Sabedoria e humor
Pedro J. Bondaczuk
As grandes verdades da vida, as pérolas de sabedoria, podem ser ditas de forma bem-humorada e brincalhona, ou exigem uma linguagem rebuscada, supostamente erudita, que não raro descamba para o pedantismo? Entendo que não apenas podem, como devem ser expressadas assim, para que façam o efeito desejado e atinjam corações e mentes dos leitores. Mark Twain fez isso, pelo menos em boa parte da carreira, e se deu bem. É verdade que muitos o contestam, mas sem nenhum fundamento.
Esse escritor, que morreu há cem anos, aos 75 asnos de idade, teve uma velhice cruel, atribulada e triste, após uma série de tragédias familiares, entre as quais a morte prematura da filha favorita, Suzy, com a qual tinha profunda afinidade, vitimada pela meningite, aos 24 anos, ou seja, na flor da idade.
Isso arrasou-o. Tornou-o amargo, sombrio, ácido e arredio. Pudera! Aliás, ela não foi a única dos seus filhos a morrer antes do pai. Anteriormente, já havia perdido a primogênita, que morreu aos dois anos de idade, de difteria.
Quando lemos a respeito de alguém bem-sucedido, somos tentados a achar que sua vida foi sempre um mar de rosas, sem espinhos, aflições, perdas e aborrecimentos. As coisas, no entanto, não são bem assim. Alguns até têm esse privilégio, mas são raros, convenhamos.
Mark Twain teve que “ralar” muito, até conquistar o estrelato. Precisou conciliar, por exemplo, a carreira de jornalista, que exerceu por toda a vida, com a de escritor, o que não é nada fácil. Aliás, começou, como tantos outros homens de letras, em redações de jornais, viajando incansavelmente à procura de notícias.
Poucos sabem, por exemplo, que foi num texto jornalístico, num artigo, que usou, pela primeira vez, o pseudônimo que o tornaria famoso e pelo qual seria conhecido pela posteridade. Raros, raríssimos leitores de hoje conhecem-no pelo seu nome de batismo. “Mark Twain”, no jargão dos barqueiros do Mississippi, era uma espécie de sonda para medir a profundidade do rio e impedir que os barcos encalhassem em bancos de areia.
Inicialmente, seus textos, eivados de humor e ironia, sequer eram levados muito a sério. Era encarado mais como humorista do que jornalista e, principalmente escritor. Muitas de suas tiradas tornaram-se célebres e são citadas, fartamente, mundo afora, notadamente na internet e, não raro, sem a menção da autoria. Há muito “escritor” que se vale a todo o momento do “Ctrl C – ctrl V” e assume, na maior cara dura, escritos alheios como sendo seus.
Uma de suas tiradas engraçadas é esta, que fala sobre o jogo: “Há duas ocasiões em que o homem não deve jogar: quando não tem dinheiro e quando tem”. Bem que essa recomendação caberia como uma luva para o escritor russo Fedor Dostoievski, um jogador compulsivo e inveterado.
Outro dos seus aforismos famosos é o que diz: “Há três espécies de mentiras: as mentiras, as mentiras sagradas e as estatísticas”. Divirto-me com suas tiradas e costumo citá-las, em rodas de amigos, como esta: “Deixar de fumar é a coisa mais fácil do mundo. Sei muito bem do que se trata, já o fiz cinqüenta vezes”. Nisso, contudo, superei-o: já deixei de fumar mais de uma centena de vezes.
Querem mais? Há uma infinidade de outras “saborosas”, como esta: “A boa educação consiste em esconder o bem que pensamos de nós próprios e o pouco bem que pensamos dos outros”. Ou esta: “Creio que o nosso Pai Celeste inventou o homem por estar desapontado com o macaco”. Ou esta: “Um clássico é algo que toda gente queria ter lido, mas que ninguém quer ler”. Ou esta: “Se estiver zangado, conte até cem: se estiver mesmo muito zangado, blasfeme”.
Como se vê, suas tiradas não são apenas engraçadas, mas refletem muita sabedoria e verdade. Enquanto Mark Twain escrevia assim, no entanto, os críticos (esses chatos mal-humorados) não o levavam a sério, embora o público leitor se divertisse, como nós nos divertimos ao ler seus aforismos. Retrataram-se, porém, após sua morte. Tanto que um deles escreveu, em seu obituário: “Mark Twain evoluiu de cômico brincalhão a uma das grandes figuras literárias do nosso tempo”.
Só gostaria que essa gente me explicasse a razão de um escritor não poder expressar as grandes verdades da vida de uma forma leve, descontraída e brincalhona, como George Bernard Shaw também fez, sem chatices, rabugices, ranhetices e sem um festival de pedantismo, tão do agrado dos basbaques e dos que se julgam sábios, embora sendo idiotas de carteirinha.
Acompanhe-me no twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
As grandes verdades da vida, as pérolas de sabedoria, podem ser ditas de forma bem-humorada e brincalhona, ou exigem uma linguagem rebuscada, supostamente erudita, que não raro descamba para o pedantismo? Entendo que não apenas podem, como devem ser expressadas assim, para que façam o efeito desejado e atinjam corações e mentes dos leitores. Mark Twain fez isso, pelo menos em boa parte da carreira, e se deu bem. É verdade que muitos o contestam, mas sem nenhum fundamento.
