Thursday, December 17, 2009




Um dia por vez

Pedro J. Bondaczuk

O segredo de uma vida equilibrada, sem traumas e sem dramaticidade, é viver um dia por vez. Pelo menos é o que dizem os filósofos. Se eles praticam, ou não, o que falam são outros quinhentos. É fácil passar receitas de bem viver aos outros. Complicado é administrar a nossa própria realidade, nossos fracassos, nossos retrocessos e nossos sonhos delirantes. O escritor Gilberto Amado, por exemplo, num excelente livro de ensaios intitulado "A Chave de Salomão e outros escritos", destaca: "Quanto mais capaz de esquecer é um homem, mais feliz é ele. Pode assim pôr maior intensidade no momento que passa".
Mas até onde vai a capacidade humana do esquecimento? Alguém é realmente capaz de controlar suas lembranças? Ou suas ambições? Ou seus desejos? Tenho sérias dúvidas a respeito. Claro que há os exagerados. Há os que misturam a nostalgia do passado às angústias despertadas pelo que ainda não aconteceu (e pode sequer ocorrer) nessa abstração que denominamos de futuro. Há lembranças e lembranças. Ou seja, existem coisas dignas de recordar, por nos terem dado enorme prazer, e o que é uma bênção esquecer. Quando se consegue, evidentemente. O questionável é se temos a capacidade de fazer essa seleção prévia.
O mesmo Gilberto Amado afirma: "Às vezes, a recordação é também um prazer, e o passado colabora nas alegrias presentes, mas quase sempre o passado traz nas suas águas o veneno". Qual o antídoto? Bem, de todas as pessoas que há no mundo, talvez eu seja o indivíduo menos indicado para dar receitas de bem viver. Sou um rematado trapalhão, aferrado aos meus valores, dotado de uma teimosia de asno. Creio que a melhor forma de evitar sofrimentos inúteis é viver intensamente cada momento. É preencher, o máximo possível, com idéias construtivas e com ações positivas, segundo por segundo do tempo em que estivermos despertos, sem preocupações com os resultados. Claro que falar é mais fácil do que fazer. Será que alguém é capaz disso? Eu não sou!
Aristóteles já dizia, nos primórdios da civilização ocidental: "Jamais a alma humana pensa sem fantasma". Seria ruim essa maneira de raciocinar? Seria boa? Seria pelo menos inteligente? Quem pode dizer com certeza? Para William Shakespeare, essa projeção da vontade num tempo potencial é característica inerente ao homem. Mesmo que ele não queira ou não admita, é a forma com que de fato procede. Até o mais miserável dos miseráveis acalenta algumas recordações que lhe são preciosas ou lhe trazem amargura. E nutre, embora não pareça, esperanças. Não fosse assim, não haveria tanta gente recorrendo ao álcool e outras drogas na vã tentativa de apagar teimosas lembranças. "Os homens são feitos da mesma substância que os seus sonhos", sentenciou o bardo inglês. E ninguém sonha com o passado, imutável e impossível de resgatar. Projeta suas ansiedades no futuro, que é mero "poder-ser".
O conceito de sucesso é bastante subjetivo e pode ter uma conotação específica para cada um de nós, dependendo da nossa personalidade, visão de vida e expectativas. O dinheiro, por exemplo, é um parâmetro para a maioria. A pessoa simples, que passa privações e que sequer é levada em conta, como se fosse mera sombra (ou menos), por não possuir bens, tem como meta, evidentemente, o ter, não o ser. Não se entra aqui no mérito se essa ambição é válida ou não, se traz ou não felicidade. Todavia é compreensível.
Mas, para um monge tibetano, por exemplo, ou para um ermitão do Oriente Médio, ou para qualquer outro indivíduo que se despoje de aspirações materiais, a acumulação de objetos, seja qual for seu valor intrínseco, ou sua natureza, ou sua escassez, pouco ou nada significa. Para essas pessoas, juntar coisas não representa ser bem sucedido. Provavelmente, significa o contrário. Para elas, o que conta é o auto-conhecimento, a iluminação espiritual, a contemplação da natureza, etc.
Não há, portanto, qualquer regra fixa que garanta o êxito pessoal de quem quer que seja. O fator primordial para que qualquer empreendimento chegue a bom termo é o reconhecimento alheio. E esse é muito complicado para ser obtido. Aos nossos próprios olhos podemos ser sábios, valentes, nobres ou virtuosos. Mas isto apenas será verdadeiro, será consensual, será aceito se for reconhecido pelos que nos rodeiam. Há algumas coisas bastante simples e óbvias que poderemos fazer para tornar nossa vida menos tensa, menos áspera ou menos maçante e, portanto, mais agradável e produtiva. Talvez bem sucedida.
Uma delas é, justamente, viver um momento por vez. O norte-americano Dale Carnegie dá este conselho a propósito: “Do mesmo modo que nos grandes transatlânticos os compartimentos são construídos separadamente e à prova de água, nós também devemos fechar portas de ferro sobre o passado – os amanhãs nascituros. Se formos juntar o peso do amanhã ao do ontem, e tentar carregar tudo hoje, ele será demasiado e nos fará tropeçar. A única maneira de prepararmo-nos para o futuro é concentrar toda a nossa inteligência e entusiasmo na execução perfeita do trabalho de hoje”.
O escritor inglês, Robert Louis Stevenson, vai mais longe e explica a razão porque esse procedimento é a maneira mais sensata de viver. Observa: “Todos podem executar seu trabalho, por difícil que seja, por um dia. Todos podem viver com doçura, paciência, ternura e pureza até que o sol se ponha. E isso é tudo o que a vida realmente significa”. Dando um passo de cada vez, buscando executar as pequenas coisas com o máximo de empenho para atingir a perfeição em tarefas aparentemente inexpressivas e corriqueiras, tornaremos nossos dias, cada um deles, todos eles, agradáveis.
Não precisaremos ficar recordando o passado. O presente nos bastará. Não teremos tempo para projetar um futuro que sequer sabemos se vamos ter. O aqui e agora serão suficientes. E da soma de todos esses dias calmos, aparentemente sem brilho, sem dramas, sem euforias e sem heroísmos, construiremos nossa biografia. Fabricaremos o sucesso ou, quiçá, a felicidade. Simples, não é verdade...?

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