Friday, December 04, 2009




Sobre cães e gatos

Pedro J. Bondaczuk

Os cães ferozes, especialmente os Pitt-bulls, Rothweillers e Filas Brasileiros, têm estado, ultimamente, na ordem do dia, no noticiário da imprensa, por causa de ataques a crianças e adultos, que redundaram, em alguns casos, em mortes e em outros, em graves ferimentos das vítimas. Em algumas cidades do País – como Ribeirão Preto, por exemplo – as autoridades optaram por soluções radicais, provavelmente exageradas, como a esterilização de espécimes dessas raças, na tentativa de extinguir, a médio prazo, esses animais, de suposta ferocidade incontrolável.
Tais medidas vêm despertando debates e protestos, tanto dos que estão de acordo com elas e que pedem providências ainda mais duras, quanto daqueles que são contrários a ações desse tipo, as considerando desnecessárias e absurdas. Estes últimos argumentam que a culpa, pela excessiva agressividade dos cães, não cabe aos irracionais, mas aos ditos racionais, seus donos ou treinadores, que os condicionam a serem como são.
Cachorros ferozes, a rigor, sempre existiram e vão existir, desde que o mundo é mundo, em todas as épocas e lugares. Tudo depende das circunstâncias e do tratamento dado aos animais. Ataques brutais de cães, em especial os de grande porte, sequer são novidade, embora apenas recentemente os meios de comunicação tenham decidido noticiar com maior ênfase esses fatos. Talvez lhes faltem notícias ou quiçá falte competência aos seus editores para hierarquizar melhor o noticiário.
Não são apenas Pitt-bulls, Rothweillers ou Filas Brasileiros que, quando de alguma forma ameaçados, ou quando condicionados a agredir, têm cometido, ou podem cometer, ataques, muitas vezes mortais. Dependendo das circunstâncias e situações, até espécimes de raças miúdas, como os Toys ou Pequineses, por exemplo, costumam se comportar como perigosas feras. Quem possui animal de estimação deve sempre manter uma série de cautelas, por maior que seja sua estima pelo bicho. Afinal, trata-se de um ser irracional, que age por instinto ou por condicionamento.
De cães ferozes ouve-se falar a todo o momento (o que temo é outro tipo de ferocidade), mas de gatos... Pois é, tenho em casa – sem que até há poucos dias soubesse – um rematado exemplar de "Pitt-cat". Pelas reclamações que venho recebendo desse animal – um vira-lata simpático (ou dissimulado?) de pêlos pretos com manchas brancas – por parte dos vizinhos, se trata do terror do pedaço. Muitos (eu mesmo) já foram acordados pelo fragor de suas pelejas noturnas, em disputa do amor das fêmeas das redondezas, e pelos gemidos escandalosos, produzidos durante seus turbulentos "romances" da madrugada.
Esse gato valentão atende pelo nome de "Jack" (o Estripador?), que lhe foi dado pelos meus filhos. Em casa, é o animal mais dócil, carinhoso e inofensivo do mundo. Quem o vê esfregando o corpo em nossas pernas, miando meloso, ronronando, descontraído, em busca compulsiva de carinho, ou acomodando-se no meu colo quando estou à frente da tela do meu computador, escrevendo meus textos (como agora), só pode atribuir sua pretensa ferocidade, reclamada com tanta ênfase pelos vizinhos, a intriga de desocupados ou a fofoca de inconciliáveis inimigos dos felinos. Há gente assim...
Mas as reclamações são muitas... Concluo que este simpático malandro tem dupla personalidade e consegue ludibriar toda a família, conquistando, com seu enganador jeito manso, a nossa irrestrita solidariedade. Outro dia o Jack foi acusado pela vizinha do lado de haver invadido, como reles ladrão, a sala da sua casa, dado uma sova daquelas no seu gato, sem a menor cerimônia e, de quebra, arranhado a mão da sua filha. No caso do felino agredido, a explicação é simples: disputa de território. Quanto à menina arranhada, se o Jack pudesse falar, certamente se defenderia usando o argumento da "legítima defesa". Ou a garota tentou bater nele ou ele achou que ela estava tentando fazer isso. Sobre gatos, encontrei, por acaso, este delicioso e inteligente poema de Fernando Pessoa, composto em janeiro de 1931, que diz:
"Gato que brincas na rua/como se fosse na cama,/invejo a sorte que é tua/porque nem sorte se chama.//Bom servo das leis fatais/que regem pedras e gentes,/que tens instintos gerais/e sentes só o que sentes.//És feliz porque és assim,/todo o nada que és é teu./Eu vejo-me e estou sem mim,/conheço-me e não sou eu". Eu também não sou eu, poeta! Contudo, nem sei quem sou!

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