Wednesday, June 18, 2008

Anseio de compreensão


Pedro J. Bondaczuk

A pessoa sábia nunca age com arrogância com ninguém. Trata os poderosos com cortesia, mas com altivez e é humilde para com os humildes. Sabedoria não tem nada a ver com quantidade de conhecimentos. Consiste na qualidade do que se conhece e, principalmente, no como se utiliza o que se sabe.
O sábio cultiva valores, como bondade, solidariedade, civilidade e cortesia, entre outros, e aplica-os no cotidiano. Busca compreender seus próprios instintos, sentimentos e pensamentos e procura fazer o mesmo em relação ao próximo. É altruísta e vive em sentido coletivo, ciente de que sozinho não é nada e ninguém.
Ignorante, por sua vez, não é o que não tem conhecimentos. É o que não sabe o que fazer com o que conhece. Grande quantidade de saberes, portanto, não é, necessariamente, sinônimo de sabedoria (até pode ser), mas de erudição. A pessoa que ostenta vários diplomas, de renomadas universidades, por exemplo, que tem títulos de pós-graduação de instituições de grande prestígio, até do exterior, é, sobretudo, douta, não necessariamente sábia. O será, somente, se entre seus conhecimentos estiverem valores de boa-conduta e civilidade e se os souber utilizar. E arrogância, convenhamos, não é um deles.
Todas as pessoas, mesmo que não admitam ou que sequer tenham consciência, anseiam por ser compreendidas. Quem acha que compreende os outros, mesmo os que lhe são mais próximos e compartilham do mesmo teto (e da mesma cama), está enganado. Volta e meia se surpreende com alguma palavra que não estava em seu “script” ou com alguma atitude inesperada.
No fundo, no fundo, somos todos solitários, embora em diferentes intensidades. Para sermos compreendidos, temos que nos expor. Não podemos temer decepções. Devemos nos prevenir para elas e tentar compreender os outros. É tarefa difícil, dificílima, muito mais complexa do que podemos supor. Mas é necessária, diria que indispensável, para relacionamentos sadios e equilibrados.
Qual é o oposto da esperança? A própria palavra já o sugere: é o desespero. É aquele estado de espírito em que não se acredita mais, de forma alguma, que o amanhã seja sequer um pouco melhor do que um hoje que nos cause aflições e dores.
Trata-se de condição dolorosa demais para quem a enfrenta, à beira de um abismo em que um simples passo tende a conduzi-lo à catástrofe, quem sabe ao suicídio. O máximo da esperança é justamente o antídoto para esse veneno da alma, que leva qualquer um a perder o equilíbrio.
Raras são as pessoas que conseguem sair sozinhas dessa situação. Quem chegou a este ponto, emite (posto que não por palavras, mas por gestos e atitudes), enfático “grito” de socorro aos que o cercam, posto que não acredite na possibilidade de ser ajudado. Do que precisa, porém, não é de sermões moralistas e muito menos de reprimendas. Necessita, acima de tudo e mais do que nunca, de compreensão.
Tive, há alguns anos, uma experiência com uma pessoa desesperada, à beira do suicídio, que recorreu aos meus préstimos, e até hoje não entendo por que. Afinal, não sou psicólogo ou psiquiatra, nem padre ou pastor ou algo que o valha. Não passo de um jornalista curioso e inquisidor, nada mais.
Senti-me, pois, perdido em meio àquele turbilhão de sentimentos desencontrados, intensos, caóticos, sem saber, em absoluto, como proceder. Lembrei-me, todavia, das recomendações de um voluntário do Centro de Defesa da Vida de como agir em situações como essa. Essa entidade, ressalto, faz um trabalho meritório e muito bem-sucedido junto a suicidas potenciais.
Dispus-me a ouvir o desesperado, como o recomendado, em seu desabafo dramático, sem acreditar nem um pouco que isso traria resultados. Mas trouxe. Todas as vezes que ele ameaçava se calar, eu lhe dava “corda” para que continuasse falando. Não lhe disse absolutamente nada. O que dizer em situações como essa? Senti que minhas palavras seriam inúteis, mesquinhas, banais e que talvez até agravassem seu desespero.
A pessoa falou, falou e falou, creio que por mais de duas horas, sem nenhuma interrupção. Até que, já sem fôlego, pareceu haver sido atingida, subitamente, por um raio. Suas feições se descontraíram, seu choro convulsivo cessou e começou, finalmente, a dizer coisas sensatas. Limitei-me, então, a convidá-la a fazer, comigo, uma prece, sem explicar por que. Conseqüência: só pelo fato de eu ter me disposto a ouvir, nada mais do que isso, salvei uma vida. Ou contribuí para isso.
Amiúde encontro essa pessoa pelas ruas da cidade. Jamais toquei no assunto desse episódio dramático que ambos vivemos, posto que em lados opostos. Não sei o que pensa de mim (nunca me disse) e na verdade não me importo nada, nada com isso.
Hoje essa pessoa é equilibrada, casada (seu desespero havia sido causado pelo rompimento de um namoro de sete anos), bom pai e um profissional bem-sucedido em sua área. Venceu, sozinha, a maior batalha da sua vida: a da própria sobrevivência. Saiu da beira do abismo pelas próprias forças por ter julgado que fora, finalmente, compreendida (não a compreendi, em absoluto, um só instante, mas simulei muito bem a desejada compreensão). Meu único mérito, se é que tive algum, foi o da paciência de ouvir. Antes que alguém me acuse de arrogante, ressalto que não me considero sábio em toda essa história. Paciente, talvez...

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