Pedro J. Bondaczuk
O escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez (um dos meus preferidos) tem, entre seus inúmeros sucessos editoriais (que lhe valeram, inclusive, justíssimo Prêmio Nobel de Literatura), um romance que não somente li, como reli cinco vezes, e que me fascina desde o título: “Amor nos tempos do cólera”. Calma, paciente leitor. Não vou fazer nenhuma resenha sobre esse livro e nem mesmo comentários à margem. Leia-o e releia-o muitas vezes, como eu fiz, que você sairá ganhando muito mais.
Citei esse romance de passagem, por causa do título. O “cólera” (a que Márquez se refere) é a doença. Não será ela, óbvio, o objeto destas descompromissadas reflexões. Vou, isso sim, distorcer um pouco (ou muito, sei lá), o título desse livro, trocar os artigos – do “o” para o “a” – e mudar o sentido para o de ira, de raiva, de ódio, de rancor etc., sentimentos que, no meu entender, ao lado da solidão, caracterizam estes nossos tempos. Abordarei, portanto, “o amor nos tempos da cólera”, da agonia do romantismo, do apelo absoluto à carne em detrimento dos sentimentos. Ou seja, da troca das emoções pelas sensações, quando o mais sábio e sensato seria a interação absoluta com quem amamos, amando-a de coração, corpo e alma, sem peias ou restrições.
Todos nós, em certa medida (salvo raras exceções) temos o mau costume de amar as coisas e de usar as pessoas. Deveria ser, claro, o inverso. E não me venham com essa que nunca agiram assim. Agiram e, provavelmente, nem se deram conta. A rigor, agimos dessa forma, sem nenhuma maldade e sequer percebemos esse comportamento distorcido. Amamos determinados objetos não tanto pelo valor material (alguns os amam principalmente por isso) ou pela utilidade que têm, mas pelo aspecto sentimental. Ou são presentes de pessoas muito queridas, ou nos lembram circunstâncias felizes de nossa vida ou etc. etc.etc.
Não acho errado ter zelo pelas coisas que nos pertençam. Afinal, são imensos os sacrifícios a que temos que nos submeter para adquirir esses bens. Mas amá-los?! Isso, no meu entender, já é levar longe demais a valorização de meros objetos, de coisas, de bugigangas sem as quais, convenhamos, podemos viver tranqüilamente, sem qualquer problema.
Amiúde, temos notícias de assassinatos estúpidos, no trânsito, cometidos por quem teve um leve amassado, quando não apenas ligeiro arranhão na pintura de seu “precioso” carro. Claro que é o máximo da estupidez! Por outro lado, muitas vezes nos limitamos a “usar” os que nos beneficiam, e, pior, a quem amamos, achando que tem a obrigação de nos servir. Não tem.
Sherry Turkle rotula as pessoas da atual geração – esta apaixonada por computadores, usuária do Orkut, e viciada em internet (na qual me incluo) – de “máquinas emocionais”. Antes de prosseguir, se faz necessário apresentar (a quem não a conheça, evidente) essa ilustre (sem nenhuma ironia) personagem. Trata-se de renomada professora de Sociologia da Ciência (disciplina criada recentemente, há cerca de duas décadas) do badalado Massachusetts Institute of Technology (MIT). Como se vê, não é qualquer uma.
Sherry Turkle destaca-se, nos meios científicos e acadêmicos, por tratar, sobretudo, da questão da identidade na era da internet. Uma das suas constatações, por exemplo, é que os caminhos usados, até há não muito tempo, para o indivíduo afirmar sua individualidade no mundo, são muito dolorosos, quando confrontados com o que a realidade virtual oferece. Por isso, cada vez mais pessoas optam por esta em detrimento de outros meios.
Afinal, entre outras coisas, o computador oferece a ilusão da companhia, e sem os riscos da intimidade. A professora, que também é psicanalista (inicialmente, da linha lacaniana), trata, em seus livros, artigos, aulas e palestras, principalmente de um fenômeno novo, atualíssimo, que é a chamada ciberdependência. Prometo, oportunamente, trazer este tema à baila.
