Tuesday, December 14, 2010




Espada de Damocles nuclear

Pedro J. Bondaczuk

O ensaio vencedor do Pulitzer 2010, do escritor David E. Hoffman, “The Dead Hand: the untold story of the cold war arms race and its dangerous legacy” é, sobretudo, aterrorizante. Lembra-nos de como, há até pouquíssimo tempo (menos de duas décadas) nossa espécie escapou de sua pior catástrofe, possivelmente da extinção, mediante as diabólicas e assombrosas armas nucleares.
O autor destaca, nas entrelinhas, que o perigo ainda não passou (talvez seja ainda pior do que antes), face ao perverso legado deixado pela chamada Guerra Fria, que, oficialmente, terminou em 1992, com o fim da União Soviética.
O livro vencedor deixou para trás outros dois ensaios, também instigantes, abordando temas igualmente atualíssimos, um econômico e o outro – como diria? Antropológico? Comportamental? Histórico? Talvez tudo isso simultaneamente – que se levassem o prêmio, ninguém criticaria os que os escolhessem.
A primeira das obras “perdedoras” aborda o mito do todopoderoso mercado, quase que alçado à condição de divindade dos obcecados e empedernidos capitalistas ferrenhos. Trata-se do livro “How market fail. The logic of economic calamities”, escrito por John Cassady. O segundo ensaio derrotado pelo de David E. Hoffman na corrida pelo Pulitzer foi “The evolution of God.”, de Robert Wright, que trata do desenvolvimento da religião e do conceito de Deus ao longo da História.
Como se vê, foi um confronto de gigantes intelectuais, com três assuntos instigantes, relevantes e sumamente atuais. Bem que o prêmio poderia ser partilhado. Os responsáveis por sua atribuição, contudo, não entenderam assim e, dessa forma, dois terão que esperar por outra oportunidade. Nessa, Hoffman levou a melhor. Entendo que o Pulitzer, na categoria Ensaio, ficou em excelentes mãos.
O “Dead Hand” do título do livro premiado era, na verdade, um sistema. Tratava-se de um plano soviético para lançar, automaticamente, uma seqüência de arrasadores e maciços ataques nucleares retaliatórios contra o território dos Estados Unidos, caso estes atacassem primeiro a URSS.
Numa guerra deste tipo – para mim fica mais do que claro – não haveria a mais remota possibilidade de existir vencedor. As duas superpotências da época seriam reduzidas a escombros ou a pó, como queiram. E o mundo todo também. Não creio que restassem sobreviventes em lugar algum. Quem não morresse de cara, na explosão das poderossíssimas ogivas (muitas com até 100 megatons de potência), teria morte muito pior, mais lenta e dolorosa, , por suas conseqüências. A letal e maciça radiação espalhar-se-ia por todo o Planeta, abatendo todas, ou quase todas espécies de seres vivos. Os cientistas especulam que somente as baratas e escorpiões talvez sobrevivessem. Que seja. As demais formas de vida.... desapareceriam da Terra.
As nuvens decorrentes das explosões (e nem se sabe quantas estas seriam), ou seja, os monumentais e mortíferos cogumelos atômicos, encobririam a luz do sol por anos, talvez por décadas. O Planeta ficaria sumamente gelado e desértico. Fora o insuportável cheiro de decomposição de bilhões de cadáveres humanos e de todos os outros animais.
Não haveria, pois, a mais remota possibilidade de animais, vegetais e até bactérias e vírus sobreviverem. A Terra seria literalmente esterilizada. Pensem, pois, nos riscos que corremos, absolutamente indiferentes e alienados, sem que nem ao menos desconfiássemos, e há tão pouco tempo!
Destaque-se que Hoffman não inventou nada, rigorosamente nada, neste perturbador ensaio sobre essa apavorante “Espada de Damocles” nuclear que pendeu (e ele dá a entender que ainda pende mais do que nunca) sobre nossas cabeças, ameaçando arrasar tudo o que já se fez desde os primórdios da civilização, há cerca de onze milênios, e de varrer a própria vida destas paragens do universo.
O escritor abordou, por exemplo, as causas e as decisões secretas (como podem fazer coisas desse tipo à nossa revelia?!!!!), que antecederam o fim da corrida armamentista, tanto do lado norte-americano, quanto do soviético. Observo, porém, que não creio que esta, de fato, tenha acabado, mas que somente mudou de patamar. Passou a se concentrar na “qualidade” das armas nucleares (ou seja, em seu poder maior de destruição e confiabilidade de que não falhem) do que na quantidade.
Hoffman não especulou coisa alguma a respeito. Ouviu muita gente, ligada ou não ao setor militar, como cientistas, espiões, diplomatas e soldados e foi juntando as pontas desse tétrico enredo, coisa tão doida, que é difícil de acreditar que não seja ficção. Mas não é. E foi ainda mais detalhista.
Analisou pilhas e mais pilhas de documentos ultrassecretos do Cremlim para mostrar não apenas como a Guerra Fria terminou, mas, também, como os Estados Unidos se envolveram na fundamental empreitada para evitar que as armas nucleares do esfacelado império soviético viessem a, eventualmente, parar em mãos de Estados e/ou grupos terroristas.
Estamos livres, agora, desse perigo? Entendo que não!!! Hoffman enfoca, claro, a questão pelo ponto de vista norte-americano, apresentando o seu país como o herói dessa história e os demais envolvidos como vilões a serem detidos, quando não destruídos e exterminados.
A verdade, contudo, não é bem esta. Nisso tudo não há nenhum santo. Só poderíamos respirar um pouquinho mais aliviados se um dia a humanidade caísse em si, tivesse um tantinho que fosse de juízo e decidisse destruir todas, rigorosamente todas as armas nucleares (ou outras similares que viessem a ser criadas). Como isso nunca vai acontecer...


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