Sunday, December 12, 2010




Derrubado pela glasnost

Pedro J. Bondaczuk

O bloco do Leste europeu, o dos países considerados satélites da União Soviética, teve, ontem, a sua primeira mudança, em nível de poder, desde a chegada de Mikhail Gorbachev ao Cremlin, em março de 1985. O veterano Gustav Husak, tido e havido como um marxista ortodoxo, renunciou ao cargo de secretário-geral do Partido Comunista checo.
O político, que havia chegado a essa função por sua lealdade exacerbada (ou servilidade?) a Moscou, após a invasão das tropas russas à Checoslováquia; que reprimiu, duramente, os que defendiam uma liberalização nessa República (a chamada “Primavera de Praga”) e que expulsou mais de um milhão de simpatizantes dessa autêntica revolução na “galáxia vermelha”, caiu.
Cedeu lugar, de forma melancólica, a um burocrata inexpressivo e canhestro. Foi trocado por um desconhecido no Ocidente, sem personalidade política, mas útil aos propósitos da URSS, um tal de Milos Jakes. O curioso dessa mudança foi o motivo pelo qual ela ocorreu.
O dirigente renunciante teve que agir dessa forma por opor-se à política liberalizante de Gorbachev, a badalada Glasnost. Isto, a rigor, não deixa de ser uma terrível ironia para o povo checo, para essa gente que viu frustrado o sonho de criar uma sociedade mais liberal e humana, senhora dos próprios destinos, que seu meteórico ex-secretário-geral do PC, Alexander Dubcek, quis instituir em 1968.
Por causa dessa idéia, a Checoslováquia pagou um preço muito alto. Viu-se forçada a passar por uma humilhante intervenção militar soviética, sem que ninguém pudesse vir em seu socorro. Este ato de força redundou na morte de um número jamais revelado de pessoas, entre as quais o jovem Jan Palach que, corajosamente, se auto-imolou, pondo fogo no próprio corpo, por não suportar ver sua pátria enxovalhada.
Além disso, custou a prisão de milhares de cidadãos inconformados e a perda do restinho de liberdade, de autonomia e de orgulho nacional que os checos julgavam ter. Passados 19 anos, eis que o causador de tudo isso resolveu se voltar contra o seu tutor de ontem. Mas o homem dócil a Moscou de ontem e instrumento dos arroubos neo-estalinistas de Leonid Brezhnev, foi ultrapassado pelo tempo.
Seu protetor e inspirador há muito está morto e execrado por todos a quem prejudicou. Teve, por outro lado, uma série de novos acontecimentos desfilando sob o seu nariz e não os soube avaliar. Ou não quis. Ou, obcecado por um dogmatismo caolho e estéril, não compreendeu.
Quanto sofrimento, quanta mágoa, quanta violação dos direitos humanos e das normas internacionais não teriam sido evitadas se alguém como Gorbachev ocupasse o Cremlin em 1968! Ou se não existisse um inocente útil (para dizer o de menos) como Gustav Husak!

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 18 de dezembro de 1987).

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