Friday, December 31, 2010




Sempre há o que dizer

Pedro J. Bondaczuk

A crônica tornou-se, há já um bom tempo, o meu gênero literário (e o tipo de texto jornalístico, diga-se de passagem) predileto. Sempre tenho um assunto engatilhado na ponta da língua e dificilmente repito temas. E mesmo quando o faço, tenho certeza de não ser maçante e nem repetitivo. Como sei? Antigamente sabia pelo número de cartas que recebia dos leitores. Hoje essa interação tornou-se mais prática, imediata e direta, mediante o recurso dos e-mails.
Minha caixa de correspondência vive sempre superlotada, o que se constitui no melhor IBOPE que existe. É verdade que não respondo todos. Nem poderia. Se o fizesse, passaria (sem exagero) vinte quatro horas no computador. Está bem, digamos, oito horas. Ficou melhor assim?
Nem sempre fui cronista. Não tinha tempo para isso. E não se trata de desculpa de quem tenha um amendoim seco substituindo o cérebro. Ocorre que, durante quinze exaustivos anos, fui comentarista político do 11° maior jornal do País (conforme ranking da Revista Exame), o Correio Popular de Campinas. Fosse sábado, domingo ou feriado, fizesse sol ou chuva, estivesse disposto ou adoentado, tinha a obrigação de produzir um artigo por dia.
Além disso, a direção da empresa exigia textos de qualidade que fossem, simultaneamente, atuais e atrativos. Ocorre que nem todos gostam de política (da minha parte, estou “enfarado” dela, de tanto que trabalhei com o tema). Nem em minhas férias ficava livre dessa obrigação. Nesse período, redigia logo cedo o artigo diário, encaminhava-o ao jornal, para ter, pelo menos, a maior parte do dia à minha disposição.
Tenho certeza de que me saí bem da empreitada. Como sei? Muito simples. Raciocinem comigo: há algum dono de jornal que aceite que sejam publicadas “abobrinhas” num espaço tão precioso, que poderia ser vendido aos anunciantes por um bom preço? Claro que não! Se escrevesse mal, não duraria uma semana na empresa, quanto mais quinze anos consecutivos. Querem uma lógica mais irretorquível do que esta? Ademais, o jornal, entre tantas vantagens, tem mais uma coisa de bom (ao contrário do rádio, minha primeira profissão): é (obviamente) impresso.
Como sou um cara obsessivamente organizado quando se trata da minha produção, guardei a totalidade dos artigos que publiquei em uma década e meia (uma montanha de papel que vocês nem fazem idéia de que tamanho é). Se houvesse, pois, quem duvidasse da qualidade dos meus comentários políticos (não sei se há, mas essa é uma possibilidade que não posso descartar liminarmente) bastaria digitá-los (ou escaneá-los) e remetê-los a esse implacável juiz por e-mail.
Confesso que esse tipo de redação não me dava prazer (o que não ocorre com crônicas, que escrevo como se estivesse andando, falando, respirando ou comendo, ou seja, com naturalidade). Meu drama diário era a escolha dos temas. É verdade que atos de corrupção, decisões malucas, controvérsias, guerras, golpes de Estado, “revoluções redentoras” e outras tantas coisas que compõem a atividade política nunca faltavam (e ademais não faltam e jamais faltarão).
Ocorre que meus artigos não poderiam ser sambas de uma nota só, sob pena de serem ignorados. E se o fossem, eu estaria no olho da rua (acho interessante essa expressão). Tinham que ter variedade, para que pudesse atrair a atenção do exigente e volúvel leitor. E crises políticas costumam ser como aquela propaganda de determinada lâmina de barbear: “intermináveis”! Algumas, arrastam-se por semanas, outras chegam a durar décadas. É certo que meu campo de interesse era amplo, era o mundo. Mas todas as manhãs havia o drama da escolha sobre o que e como escrever.
Com a crônica, todavia, nunca falta assunto. Vou dormir sem ter que pensar no que irei redigir no dia seguinte (ao contrário do que ocorria quando era comentarista político). Ao despertar, tão logo ligo o meu computador, olho pela janela do meu gabinete de trabalho e, de imediato, o tema se impõe.
Vejo, por exemplo, meninazinhas bonitas brincando de pular corda e decido escrever a respeito. Ou tenho minha atenção despertada pela molecada jogando bola na rua, vibrando com os dribles e gols, sonhando em ser um Zico, um Romário, (os mais ambiciosos pretendo ser um Pelé) ou, para ser mais atual, um Messi, um Ganso ou um Neymar.
Quanta coisa se pode dizer sobre tudo isso! E espontaneamente, sem forçar a barra e nem temer de dizer coisas que possam gerar processos de políticos venais que se julgam donos do mundo e do Judiciário principalmente (que nunca dão em nada, mas que enchem muito o saco) contra o jornal e, por extensão, contra o articulista.
Já escrevi sobre um montão de coisas, aparentemente banais, mas que se revelaram até serem transcendentais. A crônica tem a vantagem de ser intemporal (ou atemporal?). Se bem escritas, mantêm a atualidade passadas décadas (desconfio que também séculos e até milênios).
Escrevi, não faz muito, por exemplo, sobre o curió do meu vizinho da esquerda. Essa crônica, inclusive, foi premiada em recente concurso que participei (embora deteste esse tipo de competição, por não acreditar na lisura dos promotores). Abordei, também, o caso do sujeito que recitava poemas de Horácio, e em latim, para o seu cão da raça fox-terrier. Era meu vizinho também, mas da direita. Tratava-se de um conhecido advogado do fórum de Campinas, aposentado. Como fosse viúvo, e sozinho, partilhava seus gostos e desgostos, idéias e preferências, com seu maior e mais constante amigo
Viram como é fácil arranjar assunto não só para uma crônica, mas para dezenas, centenas, milhares delas? Basta viver e não se limitar, apenas, a sobreviver. É só manter os olhos, os ouvidos e o cérebro bastante atentos, que os temas se impõem por si sós. E, sobretudo, escrever mais com o coração (ou seja, com emoção e sentimento) do que com o intelecto. Receita bastante simples, não é verdade?

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