Beleza e feiúra
Pedro J. Bondaczuk
Milan Kundera, em seu livro “A Imortalidade”, traz à baila, entre tantos temas que me fascinam pelo inusitado (trata-se de um escritor sumamente original) um que particularmente merece maiores considerações, não apenas minhas, mas dos estudiosos e amantes de literatura, por ser o fulcro da nossa atividade artística. Declara que “a vocação da poesia não é nos deslumbrar com uma idéia surpreendente; mas sim fazer com que um instante do ser se torne inesquecível e digno de uma insustentável nostalgia”.
Ou seja, levanta a tese de que um poema é sempre uma “fotografia” – de uma pessoa, objeto, planta, paisagem, sentimento etc. – em determinado instante do tempo, que o poeta capta, com sua sensibilidade, e reproduz por palavras. É uma espécie de “instantâneo”. Registra, sem tirar e nem pôr, e para sempre, aquele segmento particular do tempo, aquele segundo especial, em que algo ou alguém o impressione e, mais do que isso, o impacte e marque.
Na maioria das vezes, afirmamos (e até temos convicção) que o compromisso do artista é com a beleza. De fato, é. Mas, por que não o é, eventualmente, com seu oposto, no caso, a feiúra? Poderia ser! A beleza é volátil, transitória, efêmera, com tempo contado, passageira, portanto. A feiúra, por seu turno, é definitiva.
Determinada mulher que consideremos belíssima, pelos padrões estéticos vigentes, para nossa infelicidade (e dela, principalmente), não permanece para sempre nessa condição. Aos poucos vai definhando, à medida que os anos passam (quando não meros dias) murchando, se entortando e se enfeiando, até que um dia... morre. E tanto o cadáver, quanto, principalmente, seu produto final, ou seja, a caveira e os ossos desconjuntados, são, convenhamos, horrorosos, tétricos, feios, feíssimos.
O mesmo ocorre, por exemplo, com uma folha, que é bela quando verde e recente e deixa de sê-lo tão logo fique seca. Ou de uma flor. Ou, mesmo, de obras de arte, como majestosas esculturas (que com o tempo criam pátina, ficam cinzas, foscas, negras), ou pinturas (que descoram) ou, até mesmo, fotografias.
As únicas produções artísticas que se mantêm intactas e não enfeiam com o tempo são os textos, notadamente poesias, e sua irmã-gêmea, a música, que é a captação daquele instante mágico citado por Kundera, mas reproduzida não por palavras, mas por sons harmoniosos e originais.
É isso, meus amigos, a beleza é frágil, fragílima, passageira, efêmera, embora embevecedora. Ademais, sequer há consenso sobre o belo e o feio. Digamos que venhamos a ter contato, algum dia, com seres extraterrestres.
Para que isso ocorra, eles terão, necessariamente, que ser inteligentes, para criar veículos que vençam as fantásticas e até inimagináveis distâncias do nosso planeta a um outro que seja povoado por eles. A menos, claro, que nós, humanos, venhamos a descobrir como fazer isso e aportar, um dia, onde tais hipotéticos ETs vivam. Mas não é este o caso.
Caso existam, e esse improbabilíssimo encontro algum dia ocorra, o que eles irão achar de nós, no aspecto estético? Seres belos e proporcionais? Dificilmente! Arriscar-me-ia a dizer que é mais provável que nos vejam como criaturas monstruosas, assustadoras, disformes, horrorosas, piores do que seus mais horrendos pesadelos (e vice-versa, pois, quase certamente, não terão a mínima semelhança conosco).
Nem precisamos ir tão longe assim. Aqui na Terra mesmo, os padrões estéticos estão longe de ser consensuais. Para um hotentote, por exemplo, do interior da África, a Miss Universo é um ser horroroso: magra, espigada e sem substância. Pelos padrões de beleza desses nativos africanos, quanto mais gorda for determinada mulher, mais bonita lhes parecerá. Quem está certo? Nós? Eles? Ambos estão. Gosto não se discute.
