após o 39º acidente. Ou, então, como o caso verificado mais recentemente, na Grã-Bretanha, onde a radiação contaminou a produção leiteira de uma vasta região.
Quando a energia contida no interior de um átomo foi descoberta, a fantasia humana previu para ela milhares de aplicações em fins pacíficos. Chegou-se a falar, num tempo não tão remoto assim, até no seu uso em veículos automotores, nas grandes cidades mundiais.
Previu-se a remoção de montanhas em questão de horas, a abertura de túneis em fração ínfima de tempo (se comparada aos métodos convencionais) e outras utilizações em projetos megalomaníacos.
Hoje, à exceção de alguns navios de guerra, onde o combustível atômico tem vasta aplicação, para pouca coisa mais essa terrível energia tem servido ao homem. Ao contrário, nela, hoje, reside todo o nosso temor, e todo o nosso pânico, porquanto por esse meio, tudo o que foi feito no Planeta, e todos os seus habitantes, podem ser destruídos por essa fúria, capaz de ser deflagrada com o simples ato de se comprimir um determinado botão.
Mesmo que essa fonte energética possa servir para tudo o que se imaginou, o homem ainda não aprendeu como neutralizar um de seus principais efeitos colaterais: a emissão de raios gama, beta e sabe-se lá quantos e quais outros, letais para os seres vivos. Portanto, sua aplicação envolve infinitamente maiores riscos do que vantagens.
Pode-se dizer, até, que a energia nuclear é como aquela mitológica caixinha dos gregos, a de Pandora, que continha todos os males da Terra. No dia em que certo insensato a abriu, pestes, violência, morte e destruição passaram a assolar os povos.
A comparação é válida para a tremenda força existente no núcleo de um átomo. Vários cientistas admitem que acidentes, como o registrado na União Soviética, em que o coração do reator se derreteu e a própria usina foi tomada por um incêndio, podem matar milhões de pessoas. Algumas, no próprio desastre. Outras tantas, de uma forma mais cruel, lenta e insidiosa, mas fatal.
A própria URSS já teria passado por algo dessa natureza (embora suas autoridades sempre neguem a versão). Fotos tiradas por satélites, do território soviético, mostram uma região desolada, próxima aos Montes Urais, que apresenta um aspecto como se tivesse sido bombardeada por algum artefato nuclear.
Ali teria ocorrido, por volta de 1956, um desastre fabuloso, muito pior do que o ataque norte-americano a Hiroshima. Aldeias inteiras, que então constavam dos mapas, hoje já não existem mais. Quantos morreram ali (se for verídica a versão, e não há razões plausíveis para se duvidar da sua veracidade)? Cem mil pessoas? Duzentas mil? Quinhentas mil? Um milhão de pessoas?
Isso, provavelmente, jamais se saberá com certeza. Mas as fotografias de satélites mostram que alguma coisa de muito grave de fato aconteceu nessa área do território soviético. E de nada vai adiantar as autoridades desse país negarem a ocorrência.
Imagine o leitor se, ao invés de uma usina termonuclear, houvesse explodido – por algum desses acidentes inexplicáveis, mas sempre possíveis – um silo carregado de ogivas nucleares! E, pior, se por algum fenômeno diabólico, todavia plausível, a reação em cadeia, que conduz à fissão dos átomos, fosse deflagrada em cinco, ou em dez dessas bombas!
A esta altura, se ainda estivéssemos vivos, estaríamos à espera, somente, do pior. Ou de um longo inverno nuclear, que congelaria o Planeta, privado da luz solar por anos e anos. Ou de algo ainda mais apavorante: a insidiosa radioatividade, invisível, traiçoeira e implacável, que nos mataria lentamente.
E qual povo, obcecado pelo poder a ponto de agir, inconscientemente, como suicida, tem o direito de determinar o instante e a forma com que vamos morrer? Claro que nenhum! É por essa e muitas outras razões que devemos lutar, enquanto há tempo, para o banimento de todas essas engenhocas. Porquanto, cada dia que nasce está arriscado a se tornar o derradeiro em que vemos a luz do sol.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 30 de abril de 1986).

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