Monday, December 28, 2009




Liberdade para voar

Pedro J. Bondaczuk

O tempo da nossa vida pode ser comparado ao espaço em que um frágil pássaro (no caso nós) empreende permanente vôo, alegoria, aliás, que já explorei em crônica recente, mas que é oportuna de ser reiterada.
Os finais de cada ano, nessa metáfora, representam um entardecer qualquer, quando a frágil ave (nós) regressa ao ninho para cuidar da prole e recobrar forças para reiniciar a jornada no dia seguinte, tão logo surja o sol. E essa faina se repete por inúmeros “amanhãs”. Quantos? Ninguém pode determinar. A quantidade varia de ave para ave, sem que ninguém possa determinar a razão.
Os novos anos seriam, neste caso, as tantas alvoradas diárias, nas quais esse frágil pássaro (reitero, nós) torna a levar, continuamente, numa espécie de ritual, em suas asas ou, quem sabe, no bico, alegrias, tristezas, sucessos, fracassos, mágoas e saudades, todos ditados por nossas circunstâncias, para longe do ninho, para serem descartados.
O momento atual é o do regresso. É a oportunidade de fazer o balanço dos perigos enfrentados e vencidos, dos belos lugares por onde se sobrevoou, dos locais de fartura de alimentos que se descobriu, de onde e do que é prudente fugir e assim por diante.
Ao retomar o vôo, amanhã, no albor do novo ano, em céu que pode ser claro e azul ou nublado e tempestuoso, terei traçado toda a estratégia para sobreviver até novo anoitecer, até mais um retorno ao ninho, e para contar com ousadia e experiência necessárias para tornar a voar no alvorecer seguinte.
A mim compete, se souber viver, decidir o que levarei nas asas, ou no bico, para o futuro e o que trazer no regresso. Isso, tendo sempre em mente que ora voarei em céu tempestuoso, em meio a nuvens cor de chumbo, ora num azul sem mácula, em dias plenos de luz.
Os anos se sucedem, as estações passam e tornam a voltar, num ciclo que parece não ter fim. Mas tem. Um dia o frágil pássaro (ou seja, nós) partirá rumo ao mistério e ao infinito, o da morte e, possivelmente, da eternidade, ou da absoluta extinção. E partirá em definitivo, para não mais voltar. Outras aves repetirão o mesmo ritual, e igualmente por tempo indeterminado. Este é o ciclo natural e inexorável da vida.
Para onde vamos seguir, é um mistério. Dependerá de nosso estado de espírito, crenças, sonhos, otimismo, esperanças e fé. Pois, como diz o poeta Mauro Sampaio, nos versos do poema “Oráculo”: “Quando o pássaro partir/para o seu vôo de inverno,/há de levar nas asas o pólen da saudade”. É apenas o que levaremos quando partirmos na derradeira jornada, a que não terá mais regresso.
O ideal seria que tivéssemos liberdade para voar, o que, porém, nunca ocorre. Estamos sempre na dependência de obstáculos (alguns intransponíveis) a transpor, de amarras de compromissos e obrigações a se desvencilhar e de permanente risco de predadores, armadilhas e ciladas de toda a sorte para escapar. Todos esses fatores tentam impedir nosso regresso ao ninho.
No meu caso, por exemplo, neste ano que está prestes a findar, eu trouxe, de regresso da minha jornada, ao ninho, após longo, mas relativamente suave vôo no céu do tempo, algumas perdas (poucas, mas expressivas) e muitos ganhos (dignos, claro, de comemoração).
No primeiro caso, perdi uma pessoa da família que muito estimava. Doravante, ela irá sobreviver, enquanto eu não fizer meu derradeiro vôo (o sem regresso) somente em minha memória e saudade. Em contrapartida, ganhei um companheirão que, creio, será dos mais fiéis e constantes (amado, certamente, já é), representado pelo nascimento do meu neto João Vítor.
Estou prestes a decolar para nova aventura, munido de disposição, coragem, ousadia e de estratégia. Contudo, não voarei só. Procurarei integrar-me ao “bando”, cujos integrantes, todos, têm o mesmo destino e objetivo que eu.
Tentarei empreender, como faço há décadas, minha maior conquista, que é a ruptura do casulo da solidão em que me sinto aprisionado. Porquanto, como observou o escritor Cesare Pavese, “todo o problema da vida é este: como romper a própria solidão, como comunicar-se com os outros”. É o que tentarei fazer antes do próximo regresso ao ninho, tão logo anoiteça.

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