Friday, March 16, 2007
Só promessa
Pedro J. Bondaczuk
O sucesso, que buscamos com tanta intensidade e afã, a ponto de, não raro, sacrificarmos tanta coisa boa que poderíamos usufruir, quando obtido, às vezes, pode significar um grande mal e não o bem que pretendíamos. Corremos o risco da acomodação, fatal para as nossas pretensões. Se não nos impusermos novos objetivos, estaremos nos arriscando a nos transformar em “mortos vivos”, em pessoas que vivem apenas por viver, sem sonhos, metas, conquistas ou fracassos que, se bem-administrados, têm lá o seu caráter didático..
O dramaturgo irlandês George Bernard Shaw escreveu a esse respeito: “Temo o sucesso. Ser bem-sucedido é ter terminado nossos assuntos na terra, como o macho da aranha, que é morto pela fêmea no momento em que foi bem-sucedido em seu namoro. Gosto de um estado de contínuo vir a ser, como um objetivo à frente e não atrás”. Muita gente, porém, leva (mesmo sem conhecer a citação do eminente ganhador do Nobel de Literatura de 1925) longe demais.
A única meta, que de tão grandiosa não conseguirá jamais ser alcançada, é a de amar sem-limites, tanto os que mereçam, quanto (e principalmente) os que não sejam merecedores do nosso amor. O resto... Bem, o resto não é mais do que fumaça. Não passa de meras ilusões. Ademais, não basta nos limitarmos a ter objetivos. Temos que nos empenhar ao máximo para que eles se concretizem (desde que factíveis, é claro).
Carlos Pantaleão (obviamente, este é um nome fictício, embora o personagem seja real) dizia para todos que era escritor. Todavia, nunca havia escrito um só livro. Apregoava, aos quatro ventos, que estava trabalhando num romance e até resumia o seu enredo. Mas... escrever mesmo, que é bom... nada! É verdade que havia publicado alguns artigos e algumas crônicas até que razoáveis no jornalzinho do bairro em que ambos residíamos. Achava que isso o credenciava a se considerar um novo Fernando Sabino, ou, quem sabe, um Rubem Braga campineiro. Exagero, claro. Não que não tivesse talento, longe disso. O que não tinha era autodisciplina, garra e, em suma, vontade. Pudera! Contava com alguém para bancar os seus caprichos. Ou, melhor dizendo, sua malandragem.
Carlos não trabalhava há muito tempo. Estava desempregado há uns cinco anos e vivia às custas de Elza, sua mulher, vendedora em uma loja de sapatos da cidade, que fazia das tripas coração para manter a casa. Nosso projeto de escritor passava dias e dias num bar, a pretexto de “observar personagens” para seu propalado romance. Apesar de se tratar de desculpa visivelmente esfarrapada, sua dócil e crédula esposa acreditava nele.
Passados, porém, três anos que o conheci, não havia escrito uma só linha do tal livro. Certamente, jamais iria escrever. Reitero que não lhe faltava talento. Vivia se exibindo, como um prestidigitador das letras, no bar, compondo versos e mais versos, em papel de embrulhar pão (que o dono do boteco lhe dava), em troca de uma dose de bebida.
Estava sempre duro, já que a mulher não tinha como manter, simultaneamente, a casa e ainda, por cima, custear a sua malandragem (que ela, frise-se, não encarava dessa forma). Mas não faltava quem lhe pagasse alguma generosa dose de conhaque (e ele fazia questão de pedir sempre o mais caro), em troca de suas poesias. Li alguns versos seus e achei-os muito bons. Carlos, porém, não fazia questão sequer de os guardar. Esbanjava talento e tempo, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Elza chegou ao cúmulo de cortar relações com várias amigas (inclusive com minha mulher), que tentavam alertá-la sobre a malandragem do marido. Ficava furiosa com quem sequer insinuasse que estava sendo ingênua e se deixando enganar por um sujeito de muita lábia, mas de pouco, ou nenhum caráter. Confiava cegamente no seu homem e estava convencida que seu sacrifício era um investimento no futuro, uma necessária contribuição para o sucesso do “trabalho” do amor de sua vida. Num bar?!!! Ora, ora, ora, querida Amélia!!! É surpreendente que, em pleno século XXI, ainda existam mulheres como ela!
Há tempos que não encontro com Carlos e que nem passo pelo boteco onde essa “promessa de escritor” dá a entender que seja a sua “redação”, no qual (garantia) faria “laboratório” para produzir seu best-seller. Não ficarei, porém, nada surpreso se, a esta altura, estiver na rua da amargura, sem o respaldo de Elza. Afinal, até ingenuidade (ou seria burrice mesmo?), quando em demasia, um dia cansa. Não sei se Carlos conhece a observação de Shaw, sobre o lado nocivo do sucesso (creio que não conheça). Mas, se conhecer, está levando longe demais esse belo pretexto para a sua, digamos, vagabundagem explícita.
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