Voltando ao assunto, afirmo, sem medo de erras, que o crescente e progressivo isolamento das pessoas, iludidas pela falsa sensação de relacionamentos mais amplos que o computador nos dá, é um golpe mortal no romantismo, nas relações profundas e completas, na intimidade dos que se amam.
Preocupa-me, sobremaneira, como estudioso do comportamento humano, quando as manifestações de amor, as expressões espontâneas de carinho e encantamento, são consideradas ridículas, bregas, “trash”, como nestes “tempos da cólera”. Quando o sexo deixa de ser a suprema expressão do afeto para se tornar mero ato mecânico, compulsivo, não mais que eventual “conquista” (quem nunca ouviu a expressão “abater a lebre”?), sem maior significado emocional, como se fosse, apenas, o escore de um jogo. A preocupação de boa parte dos casais que conheço (e dos dois parceiros, frise-se, tanto do homem quanto da mulher) é computar “quantas pessoas já levei para a cama?”.
Essa promiscuidade, claro, nada tem a ver com amor. Não é de se estranhar, pois, que os relacionamentos durem tão pouco (muitos nem passam do primeiro encontro), somente o prazo da mútua saciedade sexual. Hoje em dia, é mais importante “ficar” do que namorar. Dá menos trabalho e confere maior prestígio. Casamentos que durem cinco anos são considerados fenômenos, como se durassem a eternidade. O amor, e o sexo, um de seus componentes, perderam exatamente o que mais os tornavam fascinantes e desejáveis: o mistério.
As próprias letras das canções, que vendem milhões de CDs e DVDs mundo afora, ouvidas dia e noite nos Ipods, outrora delicadas e poéticas, hoje são agressivas, iradas, aberrantemente escatológicas, sensuais, eróticas, quando não descambam para a pornografia pura. Claro que não se pode generalizar. Há, ainda (felizmente) os que cultivam o bom e velho romantismo. Mas a tendência – a menos que as pessoas se dêem conta da estupidez que cometem – é a das futuras gerações se desumanizarem de vez e se tornarem meras “máquinas emocionais”, numa interação absoluta e total com os computadores, seus verdadeiros amores. Tomara que não se tornem!!!
O escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez (um dos meus preferidos) tem, entre seus inúmeros sucessos editoriais (que lhe valeram, inclusive, justíssimo Prêmio Nobel de Literatura), um romance que não somente li, como reli cinco vezes, e que me fascina desde o título: “Amor nos tempos do cólera”. Calma, paciente leitor. Não vou fazer nenhuma resenha sobre esse livro e nem mesmo comentários à margem. Leia-o e releia-o muitas vezes, como eu fiz, que você sairá ganhando muito mais.
Citei esse romance de passagem, por causa do título. O “cólera” (a que Márquez se refere) é a doença. Não será ela, óbvio, o objeto destas descompromissadas reflexões. Vou, isso sim, distorcer um pouco (ou muito, sei lá), o título desse livro, trocar os artigos – do “o” para o “a” – e mudar o sentido para o de ira, de raiva, de ódio, de rancor etc., sentimentos que, no meu entender, ao lado da solidão, caracterizam estes nossos tempos. Abordarei, portanto, “o amor nos tempos da cólera”, da agonia do romantismo, do apelo absoluto à carne em detrimento dos sentimentos. Ou seja, da troca das emoções pelas sensações, quando o mais sábio e sensato seria a interação absoluta com quem amamos, amando-a de coração, corpo e alma, sem peias ou restrições.
Todos nós, em certa medida (salvo raras exceções) temos o mau costume de amar as coisas e de usar as pessoas. Deveria ser, claro, o inverso. E não me venham com essa que nunca agiram assim. Agiram e, provavelmente, nem se deram conta. A rigor, agimos dessa forma, sem nenhuma maldade e sequer percebemos esse comportamento distorcido. Amamos determinados objetos não tanto pelo valor material (alguns os amam principalmente por isso) ou pela utilidade que têm, mas pelo aspecto sentimental. Ou são presentes de pessoas muito queridas, ou nos lembram circunstâncias felizes de nossa vida ou etc. etc.etc.
