Friday, March 09, 2007
Exceto o ator
Pedro J. Bondaczuk
O mundo, às vezes, me parece um grande palco de teatro – e nisso concordo com os escritores que usaram essa metáfora em suas criações – onde todos representamos, à nossa revelia, um determinado papel. Esse enredo, a rigor, é mutante. Ora é cômico, ora é patético, ora é trágico. Mas, na maioria das vezes, é tragicômico. Ou seja, parece, à primeira vista, risível e, no entanto, é trágico. É feito muito mais para chorar do que para rir. A única coisa que sabemos, dessa grande peça (ou seria farsa?), é seu desfecho, o final, que é o mesmo para todos os atores, tanto para heróis, quanto para vilões.
William Somerset Maugham, um dos mais conhecidos e populares escritores e dramaturgos do século XX, foi um dos que utilizaram essa metáfora, a que recorreu no romance “Catalina”. Como se vê, não estou sendo nada original ao abordar esse tema. Aliás, nem estou à procura de originalidade que, ademais, é coisa rara, para poucos mortais, se é que alguém consegue agir de forma peculiar, como ninguém antes agiu. Tenho lá as minhas dúvidas.
Vivemos plagiando os outros, repetindo idéias, atos, conceitos, imagens e comportamentos alheios a todo o momento – do despertar ao adormecer –, com algumas variações pontuais, aqui e ali. Representamos o tempo todo e raramente nos damos conta dessa representação. Se não me falha a memória (que de uns tempos para cá tem falhado amiúde), Machado de Assis também fez essa comparação em um de seus contos. Pelo menos, estou em nobre companhia.
A conclusão a que chego, com base nessa premissa, é que ninguém conhece, de fato, ninguém. Nunca sabemos se uma pessoa é, mesmo, aquilo que nos parece ou se está se limitando a representar um papel, encarnando um determinado personagem. Vou mais longe: ninguém pode afirmar, com convicção, que se conhece.
Mais uma vez, confesso, não estou sendo original. O psicólogo, e consultor de empresas, Milton de Oliveira chegou à mesmíssima conclusão, em seu instigante livro “Energia emocional – Base para gerência eficaz” (Makron Books Editora), lançado em 1997, contudo, mais atual do que nunca. Escreveu: “Iludimo-nos ao acreditar que conhecemos a personalidade dos outros porque observamos e analisamos parte de suas condutas ou comportamentos exteriorizáveis (...) O comportamento humano é tão complexo que estamos ainda muito longe de compreendê-lo profundamente; somos limitados por questões éticas e por insuficiência metodológica”. Em outras palavras: nunca sabemos se a pessoa que é foco de nossa observação está sendo autêntica, ou, se meramente representa um determinado papel.
Em outro trecho, Milton de Oliveira constata: “Vivemos em função das expectativas e das avaliações das outras pessoas; nosso comportamento é permanentemente controlado pela avaliação contínua feita pelos nossos pares”. Insisto, porém, que nem sempre (talvez nunca) essa representação, de um determinado papel social, é intencional. Provavelmente, não sabemos e nem percebemos isso. Somos condicionados, desde crianças, a agir dessa maneira, pelo tipo de educação que recebemos.
O ideal seria que não reprimíssemos tanto as nossas emoções, como fazemos a todo o instante, mesmo as mais “selvagens” e primitivas. Que não nos prendêssemos à razão, que costuma ser dissimulada e venal. Que expressássemos os sentimentos de forma espontânea, por gestos, por atitudes e até por olhares, dispensando as palavras, que por mais que tentemos rebuscar e criar expressões novas, são paupérrimas para definir o que sentimos.
Teilhard de Chardin chega a uma conclusão bastante parecida, a esse propósito: “Temos necessidade não de um frente-a-frente, nem de um corpo a corpo, mas de um coração-a-coração. Somente o amor, porque só ele prende e une os seres no seu mais profundo, é capaz... de aperfeiçoar os seres enquanto seres, reunindo-os”. Daí concordar, em parte, com a conclusão do escritor e dramaturgo George Bernard Shaw, que afirmou: “Talvez no teatro da vida se divirtam todos, menos o ator”.
Discordo, no entanto, do genial teatrólogo irlandês (ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1925, que se celebrizou por suas tiradas inteligentes e mordazes), num pequeno, porém fundamental detalhe. Entendo que ninguém se “diverte” diante desse imenso e perpétuo palco, onde se representa essa peça sem fim. Afinal, nesse espetáculo, não existem expectadores. Todos somos – com papéis maiores ou menores, não importa – atores no teatro da vida. E nele, convenhamos, não há espaços para diversão.
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