Em busca do papel
Pedro J. Bondaczuk
Os pressupostos em que se baseia a civilização não resistem à mínima análise. Disfarçada sob uma tênue camada de verniz civilizatório, o que ainda impera é a lei da selva: a prevalência do mais forte sobre o mais fraco. A riqueza é o disfarce que se usa para dissimular a força bruta. Hoje, não é o indivíduo com maior massa muscular, ou mais perito no manejo de armas, o que prevalece sobre os que lhe são mais frágeis ou indefesos. É o rico. É o que pode "comprar" essa montanha de músculos, ou essa máquina de coagir e matar, para impor e assegurar os seus interesses. E a maioria, consciente ou inconscientemente, apóia tal sistema ou pelo menos não se lhe opõe como deveria.
A sociedade atual, tirando os recursos tecnológicos que facilitam a vida de milhões (vedados a dois terços da humanidade, que vegetam sob o espectro da fome, sem acesso à educação, à moradia, à saúde, à segurança etc.), é a reprodução fidelíssima do inferno, pintado por furibundos pregadores do passado (e alguns atuais) como castigo àqueles que não seguissem os dogmas que pregavam.
Todavia, em treze milênios de civilização, o homem ainda não se conscientizou do seu verdadeiro papel, "brincando" de viver, transformando o mundo em um circo de horrores, onde imperam o crime, a violência (física e principalmente social), a corrupção e o desmedido egoísmo. No fundo, bem no íntimo da consciência, todos sabemos que os paradigmas que norteiam as relações humanas são errados. No entanto... relutamos em abrir mão deles ou nos insurgimos contra a sua modificação.
Nunca a vida foi mais desvalorizada do que no século passado, o 20º da Era Cristã, que conheceu as maiores guerras jamais travadas pelos povos e até um genocídio nuclear (Hiroshima e Nagasaki), que pode se reproduzir em escala um milhão de vezes maior, até acidentalmente.
A morte é banalizada, até mesmo nas artes, como se matar uma pessoa (ou toda uma nação, como Adolf Hitler e Pol Pot, entre outros, tentaram, e quase conseguiram), fosse uma ação trivial, simples, meritória, como apagar um número de uma relação estatística. Em desespero, milhares de seres humanos, pelo mundo afora, recorrem à fuga, às drogas, ao alcoolismo, quando não ao suicídio, por entenderem que viver se tornou penoso. O que falta ao homem é definir o seu verdadeiro papel.
O escritor D. H. Lawrence, célebre por seu romance "O Amante de Lady Chaterley", que teve sua obra censurada como "pornográfica" e "atentatória à moral" e que não viu o livro ser publicado na íntegra (o que ocorreria apenas após a sua morte), criticou os pressupostos baseados no "ter", em detrimento do "ser". Erich Fromm, por seu turno, escreveu um livro, hoje verdadeiro clássico do comportamento, sobre esse tema. Essa obra é muito citada por intelectuais, mas, na verdade, suas recomendações são raramente seguidas.
Lawrence escreveu a esse propósito: "O que queremos é destruir nossas falsas, inorgânicas relações, especialmente com o dinheiro, e restabelecer nossa relação orgânica e viva com o cosmos, o Sol e a Terra, com a raça humana e com a nação e a família".
Imoral não é falar e/ou escrever sobre sexo e erotismo, mas deixar pessoas morrendo à míngua, enquanto temos mais do que precisamos e desperdiçamos. Qual a razão do patrimônio da humanidade – que são os recursos do Planeta – estar entregue a pessoas tão medíocres, sem princípios e sem idéias, que os vêm depredando de forma estúpida e sistemática? Quem lhes conferiu essa prerrogativa?
Foram as idéias (não foi a força), que tiraram o homem das cavernas, com a maior revolução já ocorrida em todos os tempos: a descoberta da agricultura. Foi a ciência, e não o comércio, que ampliou os anos de vida desse animal frágil, exposto a um número incontável de doenças, e lhe proporcionou conforto e segurança. Foram as artes, e não as guerras, que deram sentido à vida, com a revelação da beleza. No entanto, tudo isso está sendo deixado de lado, trocado por acúmulo de "bens", que na verdade são "males".
