Tuesday, December 08, 2009




A euforia do começar

Pedro J. Bondaczuk

V
ocês já notaram que todo o começo de alguma ação que venhamos a empreender, não importa de que natureza, é, via de regra, alegre, promissor e não raro eufórico? Pois é. Dificilmente, porém, conseguimos manter o mesmo pique, o mesmo entusiasmo, a mesma determinação até o fim dessa jornada, mesmo que bem-sucedida. Encaramos o sucesso (quando o conseguimos, claro) como pequeno demais face ao esforço despendido e nosso sentimento, então, em vez de ser o de euforia, é o de decepção.
Iniciamos uma longa caminhada com o máximo de energia, certos de que chegaremos ao destino da mesma maneira, ou seja, alegres e bem-dispostos, mesmo que cansados. Quase nunca chegamos. Vamos nos desgastando ao longo da empreitada, esmorecendo, perdendo o ímpeto e a força, nos cansando e, não raro, sequer chegamos à meta pretendida. Ficamos, lamentavelmente, pelo caminho.
Veja o caso do amor. Lá um belo dia, sem esta ou mais aquela, cruzamos o olhar com o de uma determinada mulher, até então absolutamente desconhecida para nós, que sequer desconfiávamos que existisse. Por alguma razão não definida, por instinto talvez, acende-se uma chama em nosso peito. Sentimos súbita e irresistível atração por essa fêmea. Não nos fazemos de rogados, atendemos os reclames dos nossos hormônios e empreendemos a cruzada pela conquista da beldade (ou que nos pareça assim).
Apresentamo-nos a ela, escolhemos as melhores palavras para dizer-lhe, esmeramo-nos na aparência (quer a exterior, quer a anímica) e fazemos de tudo para impressionar bem a nossa “presa”. Muitas vezes nos frustramos, não somos correspondidos, e desistimos, lamentavelmente, da batalha. Mas não é esse fracasso que me interessa.
Digamos que a mulher dos nossos sonhos finalmente se materialize à nossa frente e nos corresponda plenamente. É essa correspondência o momento exato do começo do relacionamento. Nos meus tempos de adolescência, o ritual, digamos, do “acasalamento” entre humanos, era mais demorado e, creio, mais instigante do que atualmente.
Hoje, ao primeiro sim da mulher já a convidamos, de cara, para um motel e vamos ao “finalmente”. A conquista, por ser fulminante, virtualmente imediata, perde todo o mistério, encanto e sabor. E raramente o relacionamento prospera.
Há alguns anos, esse processo era demorado (demoradíssimo, aliás), cheio de idas e vindas, repleto de tentativas e negativas, o que só aumentava a expectativa, a emoção e o desejo. Entre as apresentações e a primeira vez que se segurava a mão da nossa musa, da nossa Dulcinéia, Beatriz ou sabe-se lá quem, não raro transcorriam semanas, quando não meses. E o primeiro beijo?! Era um delírio, um êxtase, uma experiência inenarrável! Geralmente, era roubado e algumas vezes retribuído com um tapa (que tinha, para nós, porém, o significado de uma carícia).
Feita, todavia, a conquista, não tardava para o relacionamento esfriar. Principalmente se a mulher caía na bobagem de ceder ao nosso instintivo assédio, deixar cair a “cidadela da sua virgindade” e ir para a cama conosco. Em três tempos, após o intercurso carnal, já parávamos de marcar encontros, pretextando compromissos mil, todos inexistentes, claro.
E quando íamos nos encontrar com a outrora inacessível musa dos nossos sonhos, deixávamos de levar-lhe flores, como nos primeiros dias. E limitávamos a poucos minutos o que antes fazíamos por horas. Inventávamos mil desculpas para não levá-la ao cinema, descobríamos, a cada novo encontro, defeitos até então imperceptíveis na parceira, principalmente no que antes nos parecia perfeições. E expúnhamos essa constatação, sem tato, escrúpulos ou sequer delicadeza. Em suma, agíamos de forma diametralmente oposta à do início da “conquista”.
Nem todos, óbvio, agiam, e nem agem dessa maneira, caso contrário não haveria mais casamentos. E estes, contudo, são feitos cada vez em maior número. Mas esse procedimento narrado, aliás bastante comum (diria que corriqueiro no passado e no presente) serve a caráter para exemplificar a diferença entre o começo, o meio e o fim de um empreendimento, no caso, o relacionamento amoroso.
Tudo na vida é mais ou menos assim. Ao nascermos, salvo exceções, somos fonte inesgotável de esperanças para os pais e a sociedade. Boa parte das pessoas, porém, frustra tais expectativas. De quem se esperava, por exemplo, um trabalhador, emerge um vagabundo. Quem se achava que viesse a ser protótipo de bondade, gentileza e solidariedade, se transforma em um marginal, ou viciado, ou um indivíduo violento e mesquinho e assim por diante. Dificilmente o meio e, principalmente, o fim, correspondem à alegria, entusiasmo e esperanças do começo.
Essas reflexões vêm a propósito de uma afirmação do escritor italiano Cesare Pavese em um de seus tantos textos, em que declara: “A única alegria no mundo é começar. É bom viver porque viver é começar sempre, a cada instante”. E não tem razão o ilustre companheiro de letras? Viva a vida!!!

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