Thursday, December 24, 2009




À margem de nós mesmos

Pedro J. Bondaczuk

As pessoas mudam com o tempo, embora nem sempre as mudanças sejam para melhor. Enquanto algumas evoluem, aprendem com a vida, extraem preciosas lições de fracassos e frustrações, outras tantas caminham para trás, retrocedem inúmeros passos, corrompem-se, desencantam-se e ficam pelo caminho lamentando a má sorte, quando na verdade suas desventuras são frutos do próprio comportamento tolo.
Eu, como todo mundo, mudei, e muito, nesta minha já longa caminhada pelo tempo. Os que convivem comigo garantem que minhas mudanças foram para melhor. Não sei se essa avaliação é a correta ou se é mero fruto da estima que têm por mim.
A mim me parece, contudo, que me tornei mais tolerante, menos rígido, mais compreensivo e cortês. E como em sociedade prevalece o “efeito da mola”, ou seja, tudo o que fazemos volta para nós com a mesma força aplicada em nossas ações, venho sendo recompensado, mais do que esperava e possivelmente muito mais do que fizs por merecer, por essa postura mais amena e suave.
Uma das minhas mudanças mais dramáticas foi em relação ao Natal. As últimas cinco festas natalinas foram perfeitas em todos os sentidos, como num sonho, em que as coisas acontecem rigorosamente como planejamos. Tempos atrás jamais supunha que seria possível me alegrar tanto com uma simples festa (justo eu que sempre as detestei). Nem sempre, todavia, esse período do ano foi tão bom para mim como tem sido ultimamente. Pelo contrário, quase sempre era motivo de tristeza, saudade e solidão.
Minha primeira festa de Natal ocorreu quando eu já tinha onze anos de idade. Foi num internato de São Paulo. Talvez pela novidade desse algo, que até então não conhecia, pareceu-me a melhor da minha vida. Ainda hoje recordo-me desse dia com satisfação, saudade e até empolgação. Todavia, esse evento tão auspicioso perdeu, recentemente, a primazia, pelo menos em minhas lembranças. As melhores festas natalinas que já tive foram exatamente as cinco últimas, rigorosamente empatadas, sem nenhuma delas ser um tantinho que seja melhor do que a outra.
Ao longo de quase cinqüenta anos, posso afirmar que não tive natais. Quando criança, meus pais, evangélicos fiéis, não festejavam a data. Argumentavam que Jesus não nasceu em 25 de dezembro e que a festa, da forma como é celebrada, é uma incorporação de um festejo pagão ao cristianismo. Respeito sua postura e sua fé, posto que não concorde pelo menos com a primeira.
Não vejo mal nenhum numa reunião de família, seja a que pretexto for, em que cada membro manifeste, explicitamente, o amor que sente pelos demais, presenteando-os. Pelo contrário, apenas vislumbro méritos nessa atitude. Ademais, adulto nenhum tem o direito, seja a que pretexto for, de sonegar os sonhos de uma criança. A vida, como todos sabemos e sentimos na própria carne, é rápida demais. Chega um dia em que já não temos mais projetos ou ideais, ou por haver concretizado todos os que tínhamos, ou por haver fracassado por completo em sua realização.
Restam-nos, então, apenas lembranças, suaves recordações de pessoas que amamos e que não existem mais, de circunstâncias que nos fizeram momentaneamente felizes e de deliciosos sonhos que então acalentávamos. Quem não tem nada de positivo e bom a recordar é o mais miserável dos miseráveis, embora tenha posses em profusão.
Depois de adulto, também não tive natais. Durante décadas, passei esse dia que deve ser dedicado à família, em redações de jornais, fazendo plantões. Não me arrependo, é claro, pois dessa renúncia foi que tirei os recursos para o sustento, criação e educação dos meus filhos.
Só de cinco anos para cá isso mudou. Agora posso gozar plenamente das delícias de uma festa de Natal em um lar bem constituído, com a graça da Deus. E estou indo à forra. Venho recuperando todo o tempo perdido, abastecendo, avaramente, a memória de lembranças, cada uma mais preciosa e bela do que a outra.
Fernando Pessoas escreveu, certa feita: “Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”.
Há pelo menos cinco anos, mudei, metaforicamente, meus trajes. Abandonei os formalíssimos terno e gravata, trocando-os por vestes esportivas, confortáveis e apropriadas para o nosso clima e, ainda assim, elegantes. Busquei novos caminhos que me levassem a lugares desconhecidos, renovando o espírito de aventura.
Deixei de lado a postura rígida e séria de antigamente e, a despeito das rugas e dos sinais que o tempo deixou em mim, voltei a ser aquele mesmo menino sonhador, que amava a vida e se sentia capaz de conquistar o mundo, sem receios e nem preocupações. Fiz, portanto, a mágica travessia e, finalmente, me encontrei, escapando do risco de ficar à margem de mim mesmo para sempre.

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