Sunday, May 09, 2010




Sucateamento ameaça a economia

Pedro J. Bondaczuk

A indústria, a agricultura e o comércio nacionais, mesmo tendo os seus próprios problemas, correm o risco de serem afetados por um outro, que não se prende, diretamente, aos seus setores, mas que, a médio, ou até mesmo a curto prazo, os irá afetar.
É que a frotas brasileira de veículos rodoviários está ficando muito velha e não está tendo a devida reposição. Ano a ano, mais caminhões transformam-se em autênticas sucatas sobre rodas, ameaçando o transporte e a distribuição de produtos industriais e agrícolas.
Neste momento, em que se vem dando especial estímulo ao aumento de produtividade de alimentos, para abastecer o mercado interno e para exportação, é hora de se encarar com realismo esta questão, que pode afetar a todos, indistintamente.
Supondo que nenhum veículo rodoviário tenha saído de circulação desde 1968, e baseados apenas nas vendas, podemos afirmar que a frota nacional gira, hoje, em torno de 1.096.413. Desse total, no entanto, 70% têm mais de dez anos de uso. E aqui, quando se fala em utilização, refere-se àquela intensiva.
Em termos de quilometragem rodada, isto pode ir muito longe. Afinal, o Brasil tem as dimensões de um continente. E a maior parte das estradas brasileiras mal merece essa designação, não passando de meras trilhas, um pouco mais largas, que em determinadas épocas do ano ficam intransitáveis, especialmente nos períodos de chuvas. Isto aumenta o desgaste dos veículos e diminui, por conseqüência, a sua vida útil.
Numa estimativa bastante otimista, acredita-se que o País precisaria renovar, anualmente, 200 mil de seus caminhões, entre leves, médios, semipesados e pesados para que a frota nacional não ficasse defasada. O que se verifica, no entanto, é que cada período que passa, enquanto os veículos que estão rodando ficam mais velhos e desgastados e, portanto, com sua manutenção encarecida, a renovação vem diminuindo, ao invés de crescer.
Em 1986, por exemplo, foram vendidas 71.864 unidades, com um déficit de cerca de 128.136 em relação ao que seria necessário. No ano passado, no entanto, tais comercializações decresceram dramaticamente, na esteira do desaquecimento econômico que se verificou. Foram de somente 56.410 caminhões, ou 143.590 a menos do que seria desejável.
Não é por acaso, portanto, que os agricultores vêm encontrando crescentes dificuldades para o escoamento das suas safras, que nos dois últimos anos foram das melhores, principalmente em 1987, quando tivemos um recorde de produção. A situação é mais dramática no setor dos caminhões pesados.
Nesse segmento, a taxa de envelhecimento, ou seja, de veículos com mais de dez anos de uso, já chegava, até dezembro passado, a 52,9%. É como alertou o superintendente de Distribuição e Transportes da fábrica de papel Santa Terezinha, de São Paulo, Reinaldo Werner Zietlow, em entrevista que concedeu à revista Transporte Moderno, em sua edição de março passado: “Nos próximos anos, a persistir essa tendência, caminhões como o Scania de três eixos serão utilizados em distâncias mais curtas, na medida em que forem envelhecendo. Aí, não deveremos encontrar dificuldades, mas sim nas longas distâncias, acima de 800 quilômetros”.
Tomando como fonte a pesquisa feita pela Santa Terezinha, concluiremos que em dezembro do ano passado, o Brasil tinha, circulando em suas estradas (isto supondo que desde 1968 nenhum veículo havia sido aposentado, destruído em acidente ou tirado de circulação por qualquer outro motivo), 246.356 caminhões leves, 525.920 médios, 212.737 semipesados e 111.402 pesados.
A idade média dessa frota, em conjunto, era de 10,57 anos. É evidente que em tais circunstâncias a eficiência tende a decrescer, trazendo dores de cabeça para todos. Para corrigir isso, são necessárias duas providências básicas. A primeira é que a indústria nacional produza, anualmente, pelo menos os 200 mil veículos de carga necessários para a renovação das unidades rodantes. A segunda, é que haja incentivos de várias espécies para que esses caminhões possam ser adquiridos. Que os preços, principalmente, se tornem acessíveis, mediante condições especiais de financiamento e de isenções ou reduções tributárias.
Afinal, este é um problema que interessa a todos, e não somente aos transportadores. À indústria, porque não adianta produzir se não houver meios de levar os produtos ao mercado. Ao contrário, que só pode ver o frete barateado e a mercadoria sendo entregue no prazo, se o veículo que a transportar for eficiente e pouco dispendioso.
Ao governo, em sua estratégia de combate à inflação, já que os custos de uma frota nova (e estes são, compreensivelmente, repassados para os preços finais ao consumidor) são muito menores do que o de caminhões velhos, que queimem muito combustível ou que requeiram reparos muito caros.
As montadoras brasileiras aumentaram a sua produção de veículos rodoviários em março passado, conforme dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores. O crescimento na faixa dos médios no primeiro trimestre de 1988 foi de 13,7% e dos pesados, de 64,5%.
Mas esse aumento foi absorvido, em grande parte, pelo mercado externo. Foram exportadas, nos três primeiros meses deste ano, 67,5% a mais de unidades do que no mesmo período de 1987. Isto pode ser interessante para a indústria automobilística e para que o País melhore o desempenho de sua balança comercial.
Mas para atender às necessidades de transporte nacionais, seria indispensável que as vendas internas crescessem, e em torno das 200 mil unidades anuais necessárias para a renovação da nossa frota. Caso contrário, em pouco tempo, o País poderá parar por falta de veículos para distribuir as riquezas que gera.

(Artigo publicado na página 8, Opinião, da revista Sindicamp, edição de abril de 1988)

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