Friday, September 22, 2006

Alienação às avessas


Pedro J. Bondaczuk


O cidadão, em especial o brasileiro (que é o que conheço e o que posso analisar), é bombardeado, diariamente, por uma carga brutal de más notícias, como denúncias de corrupção em vários níveis da administração pública, aumento de preços e de impostos, surtos periódicos de desemprego, crescimento da miséria com seus dolorosos reflexos sociais, catástrofes de toda a sorte e violências de todos os tipos etc.
Este volume enorme de informação negativa, difundido por jornais, revistas, rádio, televisão, portais e blogs da internet, age sobre as pessoas, predispondo-as ao pessimismo, ao negativismo e ao desânimo. Pudera! Não há fortaleza de espírito que resista a tanta desgraça e patifaria juntas! Daí a onda de descrença generalizada que se observa no cotidiano e que nada constrói. Qual a opção dos meios de comunicação?
Esconder os fatos negativos, mantendo a população alienada? Passar uma imagem falsa da realidade, dando a entender que as coisas andam às mil maravilhas, quando de fato não estão assim? Evidentemente, não! Discordo dos que criticam o trabalho jornalístico, afirmando, (sem base nos fatos) que somos meros robôs dos patrões e que distorcemos a verdade a nosso bel prazer. Não somos perfeitos (ninguém é), mas salvo exceções (e estas existem em tudo e em todas as profissões), realizamos com competência e senso ético a nossa tarefa de informar. Todavia, dar a entender que só existem coisas e pessoas ruins, também é alienar. Devemos fugir dessa tentação. A palavra chave para os editores, como para todas as pessoas de bom-senso, em qualquer aspecto da vida, é: equilíbrio!
Compete aos analistas (supostamente formadores de opinião), que costumeiramente tratam destes temas, tentar orientar leitores (ou ouvintes, ou telespectadores, ou usuários da internet) para que dêem o devido peso a cada uma dessas informações. É sua tarefa fazer a contextualização exata dos fatos. Corrupção, desgraças, misérias, violência e injustiças sempre existiram e vão existir, porquanto caracterizam um dos lados do ser humano, o negativo, o imperfeito, o animal, o que precisa ser burilado.
Os tempos atuais, em termos qualitativos, não são nada piores do que as eras passadas. Se assim parece, é porque hoje há maior quantidade de pessoas (cerca de 6,5 bilhões) e infinitamente maiores facilidades de difusão de informações. Fica (claro) essa impressão, dado o volume avassalador de más-notícias despejado sobre cada um de nós (e que nós, editores, repassamos para os consumidores delas). Afinal, em época alguma o aparato comunicativo foi tão ágil, abrangente e instantâneo como agora, transformando, de fato, o mundo na tão apregoada “aldeia global” de que tanto o papa das comunicações, o canadense Marshall McLuhan, falou, em especial na década de 60 do século passado.
No século XIX, o poeta norte-americano Robert Frost constatou, a propósito de más-notícias: “Impacienta-me a idéia de que esta época é uma das piores da história do mundo. Já no seu tempo, Matthew Arnold, reclamava tal honra para a sua época, anterior à nossa. Wordsworth reclamava para a época retrasada. E assim vai, literatura afora. É falta de modéstia do homem imaginar-se sucumbido diante das piores forças já mobilizadas por Deus”.
O cidadão contemporâneo precisa se acostumar, pois, com a carga de más-notícias que recebe e saber como agir em relação a isso. Quando se tratar, por exemplo, de um escândalo envolvendo o patrimônio público, deve exercer seu direito de cidadania e cobrar providências. No caso da miséria, compete-lhe ser solidário e participar, de alguma forma, para que esta venha a ser, senão erradicada, pelo menos atenuada. E vai por aí afora.
Escândalos sempre existiram e provavelmente sempre existirão. O dramaturgo irlandês George Bernard Shaw constatou: “A verdade real é que não só é bom para as pessoas ficarem escandalizadas de vez em quando, mas também é absolutamente necessário que se escandalizem freqüentemente”.
O que não dá mais para suportar é ter de carregar um complexo de culpa permanentemente, apenas pelo fato de ser brasileiro. A imagem que se pinta de nós no exterior é constrangedora, ofensiva e irritante. Descamba para o estereótipo e, mais do que este, para o preconceito. No entanto, não somos piores (e nem melhores) do que ninguém. Corrupção, por exemplo, há em toda a parte, e em maior volume e proporção do que no Brasil. Os meios de comunicação estão aí para comprovar.
Claro que o fato de existirem corruptos em todas as partes do mundo não justifica a impunidade para os daqui. Todavia, agir como se todo o brasileiro, sem atentar para quem seja, pelo simples fato de nascer no País, é desprovido de senso ético e não passa de uma reprodução mais ou menos fiel daquele personagem sem caráter de Mário de Andrade, Macunaíma, é, não somente uma injustiça, mas uma tremenda burrice, para não dizer uma monumental sacanagem. E é isso que boa parte do mundo pensa de nós.

No comments: