Thursday, June 19, 2008

Feiúra e banalidade


Pedro J. Bondaczuk

A educação é um processo contínuo, que começa logo no nascimento – quando a natureza nos força a aprender a respirar, a se alimentar utilizando o seio materno e a praticar outros tantos atos vitais de que não nos damos conta – e se encerra, somente, com a nossa morte. Estamos, continuamente, aprendendo, aprendendo e aprendendo, todos os dias, todas as horas, todos os minutos até. Pena que a coisas novas que aprendemos nem sempre são as mais convenientes, ou necessárias, ou mesmo saudáveis para a nossa vida.
Nesse processo de constante aprendizado, atos, exemplos e atitudes, são muito mais importantes do que meras palavras, por mais profundas e bem-utilizadas que sejam. O homem é um animal imitador. Isso faz parte da sua natureza. Nesta época tensa da história, em que imperam o egoísmo e um inconsciente e estúpido materialismo, todavia, se torna cada vez mais difícil a tarefa do educador para ensinar princípios e valores sólidos aos jovens.
Escasseiam exemplos de grandeza, beleza e transcendência e abundam os de violência, cobiça e corrupção. O antropólogo e cientista do comportamento, Konrad Lorenz, chegou a desabafar, certa ocasião, com desalento, em entrevista a um jornal: “Como despertar num adolescente o sentimento de respeito, se tudo o que ele vê ao seu redor é obra humana, feia e banal?!”.
Como? Mostrando-lhe a ação dos grandes líderes do passado, que com idealismo e talento, promoveram importantes saltos na civilização. Não fossem eles, o mundo, certamente, estaria muito pior hoje em dia. Trazendo à baila obras de arte, de poetas, pintores, escultores, compositores etc., que tornaram a vida mais alegre e bela. É questão de justiça. Esses homens merecem nossa lembrança e gratidão.
Ressalte-se que não há demérito algum, ao contrário do que muitos pensam, em se imitar pessoas dignas de imitação. A rigor, passados 13 mil anos de civilização, com milhares e milhares de gerações se sucedendo, é absolutamente impossível sermos originais. Todos nossos atos e pensamentos, dos mais banais aos mais complexos e transcendentais, são imitados. Alguém, em algum tempo ou lugar, já os praticou.
Desde as primeiras palavras que balbuciamos, dos primeiros passos que damos, das coisas mais triviais que aprendemos, imitamos alguém. O problema é o modelo. Por exemplo, entre Hitler e São Francisco de Assis, é óbvio quem deve nos servir de parâmetro, não é mesmo?
Devemos imitar quem de fato mereça imitação, por seus atos e idéias. E muitos, dos que consideramos (com justiça) “gigantes da espécie”, a merecem. Não se pode negar, no entanto, que a feiúra e a banalidade imperam. Que a cobiça, a violência, a corrupção, as injustiças, a ingratidão e milhares e milhares de outras atitudes condenáveis e perversas prevalecem. Até a ação que deveria ser considerada transcendental (porque o é), foi desvirtuada, corrompida, conspurcada, banalizada e tornada horrível.
O mais sublime e importante dos atos da natureza, o que assegura a reprodução das espécies e a conseqüente multiplicação e perpetuação da vida, foi transformado, pelo homem, em algo trivial, de pouca (ou nenhuma) importância espiritual, mera diversão a dois. O desvirtuamento foi de tal sorte, que a maioria das palavras de baixo calão, utilizadas para ofender desafetos em momentos de raiva, tem conotação sexual.
O ato mais sublime e nobre que o ser humano deveria praticar com compunção, responsabilidade e devoção, foi corrompido, desvirtuado, aviltado, emporcalhado, mercantilizado e banalizado, quando deveria ser considerado sagrado e encarado como nossa maior missão no mundo.
Não se trata, aqui, de ditar regras de moral, mas de atentar para a pura lógica que, neste caso, é violentada da forma mais absurda e brutal. Machado de Assis, com seu talento, apresenta argumentos irretorquíveis em defesa da sacralidade do ato sexual, numa de suas magistrais crônicas, ao escrever: “Como a vida é o maior benefício do universo, e não há mendigo que não prefira a miséria à morte, segue-se que a transmissão da vida, longe de ser uma ocasião de galanteio, é a hora suprema da missa espiritual”. Há como refutar, com idéias e não meras palavras, tão sábio e verdadeiro argumento?
Embora a vida seja rápida demais (e é), são muitas as experiências afetivas, boas e ruins, que vivemos ao longo dos anos. São tantas, que sequer arranjam espaço suficiente na lembrança para poderem se perpetuar, apesar da memória ser tão ampla e receptiva. Esquecemos, com o tempo, de muitas dessas experiências e das pessoas com as quais as compartilhamos. Por isso, só vemos feiúra e banalidade ao nosso redor.
Causa-me intensa piedade, acompanhada de frustração, quando observo uma pessoa que tinha todo o potencial para se realizar na vida, para conquistar seus sonhos, concretizar seus ideais e ser feliz, fracassar e se tornar inútil, maldosa, amarga e derrotada. Foram inúmeras as que vi se corromperem e se desviarem da boa rota, enveredando pelo caminho do vício ou do crime.
Mais agudo, ainda, esse sentimento se torna quando constato que nada posso fazer para ajudar esse alguém que se desviou da trilha óbvia e segue, célere, em direção ao abismo sem volta. Lamento, lamento muito minha incapacidade de convencimento e minha conseqüente desvalia. Essas pessoas imitaram modelos errados, viciosos e corrompidos, de notórios fracassados, e se deram mal. Passaram a enxergar, apenas, feiúra e banalidade ao seu redor. E tornaram-se, física e espiritualmente, também feios e banais. Uma pena...

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