Kundera define da seguinte forma o que não é belo: “Feiúra: caprichosa poesia do acaso”. Já o que não é feio, mereceu-lhe esta definição: “Beleza: prosaísmo da média exata”. Viram como esse conceito é vago e indefinido?
Vários escritores se manifestaram a respeito. Coletei, rapidamente, algumas dessas observações a esmo, que lhes trago, a título de curiosidade. O poeta John Keats, por exemplo, escreveu: “Uma coisa bela é algo que dá eterna alegria”. É uma definição sumamente vaga, vocês não acham? O que é considerado “feio”, por determinados padrões estéticos, também pode nos alegrar, por que não? É questão de gosto que, reitero, não se discute.
Já Charles Baudelaire, no texto “O Confiteor do Artista”, do livro “Pequenos Poemas em Prosa”, assegura: “O estudo do belo é um duelo em que o artista grita de pavor antes de ser vencido”. Ou seja, não é o que lhe dá satisfação, mas o que o assusta e apavora, face à sua grandeza e majestade.
O filósofo norte-americano, Will Durant, no seu clássico “Filosofia da vida”, prefere concentrar-se em sua fragilidade. Escreve: “A beleza é penosa de ser criada e fácil de ser destruída”. E como! Ou seja, ressalta sua efemeridade. Corrobora, pois, minha afirmação de que a beleza é, mesmo, transitória, enquanto a feiúra é definitiva.
Já Paul Valéry define-a de forma diametralmente oposta à do poeta John Keats (sendo ele, também, inspiradíssimo poeta, diga-se de passagem). Assevera: “A definição do belo é fácil: é aquilo que desespera”.
Todas essas opiniões são, no mínimo, pitorescas. Daí concluir que a única maneira de preservar a beleza, em toda a sua majestade e encanto, é recorrendo à arte, notadamente à poesia e à sua irmã-gêmea, a música. É captando um instante que se torne “inesquecível e digno de uma insustentável nostalgia”.
Acompanhe-me no twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
Milan Kundera, em seu livro “A Imortalidade”, traz à baila, entre tantos temas que me fascinam pelo inusitado (trata-se de um escritor sumamente original) um que particularmente merece maiores considerações, não apenas minhas, mas dos estudiosos e amantes de literatura, por ser o fulcro da nossa atividade artística. Declara que “a vocação da poesia não é nos deslumbrar com uma idéia surpreendente; mas sim fazer com que um instante do ser se torne inesquecível e digno de uma insustentável nostalgia”.
Ou seja, levanta a tese de que um poema é sempre uma “fotografia” – de uma pessoa, objeto, planta, paisagem, sentimento etc. – em determinado instante do tempo, que o poeta capta, com sua sensibilidade, e reproduz por palavras. É uma espécie de “instantâneo”. Registra, sem tirar e nem pôr, e para sempre, aquele segmento particular do tempo, aquele segundo especial, em que algo ou alguém o impressione e, mais do que isso, o impacte e marque.
Na maioria das vezes, afirmamos (e até temos convicção) que o compromisso do artista é com a beleza. De fato, é. Mas, por que não o é, eventualmente, com seu oposto, no caso, a feiúra? Poderia ser! A beleza é volátil, transitória, efêmera, com tempo contado, passageira, portanto. A feiúra, por seu turno, é definitiva.
Determinada mulher que consideremos belíssima, pelos padrões estéticos vigentes, para nossa infelicidade (e dela, principalmente), não permanece para sempre nessa condição. Aos poucos vai definhando, à medida que os anos passam (quando não meros dias) murchando, se entortando e se enfeiando, até que um dia... morre. E tanto o cadáver, quanto, principalmente, seu produto final, ou seja, a caveira e os ossos desconjuntados, são, convenhamos, horrorosos, tétricos, feios, feíssimos.