Não acho errado ter zelo pelas coisas que nos pertençam. Afinal, são imensos os sacrifícios a que temos que nos submeter para adquirir esses bens. Mas amá-los?! Isso, no meu entender, já é levar longe demais a valorização de meros objetos, de coisas, de bugigangas sem as quais, convenhamos, podemos viver tranqüilamente, sem qualquer problema.
Amiúde, temos notícias de assassinatos estúpidos, no trânsito, cometidos por quem teve um leve amassado, quando não apenas ligeiro arranhão na pintura de seu “precioso” carro. Claro que é o máximo da estupidez! Por outro lado, muitas vezes nos limitamos a “usar” os que nos beneficiam, e, pior, a quem amamos, achando que tem a obrigação de nos servir. Não tem.
Sherry Turkle rotula as pessoas da atual geração – esta apaixonada por computadores, usuária do Orkut, e viciada em internet (na qual me incluo) – de “máquinas emocionais”. Antes de prosseguir, se faz necessário apresentar (a quem não a conheça, evidente) essa ilustre (sem nenhuma ironia) personagem. Trata-se de renomada professora de Sociologia da Ciência (disciplina criada recentemente, há cerca de duas décadas) do badalado Massachusetts Institute of Technology (MIT). Como se vê, não é qualquer uma.
Sherry Turkle destaca-se, nos meios científicos e acadêmicos, por tratar, sobretudo, da questão da identidade na era da internet. Uma das suas constatações, por exemplo, é que os caminhos usados, até há não muito tempo, para o indivíduo afirmar sua individualidade no mundo, são muito dolorosos, quando confrontados com o que a realidade virtual oferece. Por isso, cada vez mais pessoas optam por esta em detrimento de outros meios.
Afinal, entre outras coisas, o computador oferece a ilusão da companhia, e sem os riscos da intimidade. A professora, que também é psicanalista (inicialmente, da linha lacaniana), trata, em seus livros, artigos, aulas e palestras, principalmente de um fenômeno novo, atualíssimo, que é a chamada ciberdependência. Prometo, oportunamente, trazer este tema à baila.
Voltando ao assunto, afirmo, sem medo de erras, que o crescente e progressivo isolamento das pessoas, iludidas pela falsa sensação de relacionamentos mais amplos que o computador nos dá, é um golpe mortal no romantismo, nas relações profundas e completas, na intimidade dos que se amam.
Preocupa-me, sobremaneira, como estudioso do comportamento humano, quando as manifestações de amor, as expressões espontâneas de carinho e encantamento, são consideradas ridículas, bregas, “trash”, como nestes “tempos da cólera”. Quando o sexo deixa de ser a suprema expressão do afeto para se tornar mero ato mecânico, compulsivo, não mais que eventual “conquista” (quem nunca ouviu a expressão “abater a lebre”?), sem maior significado emocional, como se fosse, apenas, o escore de um jogo. A preocupação de boa parte dos casais que conheço (e dos dois parceiros, frise-se, tanto do homem quanto da mulher) é computar “quantas pessoas já levei para a cama?”.
Essa promiscuidade, claro, nada tem a ver com amor. Não é de se estranhar, pois, que os relacionamentos durem tão pouco (muitos nem passam do primeiro encontro), somente o prazo da mútua saciedade sexual. Hoje em dia, é mais importante “ficar” do que namorar. Dá menos trabalho e confere maior prestígio. Casamentos que durem cinco anos são considerados fenômenos, como se durassem a eternidade. O amor, e o sexo, um de seus componentes, perderam exatamente o que mais os tornavam fascinantes e desejáveis: o mistério.
As próprias letras das canções, que vendem milhões de CDs e DVDs mundo afora, ouvidas dia e noite nos Ipods, outrora delicadas e poéticas, hoje são agressivas, iradas, aberrantemente escatológicas, sensuais, eróticas, quando não descambam para a pornografia pura. Claro que não se pode generalizar. Há, ainda (felizmente) os que cultivam o bom e velho romantismo. Mas a tendência – a menos que as pessoas se dêem conta da estupidez que cometem – é a das futuras gerações se desumanizarem de vez e se tornarem meras “máquinas emocionais”, numa interação absoluta e total com os computadores, seus verdadeiros amores. Tomara que não se tornem!!!
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