Versos que marcam
Pedro J. Bondaczuk
Aqueles que amam, verdadeiramente, a literatura e fazem dela mais do que mero hobby, têm determinados versos, de poetas preferidos, como uma espécie de marcas registradas. Sabem-nos de cor e salteado, recitam-nos a qualquer momento, até para mantê-los frescos na memória e comovem-se, às vezes até as lágrimas, se os ouvem recitados por outros.
O mesmo ocorre, por exemplo, com determinadas canções. Os casais apaixonados têm esse costume. Elegem certas músicas como “suas”, ou porque se conheceram em um momento em que eram executadas, ou porque o namoro foi oficializado tendo-as por fundo ou por tantas e tantas outras razões “que a própria razão desconhece”.
Com a poesia, a coisa é mais seletiva. Quem cultiva com especial carinho determinados poemas em geral é pessoa de cultura acima da média, habituada a ler, não raro perpetra também os próprios versos e, em suma, tem alma de poeta, mesmo que não o seja.
Alguns preferem as tradicionais, com métrica, rima e ritmo, outros manifestam preferência por um jeito mais moderno de poetar. Mas não conheço amante de literatura que não tenha uma, ou várias poesias que lhe falem mais diretamente à alma.
Às vezes isso acontece até por influência das professorinhas, aquelas responsáveis por nos incutir as primeiras letras, que nos escolhem para decorarmos, e apresentarmos em determinadas cerimônias especiais da escola, versos de algum poeta. Nestes casos, salvo engano, os preferidos são dos que exaltam a pátria e os valores cívicos, como Olavo Bilac, Castro Alves e tantos outros.
O engraçado é que na época, achamos um saco o fato dessa escolha ter recaído justamente sobre nós. Penamos para decorar os versos que a mestra ordenou. No dia da apresentação, perante toda a classe, o corpo docente e os pais, trememos na base na hora da declamação. Há crianças que ficam tão nervosas que chegam a ficar paralisadas e mudas, e não sai nada na hora. É aquele vexame! Essas, certamente, irão se lembrar, vida afora, desse trauma e talvez detestem para sempre a poesia. Uma pena, mas acontece.
Quando nos saímos bem, no entanto, é uma glória! Os aplausos e tapinhas nas costas de aprovação, além dos beijos da mãe orgulhosa e das tias não menos, são um estímulo extraordinário. Nesses casos, até subconscientemente, passamos a atentar melhor para a poesia e não raro, passamos a perpetrar os próprios versos. Essa é uma das formas em que a vocação poética mais se manifesta. Há, até, quem tome gosto pelo palco e se transforme em ator ou atriz um dia na vida.
Muitas vezes, passados anos ou até décadas, quando achamos que tais poemas se apagaram por completo da memória, eis que os versos tão marcantes vêm, de chofre, à mente, palavra por palavra, metáfora por metáfora, rima por rima, sem que falte coisa nenhuma. Isso, quase sempre, acontece quando rememoramos fatos da infância com os filhos, ou às vezes até com os netos, e mencionamos nossos dotes de “declamadores”.
Mas as razões de determinadas poesias adquirirem valor sentimental tão grande são as mais variadas possíveis. Às vezes, por exemplo, os versos que se tornam marcantes foram os que nossa primeira namorada escreveu em um caderno nosso de recordação, ou num bilhetinho apaixonado. Outras, até, por causa de momentos mais amargos, como, por exemplo, um fora tomado de uma pessoa que amávamos demais.
No auge da dor-de-cotovelo podemos tê-los lido, quem sabe por entre lágrimas amargas, e assim eles se fixam na memória como se talhados em mármore. Ou para marcar o nascimento de um filho. Ou para consolar-nos face à morte de um ente muito querido. O fato é que só a poesia tem esse dom de se incorporar às nossas vidas de maneira tão profunda e serem uma espécie de interruptores que tragam à tona, subitamente, momentos especiais que nos marcaram, mas que ficaram no passado.
Sei de cor e salteado, e recito nas mais diversas ocasiões, para platéias ou para mero espanto da mulher e dos filhos (que suspeitam que enlouqueci), poemas e mais poemas, de Castro Alves, Olavo Bilac, Cruz e Sousa, Antero de Quental, Mario Quintana, Vinícius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e vai por aí afora.
O líder sul-africano Nelson Mandela, nos amargos anos de cárcere que suportou (foram 27), sempre que sentia que estava prestes a fraquejar, declamava para si mesmo os versos do poema “Invictus”, de William Ernst Henley, e com isso recobrava o moral.
Por que escolheu, especificamente, esta poesia e não tantas outras que leu? Os próprios versos iniciais desse magnífico poema dão uma pista sobre a razão. Dizem: “Do fundo da noite que me envolve,/negra como o Inferno dum pólo ao outro,/eu agradeço aos deuses, não importa quais/pela minha alma inconquistável”.
Até saber da preferência de Mandela, eu havia lido esse poema dezenas de vezes sem que ele me despertasse nenhuma emoção especial. Depois, no entanto... Posso declamá-lo inteiro, se preciso até de trás para a frente, já que o magnífico ex-presidente sul-africano é, há já quatro décadas, um dos meus ídolos, o sujeito em que busco me inspirar em minha conduta pública.
