Régio presente de aniversário
Pedro J. Bondaczuk
O que um poeta mais gostaria de receber a título de presente de aniversário? Vocês, certamente, devem estar estranhando a pergunta, mas ela procede. Como a questão é ambígua, cabem, claro, várias respostas, não somente uma, e todas um tanto vagas. Uns, por exemplo, gostariam de ter, 24 horas por dia, 365 dias do ano e em todos os anos da vida, inspiração para compor. Como se vê, depende do poeta.
Há os que gostariam de ganhar viagens para os mais aprazíveis, belos e inspiradores recantos da Terra. Outros, ficariam sumamente felizes se pudessem estar sempre ao lado da musa que os inspira. Dante Aligheri, certamente, pediria a sua adorada Beatriz. Edgar Alan Poe não se contentaria com ninguém menos do que Lenora. É difícil entrar na cabeça dos poetas e adivinhar o que de fato desejam. São seres sonhadores, raramente práticos e boa parte deles, convenhamos. excêntrica.
A poetisa norte-americana, Rae Armantrout, todavia, ganhou um régio presente, especialíssimo e de valor inestimável, que duvido que esperasse (embora, provavelmente, sonhasse com ele): o Prêmio Pulitzer de Poesia de 2010 em seu aniversário! Querem coisa melhor para um escritor?! Subitamente saltou de um relativo ostracismo para a glória, a fama, o sucesso, a consagração. É verdade que o “presente” não lhe foi dado de graça, de mão beijada. Ela fez por merecer.
O que me chamou a atenção, porém, foi o fato dela haver conquistado a cobiçadíssima e super-reputada premiação literária, provavelmente a segunda em importância no mundo, abaixo, somente, do Nobel de Literatura, justo em abril, mês de seu aniversário, quando completa 63 anos de vida que, agora pode afirmar aos quatro ventos que é vitoriosa.
Eu poderia reproduzir para vocês sua biografia, com detalhes e mais detalhes, mas não o farei. Isso, a maioria dos meios de comunicação, de várias partes do mundo, fará, e muito melhor do que eu. Essa não é minha praia, ou seja, biografar personalidades. Apenas digo que Rae nasceu na pequena cidade californiana de Vallejo. Que se criou e estudou na capital do seu Estado, San Diego e em Berkeley.
Poderia limitar-me, somente, a estes dados, mas lhes darei outra colher de chá. A agora laureada poetisa é professora de Literatura na Universidade da Califórnia. Seu primeiro livro de poesias, “Extremities”, foi publicado em 1978 (já lá vão 32 anos!), quando tinha 31 anos de idade. Algumas de suas outras obras poéticas são: “The invenction of hunger” (1979), “Precende” (1985), “Necromance” (1991), “The pretext” (2001) e, logicamente, “Versed” (2009), com a qual conquistou o Pulitzer.
Rae participou, com poetas como Kit Robinson, Bob Perelman, Lyn Heijinian, Barrett Watten, Ron Silliman, Steve Benson, Tom Mandel e Carla Harryman da coletânea de textos em prosa intitulada “The grand piano”, classificada como “experimentação de uma autobiografia coletiva”. Excentricidade? A poetisa galardoada é, mesmo, digamos, um tantinho excêntrica.
Rae, desde que se lançou no mundo das letras, no início dos anos 70, quando ainda universitária, sempre esteve fortemente vinculada à corrente poética conhecida como “languages poets” que Ricardo Domeneck traduz como “poetas-linguistas”, ou seja, os que valorizam, sobretudo, a palavra, independente até do seu significado. Não disse que ela era excêntrica?
Sua poesia, para que o leitor que ainda não a conheça tenha uma ligeira idéia, lembra um pouco a de Emily Dickinson, não pelos temas abordados ou pelo estilo, mas pela forma de composição. E, creiam, isso não é pouca coisa.
Outro fato pitoresco cercando Era Armantrout é o seu livro premiado, “Versed”, mais especificamente, como e quando nasceu. Foi escrito em um momento terrível da vida da poetisa, de angústia, incerteza e impasse, ou seja, quando soube que estava com câncer. Esta é uma notícia que ninguém, claro (mesmo que tenha instinto suicida) deseja ouvir. Talvez por isso, os poemas “brinquem” com o conceito de vice-versa e os limites do desconhecido.
Será que ela contava com essa reviravolta em sua vida que “Versed”, no fim das contas, causou? Duvido. Foi justamente um livro escrito num momento de incerteza, medo e angústia que lhe valeu o Pulitzer e catapultou-a, definitivamente, para a glória, a fama, o sucesso e a consagração.
Conheça, um pouco, da sua poesia, neste único exemplo que lhes trago, extraído do excelente blog “Revista Modo de Usar” (http://revistamododeusar.blogspot.com), com tradução de Ricardo Domeneck:
Proveniência
É característica de X
posicionar aqui sua ansiedade
entre "tempo"
e "vivo."
O que você pode dar-me
por este relance
e sua proveniência?
Eu tenho um idêntico.
O que me interessa agora
são derivados
de derivados.
A narrativa
que nos resgata
outra vez
é um caminho menos provável.
Ao velejar
de ponta-cabeça no ocaso
retornamos
da terra dos mortos.
Anotem este nome: Rae Armantrout. Vocês ainda ouvirão falar muuuuito dele. E eu não ficaria nem um pouco surpreso se ela conquistasse, também, o Prêmio Nobel de Literatura de 2010 ou de 2011. Pena que, se isso acontecer, não será a título de outro presente de aniversário. Afinal, o Nobel é anunciado, apenas, na primeira semana de outubro. Mas isso já seria querer demais!
