Sunday, December 26, 2010




Direitos humanos são concretos

Pedro J. Bondaczuk

O primeiro-ministro da China, Li Peng, em longa entrevista, de duas horas de duração, dada, ontem, em Pequim, qualificou os direitos humanos de um “conceito abstrato”, como que tentando justificar o seu desrespeito.

Abstração muito maior, no entanto, é o elenco ideológico que norteia o regime que o premier dirige, que prega, implicitamente, que o homem não passa de simples engrenagem de uma gigantesca máquina denominada “Estado”. Que os interesses deste último devem estar sempre acima dos individuais, que não passariam de meras “distorções”.

É o caso de se perguntar: “Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?”. Só que neste caso, o ser humano precedeu aos sistemas, organizações e entidades, que foram criações suas e que, portanto, deveriam ter, por objetivo primordial, a promoção da sua felicidade e do seu bem estar pessoal.

Nada é mais concreto do que o elenco dos direitos fundamentais que o Homo Sapiens tem. Como o da vida, por exemplo, desde o instante da sua concepção no ventre materno, até que o tempo o consuma. Ou o da liberdade de dispor do seu talento e da sua pessoa como lhe aprouver (desde que não entre na esfera de atuação do seu semelhante). Ou o de uma existência digna e produtiva, com possibilidades de acesso à educação e ao patrimônio cultural comum do povo que integra.

Como se vê, não há nenhuma abstração nisso. Absurdo, isto sim, é o conceito que outorga a um determinado indivíduo, mortal como todos os demais, sem nada de especial em relação aos seus semelhantes, o poder de decidir sobre a vida e a morte deles, como se fosse uma divindade na Terra.

Mais do que isso, é aberrativo! Se consubstanciado em lei, trata-se de uma perversão jurídica e, portanto, tal preceito é digno apenas de desprezo, por sua iniqüidade. Aliás, toda a organização de um Estado fundamenta-se sobre abstrações. O exercício correto dessas normas é que as torna concretas, pelo seu resultado.

Daí o empenho que todos devemos ter pelo sistema democrático. A democracia não deixa de ser um conceito, também, abstrato. Sua aplicação sem distorções é que a torna desejável, e até indispensável. Ela é a recíproca daquela tese que diz que todo o cidadão, assim que nasce, cede “espontaneamente”uma parcela de seus direitos individuais em favor do grupo, da sociedade, do todo (como se fosse possível a um bebê proceder a qualquer tipo de opção).

Essa cessão, compulsória, frise-se, tem que ser por alguma coisa. E esta é o que se chama “garantia dos direitos humanos”. Cabe ao Estado protege-la e assegurá-la. Quando não o faz, está rompendo o tácito contrato feito com o indivíduo, tão logo ele vem à luz da existência.

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 4 de abril de 1989).

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