Polêmico, mas fascinante
Pedro J. Bondaczuk
O único escritor de língua portuguesa a ganhar um Prêmio Nobel de Literatura (ganhou o de 1998, depois de haver conquistado o Prêmio Cervantes), José Saramago, foi um sujeito polêmico por natureza. Mas não foi dos que se limitavam a fazer “tipo”. Ele foi, mesmo, assim. Seu estilo e, principalmente, os temas que abordava (e a maneira como o fazia) dividem opiniões mundo afora, entre os que discordam (até com veemência maior que a necessária) da sua postura e os que a aprovam sem restrições.
Uma coisa, porém, é certa: ninguém que o lê fica indiferente às suas colocações, porque Saramago consegue ser original (e por isso, fascinante) em meio à mesmice que caracteriza boa parte das cabeças pensantes da atualidade. Ateu empedernido, comunista convicto (foi membro do Partido Comunista Português) e iberista, desperta repulsa e adoração, com a mesma intensidade.
Há quem faça da polêmica sua forma favorita de ação, mas apenas pelo prazer da controvérsia. Faz mero tipo de polemista. Não sabe como “esgrimir” com habilidade essa arma eficaz da retórica. Polemiza por polemizar e, sem se dar conta, despenca no abismo do ridículo. Creiam-me, há gente assim. Não foi o caso, todavia do autor de “A jangada de pedra”.
Confesso que meu primeiro contato com Saramago foi, digamos, conflituoso. Ao cabo da leitura do primeiro livro dele que me caiu nas mãos, “O Evangelho segundo Jesus Cristo”, não cheguei a fazer juízo de valor sobre o mesmo, o que me é raro. Oscilava entre gostar e fazer severas restrições a essa obra. Após a releitura, no entanto, as coisas me ficaram claras. Minha opinião sobre ele mudou por completo.
Passei a achá-lo não somente criativo e original, como sapequei-lhe um baita adjetivo qualificativo, este altamente favorável e que, creio, lhe assenta muito bem e principalmente lhe faz justiça: genial.
Comprei outros dos seus livros, como “O homem duplicado”, “Ensaio sobre a cegueira”, “As intermitências da morte” e a minha nova opinião apenas ganhou força. Por isso, aguardo com ansiedade o lançamento no Brasil da sua biografia, intitulada “José Saramago. A Consistência dos Sonhos. Cronobiografia”, escrita pelo espanhol Fernando Gómez Aguilera.
Essa obra que, de acordo com o autor, mostra as diferentes facetas, como se fora um levantamento topográfico, do biografado, foi lançada em 8 de maio de 2010 na Feira do Livro de Sevilha. Convenhamos que biografar um escritor que põe a escrita em seu devido lugar e afirma amiúde que “escrever é um trabalho como outro qualquer” é um desafio que não é para qualquer um.
A tarefa consumiu quatro exaustivos anos do paciente biógrafo. Aliás, o material que Aguilera colheu nesse período sequer se destinava, originalmente, à redação desse livro. Era, na verdade, para uma exposição, intitulada “A consistência dos sonhos”, que foi realizada, com sucesso, tanto na Espanha quanto em Portugal. De acordo com o biógrafo, naquela ocasião ele teve acesso a “um contingente de materiais que correspondem ao que poderia chamar de arqueologia literária de Saramago: há teatro, poesia e romances inacabados”.
De posse de tantas informações, Aguilera se questionou: “Por que não escrever uma biografia?”. E foi o que fez. Se bem ou mal, se com originalidade digna do biografado ou não, é o que vamos conferir quando o livro chegar ao Brasil.
Todavia, a julgar pelo “cartel” de Aguilera, só podemos esperar boas coisas. Afinal, ele é o diretor da prestigiosa Fundação César Manrique, que promoveu, com tanto êxito, a exposição sobre Saramago. É, também, poeta, ensaísta e filólogo de formação. Tem seis livros de poesias publicados e bastante festejados, além de inúmeros textos de crítica literária.
Ressalte-se que ler o Prêmio Nobel de Literatura de 1998 exige muita concentração e alta dose de paciência (e persistência) do leitor. E não só por suas idéias fora dos padrões convencionais, mas por seu jeito peculiar de escrever.
Saramago utiliza, por exemplo, frases e períodos longuíssimos e pontuação absolutamente particular, muito diferente das ditadas pelas normas convencionais. Os diálogos dos personagens aparecem nos próprios parágrafos que os antecedem. Não existem, pois, travessões em seus romances.
Outra característica desse escritor é que, muitas de suas orações chegam a ocupar mais de uma página, não raro duas dos seus livros e, além disso, usa vírgulas onde a maioria dos escritores utilizaria pontos finais.
Como se vê, é um estilo complicadíssimo, mas que vale a pena. Saramago, portanto, foi, queiram ou não, um feixe de polêmicas ambulante. Contudo, foi, ao mesmo tempo, um dos homens de letras mais fascinantes e revolucionários de que já tive conhecimento.
