Sunday, June 29, 2008

DIRETO DO ARQUIVO


Liberais comprometem-se com mudanças


Pedro J. Bondaczuk



A fragorosa derrota do Partido Conservador colombiano nas eleições presidenciais de anteontem, ao contrário do que possa parecer, não foi apenas uma eventual manifestação de repúdio ao governo de Belisário Betancur, embora este tivesse tomado, no correr do seu mandato, algumas atitudes controvertidas e de falta de sensibilidade política. Foi, antes de tudo, a consumação de uma antiga exigência do eleitorado, visando a acabar com o sistema de coligações vigente há quase trinta anos na Colômbia. Em outras palavras, constituiu-se na vitória da tese mudancista, pregada por Virgílio Barco Vargas, um milionário, de 65 anos, ligado à indústria petrolífera.

Além de terem desprezado ostensivamente o seu adversário no correr da campanha, os conservadores cometeram outro erro capital entre tantos. Escolheram para candidato um político já derrotado em outras oportunidades e que, portanto, nunca teve um grande apoio popular. Além disso, o seu representante pregava uma tese diametralmente oposta à do presidente que o apoiava, Belisário Betancur, e exatamente num dos pontos considerados nevrálgicos da atualidade colombiana: a pacificação nacional.

Enquanto o governante no poder empenhava todo o seu prestígio político para obter uma trégua duradoura com a guerrilha e a reincorporação desses rebeldes ao processo democrático, Álvaro Gomez Hurtado, filho de um ex-presidente e com idéias absolutamente incompatíveis com o momento presente do país, se opunha à iniciativa. Usava, em seu favor, o argumento do ataque realizado no ano passado pelo Movimento 19 de Abril ao Palácio da Justiça de Bogotá, que redundou na morte de uma centena de pessoas, entre as quais a metade da Corte Suprema do país, ou seja, onze juízes.

Não foi muito difícil para Virgílio Barco explorar o descontentamento do eleitorado para com o governo, já que o sistema anacrônico vigorante nessa República, cristalizando o feudalismo rural e mantendo a maioria da população à margem das conquistas econômicas e sociais, é um imenso "cadinho", onde se desenvolve e se fortalece o vírus da violência, tornada praticamente crônica no país desde a década de 1950.

Bastou que ele apontasse as estatísticas, nuas e cruas, à população, dando conta do desemprego de 14% da mão de obra nacional, de altas taxas de inflação e de elevados contingentes de lavradores sem terra, migrando para as grandes cidades, onde engrossam as gigantescas favelas, que proliferam assustadoramente, para convencer os eleitores.

Entretanto, a vitória de Virgílio Barco, não tanto pelo fato de ter vencido, mas em razão dos números com que ela se configurou, lhe atribui, possivelmente, uma responsabilidade que nenhum outro presidente antecessor jamais teve. Afinal, ele obteve a maior diferença de votos já registrada na história eleitoral colombiana.

Milhões de pessoas deram seu crédito de confiança às suas teses mudancistas, inclusive e principalmente de mudanças na própria e secular estrutura social do país. O candidato liberal, que já havia obtido um triunfo espetacular nas eleições parlamentares de março passado, comandando a campanha do seu partido, se mostrou francamente favorável à aceleração do processo de recondução dos oito mil guerrilheiros (que se estima estejam atualmente em armas na Colômbia) à vida política normal no país.

Não se sabe, todavia, o que ele terá para oferecer aos que aceitarem abandonar a contestação violenta para se sentar diante de uma mesma mesa de diálogo. Desconhece-se, por outro lado, se Barco tentará trazer de volta às negociações os grupos mais extremados, como o M-19 e o Exército de Libertação Nacional.

Presume-se que sim, pois sem essas duas facções, o processo acabará por se esvaziar de vez. O eleitorado colombiano deu um claro recado nas eleições deste domingo: quer sobretudo as mudanças prometidas em palanque e para já, principalmente o fim do disfarçado bipartidarismo, que no final das contas, caía na existência virtual de um único partido, com os famigerados governos de coalizão, favorecendo negociatas, conchavos e toda a espécie de corrupção. Cumpre ao vencedor providenciar o atendimento dessa exigência.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 27 de maio de 1986)

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