Sunday, June 08, 2008

DIRETO DO ARQUIVO


Ideais indestrutíveis


Pedro J. Bondaczuk


O dia de ontem marcou um aniversário que o comentarista se sente tentado a esquecer, por envolver dor, sofrimento e um profundo retrocesso político na sociedade nacional mais populosa do Planeta. Refiro-me ao massacre da Praça da Paz Celestial de Pequim onde, entre 3.500 e 5.000 pessoas – a cifra exata, por razões óbvias, nunca foi devidamente apurada – foram mortas por tanques chineses, por terem cometido o “crime” de pedir liberdade.
Milhares de manifestantes pró-democracia, por outro lado, foram encarcerados, numa flagrante e ostensiva violação de um dos direitos mais sagrados que um indivíduo possa ter: o de opinião. Mas a onda de protestos está longe de ter sido encerrada. Por razões táticas – pois, evidentemente, ninguém é suicida nesse movimento – talvez tenha sido adiada para uma ocasião mais propícia.
A abertura dramática que se verificou em todo o Leste europeu, no ano passado, quando, um após outro, regimes policialescos (que consideravam o ser humano não mais do que peça de uma monstruosa engrenagem, quando não mero número estatístico) foram ruindo, como castelos de cartas, faz prever que a queda da linha-dura chinesa é mera questão de tempo.
Pode demorar mais um, cinco, dez ou, quem sabe, quinze anos. Mas, fatalmente, esta torrente de descontentamento, que vem sendo represada (mediante a intimidação), mais cedo ou mais tarde, levará a barragem da truculência de roldão. Afinal, a liberdade, mais do que mero conceito ou simples expressão retórica, é um instinto básico do homem.
Na adianta se querer andar na contramão da História. É inútil desejar-se matar uma idéia mediante o recurso das armas. Esta independe de um indivíduo específico, principalmente quando fundamentada em conceito universal de justiça. De nada irão valer os chamados “campos de reeducação ideológica” chineses, quando a seara plantada com tamanha determinação e coragem, pelos mártires da Praça da Paz Celestial, estiver pronta para a colheita.
O mundo já conheceu, em outras épocas, inúmeros tiranos e tiranias. Alguns desses sistemas perversos conservaram-se por décadas, infelicitando a vida de gerações inteiras. A História foi escrita quase que toda com sangue, nos cerca de sete milênios de civilização.
Todavia, nunca ditaduras e ditadores, por mais perversos e sanguinários que fossem, conseguiram matar o ideal de liberdade nos povos que tiranizaram. Por isso, desapareceram. Por essa razão, os seguidores de Li Peng, mentores dessa barbaridade que foi o massacre da Praça da Paz Celestial de Pequim, não conseguirão extinguir, com tanques e execuções, com encarceramentos e intimidações, o significado maior simbolizado pela “deusa da democracia”, estátua de gesso dos manifestantes, que eles pisotearam, há um ano.

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 5 de junho de 1990).

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