O poeta mexicano Octávio Paz, Prêmio Nobel de Literatura, observou: "As idéias perderam sua atração e os corpos seu mistério. A gratificação instantânea não somente prejudica o desejo como frustra um dos gozos mais certos do amor sexual: o mútuo descobrimento que o casal faz de seus corpos. Nossas sociedades substituíram o desejo pela higiene, a liberdade pela promiscuidade".
Seria saudável a cada pessoa se, ao despertar, ela pensasse que esse dia pode ser o último de sua passagem na Terra. Pode parecer mórbido, mas não é. É um exercício de humildade. Da humildade que o homem perdeu e precisa recuperar. Esqueceu-se da sua efemeridade, arrotando um poder que em verdade não possui. Falta ao ser humano – pelo menos à maioria – descobrir seu verdadeiro papel e exercitá-lo. Só assim este macabro inferno, de violência, de injustiças e de egoísmo, poderá ser transformado, senão num paraíso, pelo menos em um lugar bom para se viver...
Todos temos (ou deveríamos ter) um papel social a exercer, de acordo com a nossa aptidão física e/ou intelectual. O nosso, de jornalistas, ou, sobretudo, de comunicadores, é o de atuar como uma espécie de “espelho”, refletindo as ações e comportamentos da sociedade, para que estes possam ser detectados, identificados e – quando for o caso – mudados. E, claro, para melhor. É uma função nem sempre (ou quase nunca) agradável, mas absolutamente necessária, se não fundamental. Exerçamos, pois, com diligência, e sobretudo com ética, esse nosso papel, sem nunca transigir, seja qual for a razão. Caso contrário, seremos cúmplices dos facínoras que infelicitam tanta gente e ameaçam a própria sobrevivência da espécie.
Pedro J. Bondaczuk
Os pressupostos em que se baseia a civilização não resistem à mínima análise. Disfarçada sob uma tênue camada de verniz civilizatório, o que ainda impera é a lei da selva: a prevalência do mais forte sobre o mais fraco. A riqueza é o disfarce que se usa para dissimular a força bruta. Hoje, não é o indivíduo com maior massa muscular, ou mais perito no manejo de armas, o que prevalece sobre os que lhe são mais frágeis ou indefesos. É o rico. É o que pode "comprar" essa montanha de músculos, ou essa máquina de coagir e matar, para impor e assegurar os seus interesses. E a maioria, consciente ou inconscientemente, apóia tal sistema ou pelo menos não se lhe opõe como deveria.
A sociedade atual, tirando os recursos tecnológicos que facilitam a vida de milhões (vedados a dois terços da humanidade, que vegetam sob o espectro da fome, sem acesso à educação, à moradia, à saúde, à segurança etc.), é a reprodução fidelíssima do inferno, pintado por furibundos pregadores do passado (e alguns atuais) como castigo àqueles que não seguissem os dogmas que pregavam.
Todavia, em treze milênios de civilização, o homem ainda não se conscientizou do seu verdadeiro papel, "brincando" de viver, transformando o mundo em um circo de horrores, onde imperam o crime, a violência (física e principalmente social), a corrupção e o desmedido egoísmo. No fundo, bem no íntimo da consciência, todos sabemos que os paradigmas que norteiam as relações humanas são errados. No entanto... relutamos em abrir mão deles ou nos insurgimos contra a sua modificação.
Nunca a vida foi mais desvalorizada do que no século passado, o 20º da Era Cristã, que conheceu as maiores guerras jamais travadas pelos povos e até um genocídio nuclear (Hiroshima e Nagasaki), que pode se reproduzir em escala um milhão de vezes maior, até acidentalmente.
