Monday, September 18, 2006

Nas garras do ceticismo


Pedro J. Bondaczuk


O ceticismo – a profunda descrença em tudo e em todos – ao lado da solidão, é uma das características marcantes deste início de milênio, de parcela expressiva da população mundial. Claro, seguindo em paralelo, há os que têm uma fé profunda, irrestrita, mística, extremada até, em tudo o que entendem que seja a “sua” verdade, não importa sua natureza que pode ser religiosa, social, ideológica ou qualquer outra. Como os extremos se tocam, ambas as atitudes, levadas ao seu ponto máximo, são equivocadas e nocivas. Como diz o povo, em sua simplicidade e sabedoria, “a virtude está no meio”.
O ceticismo extremado conduz as pessoas ao desencanto, à desconfiança patológica e às neuroses de toda a sorte, que afetam a tanta gente pelo mundo afora. A fé cega, por seu turno, aquela sem nenhum questionamento e nenhuma base minimamente lógica para se acreditar no que se acredita, baseada, apenas, na superstição, leva, via de regra, quem age dessa maneira, à estreiteza mental, ao dogmatismo exacerbado e, finalmente, ao fanatismo, causa de tantos desatinos e tragédias.
A atitude sensata (e sábia), é cultivar um conjunto de valores, testados e aprovados ao longo tempo, é estudá-los em profundidade, para dar-lhes sólida fundamentação e é buscar disseminá-los na sociedade, não os impondo, contudo, a ninguém, mas convencendo as pessoas da sua correção e dos resultados positivos que trazem.
Se tivesse que optar, todavia, entre o absoluto ceticismo (negação, inclusive, da própria existência) e a fé cega, certamente optaria por esta última. Claro que não buscaria impor minhas crenças a ferro e fogo a quem quer que fosse. Poderia até tentar convencer os que me cercam com argumentos (se os tiver, é claro), lhes dando, porém, a opção de aceitar ou de recusar aquilo em que acredito.
John Updike, no romance “O Encontro”, constata que “não há bondade sem fé”. E prossegue: “Sem fé, todos os atos são apenas ocupações. E se não teve fé, no fim da vida saberá então que enterrou todas as suas possibilidades no solo deste mundo e que já nada lhe resta para levar para o outro”. Isto, se acreditar em um outro, no que os céticos não crêem. Por isso, não contam com base para a esperança. Suas vidas são áridas, vazias, sem sentido, verdadeiras sucursais do inferno.
Mas o argumento mais sólido (e lógico) para que acreditemos em alguém, ou em algo (mesmo que de forma instintiva e irracional), é dado pelo norte-americano Will Durant, em seu clássico “Filosofia da Vida”. Num determinado trecho, o filósofo analisa a “naturalidade” e a falta dela das duas posturas. E conclui: “A crença é um fenômeno natural. Vem diretamente das nossas necessidades emotivas – da fome de auto-conservação, da sede de recompensa, de companhia, de segurança e até do pendor pela submissão”.
Qual a pessoa “normal” (e reconheço que esse conceito de normalidade é bastante elástico e ambíguo) não sente, ou nunca sentiu, esse tipo de necessidade? Quem, em sã consciência, não procura, por exemplo, conservar a saúde? Quem não aspira ser recompensado por suas boas obras ou idéias? Quem não sonha com uma companhia amiga e protetora, que o aceite, ame, ampare e compreenda? Quem não quer se sentir seguro, sem temores em relação à integridade física e de seu patrimônio? Para os que têm essa necessidade, a fé (não importa em quem ou no quê) se constitui em atitude mais do que natural: é instintiva até.
Ernesto Sábato, em seu livro “Antes do fim”, nos apresenta o outro extremo da questão, o ponto de vista dos céticos. Afirma: “Os jovens sofrem: já não querem mais ter filhos. Não há ceticismo maior. Assim como os animais no cativeiro, nossas jovens gerações não se arriscam a ser pais. Tal é o estado do mundo que estamos lhes entregando”. E aponta as atitudes que, no seu entender, são algumas características dessa profunda descrença, especialmente das gerações mais novas: “A anorexia, a bulimia, as drogas e a violência são outros dos sinais deste tempo de angústia, reações ao desprezo pela vida daqueles que nos comandam. Como poderíamos explicar aos nossos avós que levamos a vida a uma tal situação que muitos jovens se deixam morrer porque não comem ou vomitam os alimentos? Por falta de apetite pela vida ou para cumprir o mandato que a TV nos inculca: a magreza histérica”.
Quem tem fé, é otimista, até por definição. Por maiores que sejam seus problemas, dúvidas, dores e aflições, sempre acredita que, no final das contas, tudo vai se arranjar, dar certo e se resolver. E, por acreditar, age nessa direção e via de regra acaba conseguindo (embora sempre haja exceções). Que tipo de atitude, pois, é o mais sábio e racional? Crer na vida, na alegria e na felicidade ou se conformar em permanecer passivo nas garras do ceticismo? Cada qual que responda, à sua maneira, essa questão.

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