Acompanhe-me no twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
O que um poeta mais gostaria de receber a título de presente de aniversário? Vocês, certamente, devem estar estranhando a pergunta, mas ela procede. Como a questão é ambígua, cabem, claro, várias respostas, não somente uma, e todas um tanto vagas. Uns, por exemplo, gostariam de ter, 24 horas por dia, 365 dias do ano e em todos os anos da vida, inspiração para compor. Como se vê, depende do poeta.
Há os que gostariam de ganhar viagens para os mais aprazíveis, belos e inspiradores recantos da Terra. Outros, ficariam sumamente felizes se pudessem estar sempre ao lado da musa que os inspira. Dante Aligheri, certamente, pediria a sua adorada Beatriz. Edgar Alan Poe não se contentaria com ninguém menos do que Lenora. É difícil entrar na cabeça dos poetas e adivinhar o que de fato desejam. São seres sonhadores, raramente práticos e boa parte deles, convenhamos. excêntrica.
A poetisa norte-americana, Rae Armantrout, todavia, ganhou um régio presente, especialíssimo e de valor inestimável, que duvido que esperasse (embora, provavelmente, sonhasse com ele): o Prêmio Pulitzer de Poesia de 2010 em seu aniversário! Querem coisa melhor para um escritor?! Subitamente saltou de um relativo ostracismo para a glória, a fama, o sucesso, a consagração. É verdade que o “presente” não lhe foi dado de graça, de mão beijada. Ela fez por merecer.
O que me chamou a atenção, porém, foi o fato dela haver conquistado a cobiçadíssima e super-reputada premiação literária, provavelmente a segunda em importância no mundo, abaixo, somente, do Nobel de Literatura, justo em abril, mês de seu aniversário, quando completa 63 anos de vida que, agora pode afirmar aos quatro ventos que é vitoriosa.
Eu poderia reproduzir para vocês sua biografia, com detalhes e mais detalhes, mas não o farei. Isso, a maioria dos meios de comunicação, de várias partes do mundo, fará, e muito melhor do que eu. Essa não é minha praia, ou seja, biografar personalidades. Apenas digo que Rae nasceu na pequena cidade californiana de Vallejo. Que se criou e estudou na capital do seu Estado, San Diego e em Berkeley.
Poderia limitar-me, somente, a estes dados, mas lhes darei outra colher de chá. A agora laureada poetisa é professora de Literatura na Universidade da Califórnia. Seu primeiro livro de poesias, “Extremities”, foi publicado em 1978 (já lá vão 32 anos!), quando tinha 31 anos de idade. Algumas de suas outras obras poéticas são: “The invenction of hunger” (1979), “Precende” (1985), “Necromance” (1991), “The pretext” (2001) e, logicamente, “Versed” (2009), com a qual conquistou o Pulitzer.
Rae participou, com poetas como Kit Robinson, Bob Perelman, Lyn Heijinian, Barrett Watten, Ron Silliman, Steve Benson, Tom Mandel e Carla Harryman da coletânea de textos em prosa intitulada “The grand piano”, classificada como “experimentação de uma autobiografia coletiva”. Excentricidade? A poetisa galardoada é, mesmo, digamos, um tantinho excêntrica.
Rae, desde que se lançou no mundo das letras, no início dos anos 70, quando ainda universitária, sempre esteve fortemente vinculada à corrente poética conhecida como “languages poets” que Ricardo Domeneck traduz como “poetas-linguistas”, ou seja, os que valorizam, sobretudo, a palavra, independente até do seu significado. Não disse que ela era excêntrica?
Sua poesia, para que o leitor que ainda não a conheça tenha uma ligeira idéia, lembra um pouco a de Emily Dickinson, não pelos temas abordados ou pelo estilo, mas pela forma de composição. E, creiam, isso não é pouca coisa.
Outro fato pitoresco cercando Era Armantrout é o seu livro premiado, “Versed”, mais especificamente, como e quando nasceu. Foi escrito em um momento terrível da vida da poetisa, de angústia, incerteza e impasse, ou seja, quando soube que estava com câncer. Esta é uma notícia que ninguém, claro (mesmo que tenha instinto suicida) deseja ouvir. Talvez por isso, os poemas “brinquem” com o conceito de vice-versa e os limites do desconhecido.
Será que ela contava com essa reviravolta em sua vida que “Versed”, no fim das contas, causou? Duvido. Foi justamente um livro escrito num momento de incerteza, medo e angústia que lhe valeu o Pulitzer e catapultou-a, definitivamente, para a glória, a fama, o sucesso e a consagração.
Conheça, um pouco, da sua poesia, neste único exemplo que lhes trago, extraído do excelente blog “Revista Modo de Usar” (http://revistamododeusar.blogspot.com), com tradução de Ricardo Domeneck:
Proveniência
É característica de X
posicionar aqui sua ansiedade
entre "tempo"
e "vivo."
O que você pode dar-me
por este relance
e sua proveniência?
Eu tenho um idêntico.
O que me interessa agora
são derivados
de derivados.
A narrativa
que nos resgata
outra vez
é um caminho menos provável.
Ao velejar
de ponta-cabeça no ocaso
retornamos
da terra dos mortos.
Anotem este nome: Rae Armantrout. Vocês ainda ouvirão falar muuuuito dele. E eu não ficaria nem um pouco surpreso se ela conquistasse, também, o Prêmio Nobel de Literatura de 2010 ou de 2011. Pena que, se isso acontecer, não será a título de outro presente de aniversário. Afinal, o Nobel é anunciado, apenas, na primeira semana de outubro. Mas isso já seria querer demais!
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