Wednesday, March 21, 2007
Personagens que marcam
Pedro J. Bondaczuk
As pessoas sentem-se bem em algum lugar, não importa seu tamanho ou importância, apenas quando conseguem estabelecer interação com seus moradores. A alma de qualquer cidade, óbvio, é sua gente. Está consubstanciada nos que a habitam e lhe dão personalidade. Tirem-se as pessoas e sobra o quê? Restarão ruas desertas, prédios vazios de concreto e vidro, mansões, casas modestas, barracos...coisas inanimadas. Objetos sem vida e sem alma.
Não é, evidentemente, a isso que nos apegamos. Não é isso o que torna determinada cidade a nossa eleita, o palco da nossa vida, o abrigo dos nossos sonhos, o cenário das nossas ilusões e desilusões. Apegamo-nos, na verdade, é aos seus habitantes. Tanto aos do passado, que conhecemos somente pela tradição escrita ou verbal, quanto aos do presente e quiçá do futuro, refletido nas crianças de hoje, líderes potenciais da comunidade de amanhã.
Campinas não poderia ser diferente. Tem sua força no cérebro, no coração, na sensibilidade, no talento e no braço da sua gente. Nos cientistas e catedráticos que tornam suas universidades modelos nacionais e que ostentam projeção internacional. Em seus laboratórios de alta tecnologia, onde são cultivadas as sementes do futuro. Em suas escolas, preparando as novas gerações para assumirem as responsabilidades por suas próprias vidas e da comunidade. Em seus centros culturais, onde são acumuladas e preservadas as criações espontâneas do espírito. Em suas academias de letras, de dança, de esportes, onde se cultivam as artes e a saúde. Em seus hospitais, conhecidos além-fronteira por sua excelência. Em seus órgãos de comunicação, transmitindo informações e testemunhando a história dos povos no exato momento em que esta acontece.
A força de Campinas está em seu povo. Foi por ele que fiz desta cidade a minha terra de adoção (ou foi ela que me adotou?). Pessoas ilustres, com prestígio consolidado, com o nome registrado na história do País, nasceram (ou viveram algum período de suas vidas) aqui. A cidade produziu de tudo. Desde um presidente da República – Campos Sales, o segundo a ser eleito, no Brasil, pelo voto direto – a artistas de renome internacional, como Carlos Gomes, José Pancetti e Guilherme de Almeida, entre tantos e tantos outros. Desde eminentes políticos, como Francisco Glicério e Bento Quirino, a jornalistas notáveis, como Júlio de Mesquita e Azael Lobo. Desde médicos, como o Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho (fundador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e José Paulino Nogueira, a grandes inventores que moraram ou estudaram em Campinas, como o inventor da fotografia, Hercule Florence e Alberto Santos Dumont. Desde ilustres professores, como Benedito Sampaio, a grandes comunicadores, como César Ladeira.
Mas os personagens que mais me fascinaram, e por isso marcaram, foram os humildes, os populares, os até folclóricos, que conheci e com os quais convivi. Destes, o principal, sem dúvida, foi João Lopes de Camargo, conhecido como “Mane Fala Ó”, chamado dessa maneira por perseguir as meninas bonitas da cidade e não desistir do pacífico assédio (confundido, por muitos, como agressividade, o que lhe valeu algumas surras, em especial de namorados ciumentos) enquanto não lhe dissessem um singelo “ó”. Foi uma figura doce, inofensiva, ingênua que, com o tempo, conquistou a simpatia e o respeito de boa parte da população. Quando morreu, na véspera do Natal de 2003, atropelado, aos 72 anos de idade, sua morte causou consternação em toda a cidade. Foi um personagem tão querido, que hoje há uma praça em Campinas que ostenta o estranho apelido que tinha.
Outra figura folclórica da cidade foi a “Gilda”, que adotou essa denominação em alusão à personagem celebrizada pela atriz Rita Hayworth, num dos filmes mais famosos já produzidos por Hollywood. Seu nome de batismo, que poucos conheciam, era Geovina Ramos de Oliveira. Dizia-se viúva do cantor Francisco Alves, o famoso “Rei da Voz”, que morreu num desastre automobilístico na Via Dutra, em 27 de setembro de 1952. Assegurava que era noiva do então prefeito da cidade, Orestes Quércia, que se divertia com isso. Nunca deixava de usar faixas que a consagravam ora como rainha de Campinas, ora do Brasil, ora, apenas, do Guarani, seu clube do coração. Gilda morreu em 1974, aos 74 anos, para consternação da maioria dos campineiros. E minha também, claro.
Esses tipos pitorescos ainda existem na cidade, embora não tão populares como os dois que citei. Um deles, por exemplo, é Antônio Francisco dos Santos, tempos atrás conhecido como “Tonhão da Rapadura”, que hoje se autodenomina “O Politizador”, e que desfila, freqüentemente, pelo centro da cidade, com seu megafone, judiando dos ouvidos dos comerciantes, moradores e transeuntes do local. Outro é a Conceição, que se caracteriza pela extremada paixão pela Ponte Preta. E há tantas e tantas outras figuras marcantes, que humanizam e, por que não, divertem Campinas, com suas manias, extravagâncias e idiossincrasias. egafone, judiando dos ouvidos dos comneom ade, emborqa oraç os ataversidade de Sme mundial, como Carlos Gomes, Jos
Em algumas cidades, não conseguimos interagir com seus habitantes. Não raro, somos rejeitados por eles ou, o que é mais comum, simplesmente, ignorados. As razões são várias. Essa falta de entendimento ocorre ou por sermos rejeitados pelos moradores, ou porque os rejeitamos, ou por incompatibilidade de temperamentos, de formação, de educação etc. Não foi o que ocorreu comigo em relação a Campinas. Dois terços da minha vida, que já passa bastante de meio século, transcorreram aqui. A maior parte das lembranças que vão acompanhar meus últimos dias sobre a Terra é originária daqui. Sou fruto cultural desta cidade. Aqui obtive a minha formação, desde os tempos dos colégios Cesário Motta e Ateneu Paulista, à universidade, aluno que fui da tradicional Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Meus amigos mais caros residem ou estão sepultados aqui. Meus adversários mais temíveis também são daqui. Minha vida, portanto, está ligada, para sempre, à cidade, berço dos meus filhos.
E, a menos que o acaso, sempre caprichoso, apronte das suas, será aqui que irei estabelecer minha derradeira e definitiva interação: meus restos mortais haverão de repousar nesta terra generosa, misturando-se com ela, enquanto a essência do que fui e do que quis ser tentará permanecer, para sempre, viva na memória dos habitantes desta metrópole que tanto amei e amo.
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