Acompanhye-me no twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
O único escritor de língua portuguesa a ganhar um Prêmio Nobel de Literatura (ganhou o de 1998, depois de haver conquistado o Prêmio Cervantes), José Saramago, foi um sujeito polêmico por natureza. Mas não foi dos que se limitavam a fazer “tipo”. Ele foi, mesmo, assim. Seu estilo e, principalmente, os temas que abordava (e a maneira como o fazia) dividem opiniões mundo afora, entre os que discordam (até com veemência maior que a necessária) da sua postura e os que a aprovam sem restrições.
Uma coisa, porém, é certa: ninguém que o lê fica indiferente às suas colocações, porque Saramago consegue ser original (e por isso, fascinante) em meio à mesmice que caracteriza boa parte das cabeças pensantes da atualidade. Ateu empedernido, comunista convicto (foi membro do Partido Comunista Português) e iberista, desperta repulsa e adoração, com a mesma intensidade.
Há quem faça da polêmica sua forma favorita de ação, mas apenas pelo prazer da controvérsia. Faz mero tipo de polemista. Não sabe como “esgrimir” com habilidade essa arma eficaz da retórica. Polemiza por polemizar e, sem se dar conta, despenca no abismo do ridículo. Creiam-me, há gente assim. Não foi o caso, todavia do autor de “A jangada de pedra”.
Confesso que meu primeiro contato com Saramago foi, digamos, conflituoso. Ao cabo da leitura do primeiro livro dele que me caiu nas mãos, “O Evangelho segundo Jesus Cristo”, não cheguei a fazer juízo de valor sobre o mesmo, o que me é raro. Oscilava entre gostar e fazer severas restrições a essa obra. Após a releitura, no entanto, as coisas me ficaram claras. Minha opinião sobre ele mudou por completo.
Passei a achá-lo não somente criativo e original, como sapequei-lhe um baita adjetivo qualificativo, este altamente favorável e que, creio, lhe assenta muito bem e principalmente lhe faz justiça: genial.
Comprei outros dos seus livros, como “O homem duplicado”, “Ensaio sobre a cegueira”, “As intermitências da morte” e a minha nova opinião apenas ganhou força. Por isso, aguardo com ansiedade o lançamento no Brasil da sua biografia, intitulada “José Saramago. A Consistência dos Sonhos. Cronobiografia”, escrita pelo espanhol Fernando Gómez Aguilera.
Essa obra que, de acordo com o autor, mostra as diferentes facetas, como se fora um levantamento topográfico, do biografado, foi lançada em 8 de maio de 2010 na Feira do Livro de Sevilha. Convenhamos que biografar um escritor que põe a escrita em seu devido lugar e afirma amiúde que “escrever é um trabalho como outro qualquer” é um desafio que não é para qualquer um.
A tarefa consumiu quatro exaustivos anos do paciente biógrafo. Aliás, o material que Aguilera colheu nesse período sequer se destinava, originalmente, à redação desse livro. Era, na verdade, para uma exposição, intitulada “A consistência dos sonhos”, que foi realizada, com sucesso, tanto na Espanha quanto em Portugal. De acordo com o biógrafo, naquela ocasião ele teve acesso a “um contingente de materiais que correspondem ao que poderia chamar de arqueologia literária de Saramago: há teatro, poesia e romances inacabados”.
De posse de tantas informações, Aguilera se questionou: “Por que não escrever uma biografia?”. E foi o que fez. Se bem ou mal, se com originalidade digna do biografado ou não, é o que vamos conferir quando o livro chegar ao Brasil.
Todavia, a julgar pelo “cartel” de Aguilera, só podemos esperar boas coisas. Afinal, ele é o diretor da prestigiosa Fundação César Manrique, que promoveu, com tanto êxito, a exposição sobre Saramago. É, também, poeta, ensaísta e filólogo de formação. Tem seis livros de poesias publicados e bastante festejados, além de inúmeros textos de crítica literária.
Ressalte-se que ler o Prêmio Nobel de Literatura de 1998 exige muita concentração e alta dose de paciência (e persistência) do leitor. E não só por suas idéias fora dos padrões convencionais, mas por seu jeito peculiar de escrever.
Saramago utiliza, por exemplo, frases e períodos longuíssimos e pontuação absolutamente particular, muito diferente das ditadas pelas normas convencionais. Os diálogos dos personagens aparecem nos próprios parágrafos que os antecedem. Não existem, pois, travessões em seus romances.
Outra característica desse escritor é que, muitas de suas orações chegam a ocupar mais de uma página, não raro duas dos seus livros e, além disso, usa vírgulas onde a maioria dos escritores utilizaria pontos finais.
Como se vê, é um estilo complicadíssimo, mas que vale a pena. Saramago, portanto, foi, queiram ou não, um feixe de polêmicas ambulante. Contudo, foi, ao mesmo tempo, um dos homens de letras mais fascinantes e revolucionários de que já tive conhecimento.
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