A morte é banalizada, até mesmo nas artes, como se matar uma pessoa (ou toda uma nação, como Adolf Hitler e Pol Pot, entre outros, tentaram, e quase conseguiram), fosse uma ação trivial, simples, meritória, como apagar um número de uma relação estatística. Em desespero, milhares de seres humanos, pelo mundo afora, recorrem à fuga, às drogas, ao alcoolismo, quando não ao suicídio, por entenderem que viver se tornou penoso. O que falta ao homem é definir o seu verdadeiro papel.
O escritor D. H. Lawrence, célebre por seu romance "O Amante de Lady Chaterley", que teve sua obra censurada como "pornográfica" e "atentatória à moral" e que não viu o livro ser publicado na íntegra (o que ocorreria apenas após a sua morte), criticou os pressupostos baseados no "ter", em detrimento do "ser". Erich Fromm, por seu turno, escreveu um livro, hoje verdadeiro clássico do comportamento, sobre esse tema. Essa obra é muito citada por intelectuais, mas, na verdade, suas recomendações são raramente seguidas.
Lawrence escreveu a esse propósito: "O que queremos é destruir nossas falsas, inorgânicas relações, especialmente com o dinheiro, e restabelecer nossa relação orgânica e viva com o cosmos, o Sol e a Terra, com a raça humana e com a nação e a família".
Imoral não é falar e/ou escrever sobre sexo e erotismo, mas deixar pessoas morrendo à míngua, enquanto temos mais do que precisamos e desperdiçamos. Qual a razão do patrimônio da humanidade – que são os recursos do Planeta – estar entregue a pessoas tão medíocres, sem princípios e sem idéias, que os vêm depredando de forma estúpida e sistemática? Quem lhes conferiu essa prerrogativa?
Foram as idéias (não foi a força), que tiraram o homem das cavernas, com a maior revolução já ocorrida em todos os tempos: a descoberta da agricultura. Foi a ciência, e não o comércio, que ampliou os anos de vida desse animal frágil, exposto a um número incontável de doenças, e lhe proporcionou conforto e segurança. Foram as artes, e não as guerras, que deram sentido à vida, com a revelação da beleza. No entanto, tudo isso está sendo deixado de lado, trocado por acúmulo de "bens", que na verdade são "males".
O poeta mexicano Octávio Paz, Prêmio Nobel de Literatura, observou: "As idéias perderam sua atração e os corpos seu mistério. A gratificação instantânea não somente prejudica o desejo como frustra um dos gozos mais certos do amor sexual: o mútuo descobrimento que o casal faz de seus corpos. Nossas sociedades substituíram o desejo pela higiene, a liberdade pela promiscuidade".
Seria saudável a cada pessoa se, ao despertar, ela pensasse que esse dia pode ser o último de sua passagem na Terra. Pode parecer mórbido, mas não é. É um exercício de humildade. Da humildade que o homem perdeu e precisa recuperar. Esqueceu-se da sua efemeridade, arrotando um poder que em verdade não possui. Falta ao ser humano – pelo menos à maioria – descobrir seu verdadeiro papel e exercitá-lo. Só assim este macabro inferno, de violência, de injustiças e de egoísmo, poderá ser transformado, senão num paraíso, pelo menos em um lugar bom para se viver...
Todos temos (ou deveríamos ter) um papel social a exercer, de acordo com a nossa aptidão física e/ou intelectual. O nosso, de jornalistas, ou, sobretudo, de comunicadores, é o de atuar como uma espécie de “espelho”, refletindo as ações e comportamentos da sociedade, para que estes possam ser detectados, identificados e – quando for o caso – mudados. E, claro, para melhor. É uma função nem sempre (ou quase nunca) agradável, mas absolutamente necessária, se não fundamental. Exerçamos, pois, com diligência, e sobretudo com ética, esse nosso papel, sem nunca transigir, seja qual for a razão. Caso contrário, seremos cúmplices dos facínoras que infelicitam tanta gente e ameaçam a própria sobrevivência da espécie.
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