Luminosas manhãs
Pedro J. Bondaczuk
As manhãs são a melhor parte do dia, cheias de promessas e de possibilidades. Significam um diário renascimento de esperanças. Melhores se tornam se forem daquelas luminosas e perfumadas de primavera. Das que trazem consigo um frescor especial, um cântico de pássaros mais alegre ou mesmo o burburinho característico das grandes cidades, a nos mostrar que estamos vivos e que temos obrigações a cumprir. E isso, ao contrário do que se pensa, é um privilégio, senão uma felicidade. Significa que somos necessários. Representa que precisam de nós. Quer dizer que temos lá a nossa importância.
Por maiores que sejam nossas preocupações, é sumamente agradável caminhar pelas calçadas logo ao amanhecer, distribuindo cumprimentos bairro afora, no trajeto para a padaria. Ou, mesmo calados, simplesmente apreciando, distraídos, o movimento das ruas.
Embora sejam promessas, no entanto, as manhãs só se realizam ao longo do dia, com nossas façanhas, fracassos, tensões, alegrias e tristezas. São como a vida do homem. Por mais agradável e promissora que seja a juventude, por exemplo, só nos realizamos (ou deixamos de nos realizar) na idade madura, quando o tempo nos curte e nos dá substância, através da experiência.
O padre Antônio Vieira, em um dos seus sermões, compara a fase da maturidade ao outono. Ou seja, ao período dos frutos que antecede o inverno, que representa o tempo em que já não somos mais considerados necessários.
Uns encaram essa etapa com a serenidade dos que estão conscientes de terem feito a sua parte. Outros, com indisfarçável amargura, pelo que deixaram, por uma razão ou outra, de fazer. O amor próprio fica, sem dúvida, ferido quando somos deixados de lado, superados por uma nova geração, à qual, um dia, temos fatalmente que ceder lugar. Mas este é o ciclo natural. Não adianta nos rebelar contra isso. É naturalíssimo e saudável que assim seja.
Vieira, no mencionado sermão, constata: "O ano tem tempo para as flores e tempo para os frutos. Por que não terá também o seu outono a vida? As flores, umas caem, outras secam, outras murcham, outras leva o vento; aquelas poucas que se pegam ao tronco e se convertem em frutos, só essas são as que duram, só essas são as que aproveitam, só essas são as que sustentam o mundo. Será bem que o mundo morra de fome? Será bem que os últimos dias se passem em flores?".
Todas as etapas da vida de um homem possuem uma beleza e uma feiúra próprias. São partes de um todo que é avaliado somente pelos resultados. E mesmo estes são ilusórios e passageiros. Poucos, pouquíssimos, raros, raríssimos indivíduos desta geração serão lembrados dez, vinte, cinqüenta, cem anos após sua morte. E não se trata de achar que ela seja pior do que as antecessoras ou as sucessoras. Em todos os tempos sempre foi assim.
O número dos que lograram sobreviver ao esquecimento absoluto é tão pequeno, tão ínfimo, tão irrisório que raros são os que conseguem lembrar seus nomes e o que eles fizeram de simples memória, sem consultar livros ou enciclopédias. E os lembrados são, em geral, os que realmente marcaram seu tempo, mas de forma insofismável.
Voltando a falar das manhãs, é preciso manter os sentidos alertas para apreciá-las convenientemente. Nem todos têm essa capacidade. Coitados! Não sabem o que perdem! É como ensinava Confúcio: "Todos comem e bebem, mas quão poucos sabem distinguir os sabores!". São candidatos, mais do que certos, à frustração, à amargura, ao desencanto, quando perceberem que tudo o que tanto desejaram e pelo que lutaram, muitas vezes usando expedientes cruéis e desleais, e com uma arrogância assombrosa, não passou de imensa ilusão.
O poder, por exemplo, é "escorregadio como um peixe", constatou Garcia Marquez em um dos seus romances. Ou é como aquela areia fininha que escorre por entre os nossos dedos, quando fechamos a mão para tentar retê-la. É um esforço vão. A glória? Coisa risível. O amor? Em geral não passa de jogo de interesses. A fortuna? É juntada para os outros e raras vezes traz benefícios concretos a quem a junta. Se trouxer, é porque ele a estará gastando e, portanto, logo não mais disporá dela.
O que realmente vale a pena na vida é simples, gratuito e sequer exige grande esforço. Requer apenas predisposição favorável e sentidos alertas. Está na natureza, da qual fazemos parte e quase nunca nos damos conta. Existe para o nosso usufruto. É um bem inesgotável e universal.
Nas pequenas coisas é que reside a satisfação maior. Em geral, porém, costumamos agir da forma como o poeta Emílio Moura descreveu tão bem nestes preciosos versos: "Eu fiquei só diante da vida/e todas as coisas me assustaram..." Somos os arquitetos dos nossos próprios sustos. Mas também o somos da felicidade, que reside em pequenos momentos que raramente sabemos identificar e valorizar e em geral está em nossas mãos.
