Thursday, March 01, 2007

Do tamanho do que vejo


Pedro J. Bondaczuk


O poeta português Fernando Pessoa sempre foi leitura obrigatória, pelo seu domínio do idioma, pela agudeza das suas observações e pela sua visão de vida que, guardadas as devidas proporções, é similar à que eu tenho. Em geral, os que escrevem sobre ele se detêm na peculiaridade de seus heterônimos, principalmente no fato de haver criado uma personalidade própria, característica, para cada pseudônimo que adotou. Utilizou, portanto, uma forma bastante original (e genial) para variar de estilo.

O que me fascina, sobretudo, nesse intelectual é o seu senso crítico e a coragem de dizer o que em determinados momentos todos temos vontade, mas não nos atrevemos, quando se refere a temas considerados tabus. Tememos o ridículo. Não queremos nos expor. Tudo o que me caiu nas mãos, escrito por e sobre Fernando Pessoa, "devorei" com deleite e atenção, para não deixar fugir nenhum detalhe. E não apenas sua obra poética, refinadíssima, mas até as anotações pessoais íntimas, publicadas depois da sua morte.

Citei-o em inúmeras ocasiões, embora nunca me atrevesse a empreender uma crítica de seu trabalho, por não me julgar preparado para um empreendimento intelectual desse porte. Uma dessas citações, por exemplo, é a que Fernando Pessoa enunciou, sob o heterônimo de Alberto Caieiro, no poema "O Guardador de Rebanhos". Diz: "Da minha aldeia vejo quanto da Terra se pode ver no Universo.../Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer/porque eu sou do tamanho do que vejo/e não do tamanho da minha altura..."

Por isso, sou avesso às cidades, em especial as grandes. Não pelas pessoas que a habitam, já que estas há de todos os tipos e temperamentos. Além disso, gosto de gente. Há as inesquecíveis, as construtivas, as preciosas, de cujo contato nos enriquecemos. Existem as que vivem e deixam viver, sem se intrometer na vida alheia. Muitas são omissas. Algumas são perniciosas, verdadeiros erros da natureza. Outras estão apenas desorientadas, mas apresentam um potencial imenso que, se explorado, as torna muito especiais. E vai por aí afora. Há gente de todo o tipo e para todos os gostos.

Portanto, não são as pessoas que me aborrecem nas grandes cidades. É a sensação de sufoco que a limitação do meu ângulo de visão me dá. É o barulho descontrolado, que tira a concentração. É a poluição, que machuca os olhos e os pulmões e impede de respirar direito. É a sensação de estar "encaixotado". O campo não é assim. Confere uma sensação de liberdade, mesmo quando não somos livres. Em espaços abertos nos sentimos maiores, "do tamanho daquilo que vemos".

O mesmo raciocínio vale em relação a tudo o que nos cerca e até ao próprio Universo, que não podemos vislumbrar em toda a sua grandeza, a não ser os pálidos reflexos que os telescópios captam. Mas os cientistas, cheios de empáfia, acham que podem ver tudo. Pensam que enxergam os contornos dos seus limites em expansão, quando na verdade vêem muito pouco, um quase nada em relação às suas reais e inconcebíveis dimensões.

A natureza, no entanto, torna-se mais compreensível quando, em vez de vê-la, a sentimos. Tentar racionalizá-la, traduzi-la em idéias, pode redundar em belas fantasias, mas é o método mais falho para captarmos a realidade. A criação é fruto de sentimentos muito mais do que da razão. Fernando Pessoa observa que "sentir é compreender. Pensar é errar".

Depende, portanto, do que queremos. Se buscamos a compreensão, através somente do raciocínio, acorrentando nossos sentimentos e policiando as emoções, estamos em um caminho equivocado, em um beco sem saída. E o motivo é muito simples, exposto com meridiana clareza pelo poeta ao constatar: "Sentir é criar. Sentir é pensar sem idéias e por isso é compreender, visto que o Universo não tem idéias".

Aldous Huxley tem uma observação pertinente, que completa esse raciocínio: "A ciência não explicou nada. Quanto mais sabemos, mais fantástico se torna o mundo e mais profunda fica a escuridão ao seu redor". E o físico nuclear norte-americano Steven Weinberg completa, explicando o motivo porque alguns optam por "pensar" o universo em vez de "senti-lo": "O esforço para entender o universo é uma das pouquíssimas coisas que erguem a vida humana a um nível ligeiramente além da farsa, dando-lhe algum toque de tragédia". Da minha parte, prefiro a epopéia. E na pior das hipóteses a comédia.

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