O mesmo ocorre, por exemplo, com uma folha, que é bela quando verde e recente e deixa de sê-lo tão logo fique seca. Ou de uma flor. Ou, mesmo, de obras de arte, como majestosas esculturas (que com o tempo criam pátina, ficam cinzas, foscas, negras), ou pinturas (que descoram) ou, até mesmo, fotografias.
As únicas produções artísticas que se mantêm intactas e não enfeiam com o tempo são os textos, notadamente poesias, e sua irmã-gêmea, a música, que é a captação daquele instante mágico citado por Kundera, mas reproduzida não por palavras, mas por sons harmoniosos e originais.
É isso, meus amigos, a beleza é frágil, fragílima, passageira, efêmera, embora embevecedora. Ademais, sequer há consenso sobre o belo e o feio. Digamos que venhamos a ter contato, algum dia, com seres extraterrestres.
Para que isso ocorra, eles terão, necessariamente, que ser inteligentes, para criar veículos que vençam as fantásticas e até inimagináveis distâncias do nosso planeta a um outro que seja povoado por eles. A menos, claro, que nós, humanos, venhamos a descobrir como fazer isso e aportar, um dia, onde tais hipotéticos ETs vivam. Mas não é este o caso.
Caso existam, e esse improbabilíssimo encontro algum dia ocorra, o que eles irão achar de nós, no aspecto estético? Seres belos e proporcionais? Dificilmente! Arriscar-me-ia a dizer que é mais provável que nos vejam como criaturas monstruosas, assustadoras, disformes, horrorosas, piores do que seus mais horrendos pesadelos (e vice-versa, pois, quase certamente, não terão a mínima semelhança conosco).
Nem precisamos ir tão longe assim. Aqui na Terra mesmo, os padrões estéticos estão longe de ser consensuais. Para um hotentote, por exemplo, do interior da África, a Miss Universo é um ser horroroso: magra, espigada e sem substância. Pelos padrões de beleza desses nativos africanos, quanto mais gorda for determinada mulher, mais bonita lhes parecerá. Quem está certo? Nós? Eles? Ambos estão. Gosto não se discute.
Kundera define da seguinte forma o que não é belo: “Feiúra: caprichosa poesia do acaso”. Já o que não é feio, mereceu-lhe esta definição: “Beleza: prosaísmo da média exata”. Viram como esse conceito é vago e indefinido?
Vários escritores se manifestaram a respeito. Coletei, rapidamente, algumas dessas observações a esmo, que lhes trago, a título de curiosidade. O poeta John Keats, por exemplo, escreveu: “Uma coisa bela é algo que dá eterna alegria”. É uma definição sumamente vaga, vocês não acham? O que é considerado “feio”, por determinados padrões estéticos, também pode nos alegrar, por que não? É questão de gosto que, reitero, não se discute.
Já Charles Baudelaire, no texto “O Confiteor do Artista”, do livro “Pequenos Poemas em Prosa”, assegura: “O estudo do belo é um duelo em que o artista grita de pavor antes de ser vencido”. Ou seja, não é o que lhe dá satisfação, mas o que o assusta e apavora, face à sua grandeza e majestade.
O filósofo norte-americano, Will Durant, no seu clássico “Filosofia da vida”, prefere concentrar-se em sua fragilidade. Escreve: “A beleza é penosa de ser criada e fácil de ser destruída”. E como! Ou seja, ressalta sua efemeridade. Corrobora, pois, minha afirmação de que a beleza é, mesmo, transitória, enquanto a feiúra é definitiva.
Já Paul Valéry define-a de forma diametralmente oposta à do poeta John Keats (sendo ele, também, inspiradíssimo poeta, diga-se de passagem). Assevera: “A definição do belo é fácil: é aquilo que desespera”.
Todas essas opiniões são, no mínimo, pitorescas. Daí concluir que a única maneira de preservar a beleza, em toda a sua majestade e encanto, é recorrendo à arte, notadamente à poesia e à sua irmã-gêmea, a música. É captando um instante que se torne “inesquecível e digno de uma insustentável nostalgia”.
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