Pedro J. Bondaczuk
As manhãs são a melhor parte do dia, cheias de promessas e de possibilidades. Significam um diário renascimento de esperanças. Melhores se tornam se forem daquelas luminosas e perfumadas de primavera. Das que trazem consigo um frescor especial, um cântico de pássaros mais alegre ou mesmo o burburinho característico das grandes cidades, a nos mostrar que estamos vivos e que temos obrigações a cumprir. E isso, ao contrário do que se pensa, é um privilégio, senão uma felicidade. Significa que somos necessários. Representa que precisam de nós. Quer dizer que temos lá a nossa importância.
Por maiores que sejam nossas preocupações, é sumamente agradável caminhar pelas calçadas logo ao amanhecer, distribuindo cumprimentos bairro afora, no trajeto para a padaria. Ou, mesmo calados, simplesmente apreciando, distraídos, o movimento das ruas.
Embora sejam promessas, no entanto, as manhãs só se realizam ao longo do dia, com nossas façanhas, fracassos, tensões, alegrias e tristezas. São como a vida do homem. Por mais agradável e promissora que seja a juventude, por exemplo, só nos realizamos (ou deixamos de nos realizar) na idade madura, quando o tempo nos curte e nos dá substância, através da experiência.
O padre Antônio Vieira, em um dos seus sermões, compara a fase da maturidade ao outono. Ou seja, ao período dos frutos que antecede o inverno, que representa o tempo em que já não somos mais considerados necessários.
Uns encaram essa etapa com a serenidade dos que estão conscientes de terem feito a sua parte. Outros, com indisfarçável amargura, pelo que deixaram, por uma razão ou outra, de fazer. O amor próprio fica, sem dúvida, ferido quando somos deixados de lado, superados por uma nova geração, à qual, um dia, temos fatalmente que ceder lugar. Mas este é o ciclo natural. Não adianta nos rebelar contra isso. É naturalíssimo e saudável que assim seja.
Vieira, no mencionado sermão, constata: "O ano tem tempo para as flores e tempo para os frutos. Por que não terá também o seu outono a vida? As flores, umas caem, outras secam, outras murcham, outras leva o vento; aquelas poucas que se pegam ao tronco e se convertem em frutos, só essas são as que duram, só essas são as que aproveitam, só essas são as que sustentam o mundo. Será bem que o mundo morra de fome? Será bem que os últimos dias se passem em flores?".
Todas as etapas da vida de um homem possuem uma beleza e uma feiúra próprias. São partes de um todo que é avaliado somente pelos resultados. E mesmo estes são ilusórios e passageiros. Poucos, pouquíssimos, raros, raríssimos indivíduos desta geração serão lembrados dez, vinte, cinqüenta, cem anos após sua morte. E não se trata de achar que ela seja pior do que as antecessoras ou as sucessoras. Em todos os tempos sempre foi assim.
O número dos que lograram sobreviver ao esquecimento absoluto é tão pequeno, tão ínfimo, tão irrisório que raros são os que conseguem lembrar seus nomes e o que eles fizeram de simples memória, sem consultar livros ou enciclopédias. E os lembrados são, em geral, os que realmente marcaram seu tempo, mas de forma insofismável.
Voltando a falar das manhãs, é preciso manter os sentidos alertas para apreciá-las convenientemente. Nem todos têm essa capacidade. Coitados! Não sabem o que perdem! É como ensinava Confúcio: "Todos comem e bebem, mas quão poucos sabem distinguir os sabores!". São candidatos, mais do que certos, à frustração, à amargura, ao desencanto, quando perceberem que tudo o que tanto desejaram e pelo que lutaram, muitas vezes usando expedientes cruéis e desleais, e com uma arrogância assombrosa, não passou de imensa ilusão.
O poder, por exemplo, é "escorregadio como um peixe", constatou Garcia Marquez em um dos seus romances. Ou é como aquela areia fininha que escorre por entre os nossos dedos, quando fechamos a mão para tentar retê-la. É um esforço vão. A glória? Coisa risível. O amor? Em geral não passa de jogo de interesses. A fortuna? É juntada para os outros e raras vezes traz benefícios concretos a quem a junta. Se trouxer, é porque ele a estará gastando e, portanto, logo não mais disporá dela.
O que realmente vale a pena na vida é simples, gratuito e sequer exige grande esforço. Requer apenas predisposição favorável e sentidos alertas. Está na natureza, da qual fazemos parte e quase nunca nos damos conta. Existe para o nosso usufruto. É um bem inesgotável e universal.
Nas pequenas coisas é que reside a satisfação maior. Em geral, porém, costumamos agir da forma como o poeta Emílio Moura descreveu tão bem nestes preciosos versos: "Eu fiquei só diante da vida/e todas as coisas me assustaram..." Somos os arquitetos dos nossos próprios sustos. Mas também o somos da felicidade, que reside em pequenos momentos que raramente sabemos identificar e valorizar e em geral está em nossas mãos.
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