Tuesday, September 12, 2006

O pulmão do Planeta - I


Detectada grande concentração de gás carbônico sobre a Floresta Amazônica


Pedro J. Bondaczuk


A Floresta Amazônica sempre foi tida como o “pulmão do Planeta”, permanente renovadora do indispensável oxigênio da Terra. Uma nova situação, porém, constatada por um dos ônibus espaciais da Nasa, se comprovada, pode modificar, dramaticamente, esse conceito. Trata-se da detecção de uma grande concentração de gás carbônico, verificada na área que, inclusive, valeu manchete, em 10 de julho de 1985, no “Jornal do Brasil”.

É claro que antes de um cuidadoso estudo, os cientistas não podem afirmar, de maneira categórica, por exemplo, que ao invés de absorver o monóxido de carbono (letal para o homem, mas indispensável no processo de alimentação das plantas), a Floresta Amazônica esteja atuando como consumidora de oxigênio. Para tanto, uma equipe, de 40 especialistas, está analisando a questão, buscando definir, de vez, o fenômeno e explicar exatamente o que está acontecendo.

As hipóteses de trabalho são duas, e diametralmente opostas. A primeira seria quanto a um excesso de emanação de gás carbônico pela mata, que seria causado por um processo de decomposição da matéria orgânica mais rápido do que o de crescimento de nova vegetação. As plantas mortas participam do chamado “ciclo do carbono”, devolvendo essa substância, que utilizam, quando vivas, à natureza.

A segunda hipótese é que a Floresta Amazônica, pela sua altíssima concentração vegetal, estaria, na verdade, atraindo as emanações de gás carbônico, lançadas fartamente na atmosfera pelos milhões de veículos que circulam diariamente nas grandes metrópoles mundiais, para o seu próprio uso.

Isso explicaria a exuberância da mata, mesmo em se sabendo que as terras em que se localizam são muito pobres em nutrientes. Caso essa explicação seja a mais plausível, a existência dessa gigantesca concentração florestal deixaria de ser apenas importante. Passaria a ser vital para a própria manutenção da vida no Planeta.

Uma terceira explicação, porém, está sendo cogitada. É a de que parte da poluição registrada na costa da Califórnia, especialmente em San Francisco e em Los Angeles, estaria sendo, por razões até aqui inexplicáveis, deslocadas pelos ventos para o equador, mais especificamente para a zona do Atlântico, próxima à foz do Rio Amazonas. Dada a sua alta concentração, a floresta não estaria conseguindo absorver esses gases que poderiam, eventualmente, trazer sérios riscos à sobrevivência da mata.

O trabalho de campo da pesquisa, que está sendo feita pelos técnicos e cientistas, deve levar quarenta dias para ser completado. Faz parte do programa denominado “Experimento Troposférico Global/Experimento da Camada Limite da Atmosfera Sobre a Amazônia”, cuja sigla, em inglês, é GTE/ABLE. Ele é coordenado pelo Instituto de Pesquisas Espaciais, com a participação de seis universidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Amazonas e Pará.

Esse grupo será apoiado por um avião especial da Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço dos Estados Unidos (Nasa), dotado de toda a instrumentação necessária para a medição do movimento dos ventos em toda a floresta e, especialmente, das estranhas concentrações gasosas.

Como ocorre o ciclo do carbono na natureza

Antoine Laurent Lavoisier, o químico francês considerado um dos criadores da química moderna, concluiu, em sua “Lei da Conservação da Matéria”: “Na natureza, nada se cria e nada se perde, tudo se transforma”. Isso ocorre, também, com todo o material orgânico, necessariamente dotado do elemento carbono. Esta substância é essencial à vida, quer animal, quer vegetal. Portanto, quanto mais seres vivos existirem, maior será a demanda por carbono no Planeta.

Mas o ar e a água representam enorme reservatório natural desse elemento, na forma de dióxido de carbono. Este, por sua vez, é a matéria-prima da fotossíntese das plantas, embora para o homem se constitua em subproduto da respiração. Ou seja, aquilo que os pulmões expelem, após a inalação de oxigênio – que seria como que um combustível utilizado pelo organismo humano para a queima do açúcar, gerador da energia que impulsiona os músculos e, assim, produz toda a sua atividade motora – é indispensável aos vegetais. Animal e planta, dessa forma, estabelecem um equilíbrio gasoso, impedindo que haja excesso de um dos dois gases.

A fotossíntese é a transformação, efetuada pelas plantas verdes, dotadas de clorofila, do dióxido de carbono, associado à água, em açúcar, em presença da luz. Esse processo é fundamental para o delicado mecanismo que possibilita a vida na Terra. É que o metabolismo vegetal é o único processo natural conhecido no qual, a partir de uma substância inorgânica, forma-se outra, orgânica. A fotossíntese contém, portanto, energia biologicamente utilizável. Por isso a vida depende dela, direta ou indiretamente.

Hoje sabemos que os primeiros seres vivos surgiram no Planeta há pelo menos dois milhões de anos. Se a substância orgânica não pudesse ser decomposta, em determinado estágio da sua trajetória histórica, a Terra ficaria totalmente coberta por espessa capa de plantas mortas. A conseqüência imediata disso seria a extinção de toda espécie de vida. E é fácil de se explicar a razão.

Como o carbono não seria devolvido à natureza, num certo momento, suas reservas ficariam exauridas. Ainda mais quando se sabe que as plantas assimilam, na fotossíntese, em termos quantitativos, muito mais esse elemento do que seu metabolismo necessita. E a reposição da matéria orgânica, em conseqüência, via de regra, é menor.

Mas a natureza tem mecanismos de autodefesa funcionando com perfeição. É dotada de vários seres capazes de decompor as substâncias vegetais mortas. Com isso, as reservas de carbono são constantemente renovadas, num interminável processo cíclico. Toda substância orgânica, mesmo as minerais (como o carvão e o petróleo) subordina-se, em princípio, a esse fenômeno. É decomposta e devolvida a esse “reservatório”.

Isso também acontece com as reservas de oxigênio. Esse gás, no processo de fotossíntese, é liberado como subproduto, renovando a camada gasosa da atmosfera. Por isso, a maior capa vegetal do Planeta (portanto, onde ocorre, com maior intensidade, a fotossíntese) é considerada o “pulmão” da Terra. Só que agindo de forma inversa à ação do pulmão humano. Ou seja, em vez de expelir dióxido de carbono, absorve-o. Em contraposição, expele o precioso (para os animais) oxigênio.


(Matéria Especial, publicada na página 21, do Correio Popular, em 27 de julho de 1985).

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