Wednesday, March 28, 2007

Aro de generosidade


Pedro J. Bondaczuk


A generosidade não consiste, como a maioria entende, apenas em dar aos outros (àqueles que estão necessitando), o que temos de sobra e não iremos usar ou que nos seja imprestável: uma roupa velha que para nós não tem mais utilidade, um objeto que não mais nos interesse possuir, dinheiro, ou seja lá o que for. O ato mais generoso que existe é o da autodoação e aos que sequer conhecemos. É o de doar nossas idéias, nossa visão da vida, nosso entendimento do mundo, nossas fantasias e ilusões.

É levar consolo aos desconsolados, esperança aos desesperançados, alegria aos tristes e perspectivas aos entediados. É repartir de graça a experiência que adquirimos a um preço muitas vezes proibitivo. E é isso o que os escritores, estes seres iluminados e generosos, detentores de um talento que não é dado a qualquer um possuir, fazem.

Ofertam ao mundo aquilo que são. Deixam, para quem quiser (ou puder) se apropriar, do presente ou do futuro, conceitos, imagens, sentimentos, emoções, dúvidas, certezas e o que mais tiverem no fundo da consciência e souberem expressar em palavras e que se não o fizessem iriam se extinguir tão logo morressem. Por isso, tenho muito cuidado com aquilo que escrevo.

Fui, durante minha já longa carreira jornalística, um comentarista equilibrado, embora polêmico, que sempre criticou ações e não pessoas. Ao menos conscientemente, nunca destruí e nem tentei destruir ninguém. Claro que a recíproca nem sempre foi verdadeira. Fui alvo, em inúmeras oportunidades, de agressões verbais incompreensíveis e covardes. De críticas maldosas e francamente destrutivas. De ameaças até contra a minha vida. De chacotas. Sobrevivi.

De uns dois anos a esta parte, optei por escrever crônicas. Claro que não sou nenhum Rubem Braga, ou Fernando Sabino ou Henrique Pongetti. Aliás só procuro espelhar-me em um outro escritor que não os mencionados. Meu modelo é o professor Benedito Sampaio, cuja forma de escrever é o ideal que procuro atingir: elegante, correta, interessante e ao mesmo tempo coloquial.

Decidi abordar o lado aparentemente trivial da vida e que no entanto é o verdadeiramente importante. A escala de valores das pessoas (da grande maioria que conheço) é muito distorcida. O homem, no geral, desperdiça grande parte da existência (quando não toda ela) a correr atrás de fumaça, de bens cuja posse será transitória, de objetos aparentemente valiosos e que na verdade não valem coisa alguma. Quando se dão conta, acabam ficando sem nada. Sem a própria vida, desperdiçada em tarefas tolas.

Estou sendo generoso quando exponho minhas idéias mais íntimas, aquelas que denunciam como sou, com toda a minha fragilidade e vulnerabilidade, ao julgamento nem sempre isento e justo do público, mesmo que em troca de pagamento. Maior generosidade ainda é quando essa exposição é gratuita, sem nenhuma remuneração, como a maioria dos textos que publiquei.

E interpretações distorcidas não faltam para esse exercício permanente. Alguns atribuem o muito escrever à vaidade (o que, a pretexto de ser uma ofensa, é na verdade um elogio, pois pressupõe que o que escrevo é tão bom a ponto de me fazer vaidoso). Outros, à ânsia de notoriedade fácil (como se a apresentação de idéias através das palavras fosse uma ação que não exigisse nenhum esforço). Outros, ainda, acham que se trata de ganância, pensando que todos os textos produzidos são regiamente pagos.

Além desses inconvenientes, há o permanente risco do ridículo. E é mais fácil do que se pensa resvalar para ele. Difícil é percebê-lo e evitá-lo. Ainda assim, escrevo com alegria, com prazer, com emoção. Meu empenho é o de mostrar o lado alegre, belo ou risível da vida. O trágico é desnecessário. Não há quem não o conheça, por mais alienado que seja.

É verdade que às vezes não consigo dissimular a zanga contra atos de perversidade, corrupção e violência de toda a sorte. Contra as taras, a miséria, o egoísmo, a prevalência da força, o instinto cego e destrutivo e tudo o que ameace a vida e a felicidade das pessoas. Mesmo esses momentos de explosão, contudo, tento tornar racionais, para que os excessos verbais não neutralizem as lições possíveis de se extrair dessa maldade condenada.

O filósofo Aristóteles observou: "Qualquer pessoa pode zangar-se --- isso é fácil; mas zangar-se com a pessoa adequada, na medida adequada, para o propósito adequado e de maneira adequada, isso é coisa que não está ao alcance de qualquer um, e não é fácil".

Como não é fácil convencer a família da grandeza desse ato de generosidade para com a comunidade, gastando horas, dias, meses e anos a escrever de graça, preenchendo um tempo que ela entende que deveria ser preenchido com a corrida atrás do dinheiro. E sem receber reconhecimento de ninguém, na maioria das vezes...

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