Esse escritor, que morreu há cem anos, aos 75 asnos de idade, teve uma velhice cruel, atribulada e triste, após uma série de tragédias familiares, entre as quais a morte prematura da filha favorita, Suzy, com a qual tinha profunda afinidade, vitimada pela meningite, aos 24 anos, ou seja, na flor da idade.
Isso arrasou-o. Tornou-o amargo, sombrio, ácido e arredio. Pudera! Aliás, ela não foi a única dos seus filhos a morrer antes do pai. Anteriormente, já havia perdido a primogênita, que morreu aos dois anos de idade, de difteria.
Quando lemos a respeito de alguém bem-sucedido, somos tentados a achar que sua vida foi sempre um mar de rosas, sem espinhos, aflições, perdas e aborrecimentos. As coisas, no entanto, não são bem assim. Alguns até têm esse privilégio, mas são raros, convenhamos.
Mark Twain teve que “ralar” muito, até conquistar o estrelato. Precisou conciliar, por exemplo, a carreira de jornalista, que exerceu por toda a vida, com a de escritor, o que não é nada fácil. Aliás, começou, como tantos outros homens de letras, em redações de jornais, viajando incansavelmente à procura de notícias.
Poucos sabem, por exemplo, que foi num texto jornalístico, num artigo, que usou, pela primeira vez, o pseudônimo que o tornaria famoso e pelo qual seria conhecido pela posteridade. Raros, raríssimos leitores de hoje conhecem-no pelo seu nome de batismo. “Mark Twain”, no jargão dos barqueiros do Mississippi, era uma espécie de sonda para medir a profundidade do rio e impedir que os barcos encalhassem em bancos de areia.
Inicialmente, seus textos, eivados de humor e ironia, sequer eram levados muito a sério. Era encarado mais como humorista do que jornalista e, principalmente escritor. Muitas de suas tiradas tornaram-se célebres e são citadas, fartamente, mundo afora, notadamente na internet e, não raro, sem a menção da autoria. Há muito “escritor” que se vale a todo o momento do “Ctrl C – ctrl V” e assume, na maior cara dura, escritos alheios como sendo seus.
Uma de suas tiradas engraçadas é esta, que fala sobre o jogo: “Há duas ocasiões em que o homem não deve jogar: quando não tem dinheiro e quando tem”. Bem que essa recomendação caberia como uma luva para o escritor russo Fedor Dostoievski, um jogador compulsivo e inveterado.
Outro dos seus aforismos famosos é o que diz: “Há três espécies de mentiras: as mentiras, as mentiras sagradas e as estatísticas”. Divirto-me com suas tiradas e costumo citá-las, em rodas de amigos, como esta: “Deixar de fumar é a coisa mais fácil do mundo. Sei muito bem do que se trata, já o fiz cinqüenta vezes”. Nisso, contudo, superei-o: já deixei de fumar mais de uma centena de vezes.
Querem mais? Há uma infinidade de outras “saborosas”, como esta: “A boa educação consiste em esconder o bem que pensamos de nós próprios e o pouco bem que pensamos dos outros”. Ou esta: “Creio que o nosso Pai Celeste inventou o homem por estar desapontado com o macaco”. Ou esta: “Um clássico é algo que toda gente queria ter lido, mas que ninguém quer ler”. Ou esta: “Se estiver zangado, conte até cem: se estiver mesmo muito zangado, blasfeme”.
Como se vê, suas tiradas não são apenas engraçadas, mas refletem muita sabedoria e verdade. Enquanto Mark Twain escrevia assim, no entanto, os críticos (esses chatos mal-humorados) não o levavam a sério, embora o público leitor se divertisse, como nós nos divertimos ao ler seus aforismos. Retrataram-se, porém, após sua morte. Tanto que um deles escreveu, em seu obituário: “Mark Twain evoluiu de cômico brincalhão a uma das grandes figuras literárias do nosso tempo”.
Só gostaria que essa gente me explicasse a razão de um escritor não poder expressar as grandes verdades da vida de uma forma leve, descontraída e brincalhona, como George Bernard Shaw também fez, sem chatices, rabugices, ranhetices e sem um festival de pedantismo, tão do agrado dos basbaques e dos que se julgam sábios, embora sendo idiotas de carteirinha.
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2 comments:
Prezado,
li sua matéria sobre o artigo de Mario de Andrade intitulado "A Divina Preguiça". Faço pesquisa de doutorado e gostaria de saber se poderia me ajudar a ter acesso ao artigo. Entrei em contato com várias bibliotecas sem sucesso. Se o senhor o tiver, poderia me disponibilizar uma cópia?
Agradeço desde já
Cordialmente,
Adriana Cajado Costa
Prezado,
li sua matéria sobre o artigo de Mario de Andrade intitulado "A Divina Preguiça". Faço pesquisa de doutorado e gostaria de saber se poderia me ajudar a ter acesso ao artigo. Entrei em contato com várias bibliotecas sem sucesso. Se o senhor o tiver, poderia me disponibilizar uma cópia?
Agradeço desde já
Cordialmente,
Adriana Cajado Costa
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