Pedro J. Bondaczuk
Aqueles que amam, verdadeiramente, a literatura e fazem dela mais do que mero hobby, têm determinados versos, de poetas preferidos, como uma espécie de marcas registradas. Sabem-nos de cor e salteado, recitam-nos a qualquer momento, até para mantê-los frescos na memória e comovem-se, às vezes até as lágrimas, se os ouvem recitados por outros.
O mesmo ocorre, por exemplo, com determinadas canções. Os casais apaixonados têm esse costume. Elegem certas músicas como “suas”, ou porque se conheceram em um momento em que eram executadas, ou porque o namoro foi oficializado tendo-as por fundo ou por tantas e tantas outras razões “que a própria razão desconhece”.
Com a poesia, a coisa é mais seletiva. Quem cultiva com especial carinho determinados poemas em geral é pessoa de cultura acima da média, habituada a ler, não raro perpetra também os próprios versos e, em suma, tem alma de poeta, mesmo que não o seja.
Alguns preferem as tradicionais, com métrica, rima e ritmo, outros manifestam preferência por um jeito mais moderno de poetar. Mas não conheço amante de literatura que não tenha uma, ou várias poesias que lhe falem mais diretamente à alma.
Às vezes isso acontece até por influência das professorinhas, aquelas responsáveis por nos incutir as primeiras letras, que nos escolhem para decorarmos, e apresentarmos em determinadas cerimônias especiais da escola, versos de algum poeta. Nestes casos, salvo engano, os preferidos são dos que exaltam a pátria e os valores cívicos, como Olavo Bilac, Castro Alves e tantos outros.
O engraçado é que na época, achamos um saco o fato dessa escolha ter recaído justamente sobre nós. Penamos para decorar os versos que a mestra ordenou. No dia da apresentação, perante toda a classe, o corpo docente e os pais, trememos na base na hora da declamação. Há crianças que ficam tão nervosas que chegam a ficar paralisadas e mudas, e não sai nada na hora. É aquele vexame! Essas, certamente, irão se lembrar, vida afora, desse trauma e talvez detestem para sempre a poesia. Uma pena, mas acontece.
Quando nos saímos bem, no entanto, é uma glória! Os aplausos e tapinhas nas costas de aprovação, além dos beijos da mãe orgulhosa e das tias não menos, são um estímulo extraordinário. Nesses casos, até subconscientemente, passamos a atentar melhor para a poesia e não raro, passamos a perpetrar os próprios versos. Essa é uma das formas em que a vocação poética mais se manifesta. Há, até, quem tome gosto pelo palco e se transforme em ator ou atriz um dia na vida.
Muitas vezes, passados anos ou até décadas, quando achamos que tais poemas se apagaram por completo da memória, eis que os versos tão marcantes vêm, de chofre, à mente, palavra por palavra, metáfora por metáfora, rima por rima, sem que falte coisa nenhuma. Isso, quase sempre, acontece quando rememoramos fatos da infância com os filhos, ou às vezes até com os netos, e mencionamos nossos dotes de “declamadores”.
Mas as razões de determinadas poesias adquirirem valor sentimental tão grande são as mais variadas possíveis. Às vezes, por exemplo, os versos que se tornam marcantes foram os que nossa primeira namorada escreveu em um caderno nosso de recordação, ou num bilhetinho apaixonado. Outras, até, por causa de momentos mais amargos, como, por exemplo, um fora tomado de uma pessoa que amávamos demais.
No auge da dor-de-cotovelo podemos tê-los lido, quem sabe por entre lágrimas amargas, e assim eles se fixam na memória como se talhados em mármore. Ou para marcar o nascimento de um filho. Ou para consolar-nos face à morte de um ente muito querido. O fato é que só a poesia tem esse dom de se incorporar às nossas vidas de maneira tão profunda e serem uma espécie de interruptores que tragam à tona, subitamente, momentos especiais que nos marcaram, mas que ficaram no passado.
Sei de cor e salteado, e recito nas mais diversas ocasiões, para platéias ou para mero espanto da mulher e dos filhos (que suspeitam que enlouqueci), poemas e mais poemas, de Castro Alves, Olavo Bilac, Cruz e Sousa, Antero de Quental, Mario Quintana, Vinícius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e vai por aí afora.
O líder sul-africano Nelson Mandela, nos amargos anos de cárcere que suportou (foram 27), sempre que sentia que estava prestes a fraquejar, declamava para si mesmo os versos do poema “Invictus”, de William Ernst Henley, e com isso recobrava o moral.
Por que escolheu, especificamente, esta poesia e não tantas outras que leu? Os próprios versos iniciais desse magnífico poema dão uma pista sobre a razão. Dizem: “Do fundo da noite que me envolve,/negra como o Inferno dum pólo ao outro,/eu agradeço aos deuses, não importa quais/pela minha alma inconquistável”.
Até saber da preferência de Mandela, eu havia lido esse poema dezenas de vezes sem que ele me despertasse nenhuma emoção especial. Depois, no entanto... Posso declamá-lo inteiro, se preciso até de trás para a frente, já que o magnífico ex-presidente sul-africano é, há já quatro décadas, um dos meus ídolos, o sujeito em que busco me inspirar em minha conduta pública.
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