Sunday, December 06, 2009




Avanço no relacionamento

Pedro J. Bondaczuk


O comunicado conjunto, emitido após dois dias de reuniões entre o presidente norte-americano, Ronald Reagan, e o secretário-geral do Partido Comunista Soviético, Mikhail Gorbachev, realizadas em Genebra, decepcionou boa parte da opinião pública mundial, que esperava muitos resultados positivos desses encontros.

O documento admite, explicitamente, inclusive, que nos temas básicos, ou seja, quanto à firme decisão do governante dos Estados Unidos de levar adiante seu plano denominado de “guerra nas estrelas” e quanto à feroz oposição russa à medida, as divergências continuam sérias e profundas.

Não se obteve qualquer acordo para a redução de armas nucleares, nem estratégicas e nem intercontinentais, embora Gorbachev reafirme sua disposição de reduzir os arsenais em até 50%, condicionando, porém, essa providência à cessação de qualquer pesquisa em torno da Iniciativa de Defesa Estratégica.

Olhando friamente a declaração conjunta, extraída da reunião de cúpula, sem maiores análises, a tendência é a de se considerar que nenhum avanço foi mesmo obtido nesta oportunidade. Quem encarar o comunicado dessa forma, contudo, estará incorrendo num grave erro.

A despeito de persistirem as divergências básicas e fundamentais, um importantíssimo canal de diálogo, iniciado em janeiro deste ano, foi largamente ampliado. Só o fato de Reagan e Gorbachev se comprometerem a manter duas novas reuniões de cúpula nos próximos dois anos, uma em Washington e outra em Moscou, representa um avanço de enorme significação.

Maior dimensão ainda ele ganha quando se sabe que doravante serão mantidos contatos permanentes, durante o ano todo, entre o secretário de Estado norte-americano, George Shultz, e o ministro de Relações Exteriores da União Soviética, Eduard Shevardnadze. E não somente entre eles, mas entre titulares de diversas outras pastas dos dois países.

Com essa simples providência, com esse corriqueiro gesto de mútua boa vontade, muitas questões poderão morrer, doravante, ainda no nascedouro, sem que evoluam para um confronto, que vantagem alguma pode jamais trazer a qualquer parte.

Houvesse essa espécie de contato em 1979, e possivelmente não ocorreria a invasão das tropas russas ao Afeganistão. Muitos outros problemas gravíssimos, que aconteceram por obra e graça da desconfiança patológica que soviéticos e norte-americanos nutrem um pelo outro, poderiam ter sido evitados. Possivelmente, agora o serão.

Mas, no nosso entender, o mais importante avanço que se extraiu desse comunicado conjunto foi uma questão doutrinária. A admissão clara, insofismável e por escrito de ambas as partes de que uma guerra nuclear não tem condições de apresentar, em circunstância alguma, qualquer vencedor e que só pode redundar na destruição da civilização humana, como nós a entendemos hoje. E de que mesmo um confronto armado convencional entre as superpotências será catastrófico para o mundo.

Essa declaração de princípios é muito importante, principalmente porque, desde meados de 1981, alguns círculos de Washington e Moscou, em condições de influenciar seus respectivos governos, vinham levantando a suicida e perigosa tese de que seria possível se ganhar uma guerra nuclear limitada. De que maneira, eles nunca conseguiram explicar (e nem conseguiriam, tão estúpida e sem sentido é essa posição).

O caminho a ser percorrido até que a cordilheira de diferenças entre a União Soviética e os Estados Unidos seja transposta é ainda muito longo. Mas estamos com o presidente Reagan quando ele afirma que os resultados dessa reunião de cúpula não serão sentidos de imediato. Mas que eles virão, embora a médio ou até a longo prazo. “Em meses ou até em anos”, conforme frisou o presidente norte-americano.

Mas o importante é que dois sistemas de vida tão antagônicos percebam que a despeito de objetivos diametralmente opostos, ambos podem conviver em paz neste mundo, sem a necessidade de que um tente eliminar sumariamente o outro. Essa é a base mais sólida que se poderia estabelecer para um entendimento. Basta somente que ela não seja corroída por ações de aventureiros, de exploradores e de estúpidos suicidas.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 22 de novembro de 1985).

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