Thursday, September 28, 2006

Autógrafo genético


A realidade é mesmo mais absurda do que a mais louca das ficções. Quem vive de olhos e ouvidos atentos sabe bem disso. Folheando uma das pastas da minha hemeroteca, com recortes de jornais diários, encontro uma informação, publicada em 1997, no mínimo insólita. É o tipo da notícia que em jornalismo se classifica de "homem mordendo o cachorro". Merece, evidentemente, destaque, já que o usual seria ocorrer exatamente o contrário.
Está na coluna do dia 21 de setembro desse ano do então correspondente do "O Globo" nos Estados Unidos (não sei se ainda o é, acho que não), José Meirelles Passos. O jornalista nos informa que estava virando moda, na ocasião, na terra de Tio Sam, pessoas colecionarem "autógrafos genéticos"!!! Ora, vejam só...
A idéia, grande sucesso comercial conforme o colunista, foi do cientista Kary Mullis, da Califórnia. O pesquisador, que ganhou o Prêmio Nobel de Química de 1992 (portanto, não se trata de um maluco excêntrico qualquer, mas de alguém qualificado), reproduziu o DNA (em português a sigla é ADN, de Ácido Desóxirribonucleico), de personalidades mundiais, como Albert Einstein, Elvis Presley, Marylin Monroe, James Dean e até de Abraham Lincoln e do líder da independência norte-americana e primeiro presidente desse país, George Washington. A reprodução foi feita a partir de fios de cabelo desses homens famosos, adquiridos de colecionadores.
Para organizar o negócio – dos mais lucrativos, a julgar pelo faturamento previsto para aquele ano, de US$ 100 milhões – criou-se, inclusive, uma empresa, a Stargenes (que nem sei se ainda existe). O DNA, uma espécie de "impressão digital" do indivíduo, já que não há dois exatamente iguais, era reproduzido de acordo com a procura (alguns aos milhões, como no caso de Elvis Presley e outros em quantidades consideravelmente menores) e colocado em anéis e brincos, que eram posteriormente vendidos.
É o cúmulo da "tietagem" e ainda por cima post-mortem. É ou não é uma coisa maluca? Jamais soube de qualquer escritor que previsse, em seus contos, romances ou novelas, algo sequer parecido. Mas a realidade engendrou esse comércio inútil.
Qual a razão de tamanha procura por objetos pessoais e autógrafos (agora partículas) de pessoas famosas? No fundo, no fundo, é o desejo de compartilhar notoriedade, talvez achando, no subconsciente, que a criatividade é como um vírus, capaz de contaminar pela proximidade. Infelizmente não é. A burrice talvez seja...
Trata-se de uma tentativa (inútil) de guardar algo precioso de indivíduos bem sucedidos. O doutor Howard Rusk, num artigo que li há muitos anos, sugere, no entanto, coisas mais palpáveis que deveriam ser colecionadas. Destaca: "Há tanta coisa neste mundo que todos poderiam alcançar e tocar e guardar consigo, para si mesmos, e espalhar entre todos os outros! Não é dinheiro – porque o dinheiro só serve pelo que possa fazer – e só é bom se é usado para ajudar. Mas as pessoas poderiam procurar bondade e retidão...e poderiam espalhar bondade e retidão em volta de si, para os outros".
Essas pessoas famosas deixaram seus "autógrafos", a marca de seu talento, o registro de sua genialidade, nas obras que legaram à humanidade, não importa se científicas, políticas ou artísticas. Isto é o que conta. Por causa disso é que são lembradas e têm o nome imortalizado. Pois como dizem os versos de Ezra Pound – internado em um hospício, por haver apoiado o nazi-fascismo durante a Segunda Guerra Mundial – do alto do seu sábio inconformismo: "Ao piparote dos anos tudo rola em ruinas./ Fica de pé o gênio, ornamento imortal, um nome feito/ para não desgastar-se ao decurso dos anos". Autógrafo genético...querem bobagem maior?!

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