Wednesday, September 20, 2006

Fascínio pelos labirintos


Pedro J. Bondaczuk

A vaidade é uma das características, um dos mais visíveis e notáveis defeitos (ou seria virtude?), das pessoas criativas, notadamente dos escritores, e mais em especial ainda, dos poetas. Claro que há exceções, como, aliás, em tudo na vida. Neste caso, porém, prevalece a regra. Alguns chegam a levar essa peculiaridade ao grau superlativo, ao da soberba, da arrogância e da petulância. Felizmente, para eles, não é o que fica a seu respeito para a posteridade, na história da literatura, quando morrem. Permanece a sua obra. E, claro, somente quando esta é de qualidade.
A vaidade dos escritores, esclareça-se, não se refere ao seu aspecto físico (sua eventual beleza, elegância ou charme) e nem à sua riqueza (de raríssimos), força ou coragem. Esses são aspectos que, via de regra, não têm a mínima importância para esses artesãos do verbo, que transpiram criatividade por todos os poros. O que os deixa vaidosos é a sua visão de raio-x da vida, é o talento que têm de enxergar o que realmente importa, de tudo o que nos rodeia, e exatamente onde ninguém enxerga: no óbvio.
O poeta é, sobretudo, um descomplicador, um faiscador de pepitas da beleza, meticulosamente escondidas sob a ganga impura do cascalho inútil. E o que é verdadeiramente belo, por estranha ironia, costuma ser, sempre, de uma simplicidade franciscana. Raros escritores têm a coragem de vir a público e confessar que sofreram qualquer espécie de influência de outros, como se isso se constituísse em alguma mancha, em algum delito, em fatal demérito. Claro que não é.
Poucos, no entanto, em especial os mais eruditos, podem afirmar, sem que se sintam mal por dizerem uma inverdade, que não foram influenciados em nada pela obra de Jorge Luís Borges. Em especial, quando se trata da literatura latino-americana, que da primeira metade do século passado para cá, experimentou rara explosão de criatividade, para assombro de culturas mais antigas, notadamente a européia, que não acreditavam que a jovem civilização do Novo Mundo pudesse produzir obras tão marcantes, densas, originais e consistentes.
Claro que não vou mencionar autores em cujos estilos e temas é patente a influência borgiana. E por que não o faço? Simples! Por dois motivos. Primeiro, por levar em conta o aspecto vaidade, que mencionei. Não quero melindrar ninguém. E, segundo, por não pretender polemizar com quem quer que seja. Limito-me, pois, a chamar a atenção do leitor para esse aspecto. Certamente, ele saberá identificar por si só onde está essa influência.
De minha parte – embora me considere poeta de terceiro escalão – não tenho o mínimo pudor ou constrangimento de declarar que fui e sou influenciado, e muito, por Jorge Luís Borges, principalmente na maneira de encarar a vida e nos aspectos que mais me motivam a escrever. Como ele, por exemplo (ou em decorrência dele), o tempo e os labirintos são dois temas recorrentes em minha prosa e, sobretudo, na minha poesia.
Essa vertente de inspiração foi apenas uma, das tantas, que o escritor argentino me suscitou. Li relativamente pouco do que ele escreveu. Dos 41 livros que publicou, tenho, se tanto, uns 15, mas os considerados principais. Quanto ao tempo, a obra borgiana apenas complementou a impressão que me foi deixada no espírito pela leitura dos seis volumes do “Recherche du temp perdu”, de Marcel Proust. Já os labirintos, ainda me causam um fascínio indescritível, embora tenha utilizado essa imagem em poucas das minhas produções.
Claro que nossas concepções do tema são diferentes. À visão original de Borges, agreguei a minha experiência pessoal e a minha cultura (ambas, evidentemente, muitos furos inferiores às do escritor argentino). Com o toque da minha personalidade, o tema ganhou rumos próprios, novos, originais, embora (obviamente) menos brilhantes do que os do seu inspirador.
A vida é um labirinto, onde todos estamos perdidos, em busca de uma saída, tendo em nosso encalce, nos nossos calcanhares, uma fera sanguinária e insensível, que nos persegue de maneira implacável, no intento de nos matar. Sabemos que um dia seremos alcançados por ela, embora não possamos atinar em que ponto desse emaranhado de caminhos e quando. Andamos em círculos e, no final de cada passagem, nos deparamos, invariavelmente, com nova parede e novos rumos que podem ou não nos conduzir à saída. Porém, no final das contas, eles acabam nos conduzindo, somente, a idênticos resultados. Ou seja, a novas paredes.
Enquanto a maioria dos romancistas, contistas e poetas limitam-se a descrever a vida, Jorge Luís Borges mostrou-se mais ousado e foi além: “recriou-a”. E fez isso com tamanha verossimilhança, que o que inventou se confunde com o que, de fato, sempre existiu. Por isso, enquanto eu viver, ele também viverá em meu íntimo, em minhas elucubrações cotidianas mais secretas e em minha busca ingente e desesperada pela “saída do intrincado labirinto da vida”. Vaidades à parte...

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